Nesta segunda feira, a coluna “Made in USA”, do advogado Rafael Rafic, conta a história de um pequeno milagre esportivo brasileiro: a classificação da seleção de baseball para o Mundial da categoria.
Milagre Verde e Amarelo
Estava planejando tirar umas férias em dezembro e só voltar a escrever para o blog entre o Natal e o ano-novo, por causa do xadrez.
Porém tive que arrumar tempo (arranjado em mais uma nota triste produzida pela presidência da Portela) para escrever esta coluna sobre a heróica e inédita classificação da seleção brasileira de baseball para o World Baseball Classic de 2013 (WBC, ou Mundial de Baseball, como preferirem).
Admito que é um orgulho pessoal enorme ver a seleção do meu país, sem tradição, brilhar no esporte que é minha paixão.
Mas antes, preciso explicar exatamente o que é o WBC e porque, apesar do Brasil já ter jogado as Copas do Mundo de baseball de 2003 e 2005, essa classificação está sendo tratada como inédita.
Historicamente os jogadores da Major League Baseball (MLB), a liga americana, nunca jogavam pelas seleções de seus países. A MLB não é vinculada de qualquer forma a Federação Internacional de Baseball (IBAF) e se recusava a ceder os jogadores para as competições internacionais tais, como Jogos Olímpicos e copa do mundo de baseball.
Assim, os times que participavam dessas competições invariavelmente eram bastante inferiores aos times da MLB, pois só jogavam amadores. Ou, no caso dos EUA e do Canadá, jogadores universitários, em uma época que os bons jogadores nem na universidade entravam.
Resultado: não bastasse a copa do mundo ficar esvaziada, países tradicionalíssimos do esporte, como a Republica Dominicana, não participavam porque simplesmente não tinha jogadores fora da MLB para isso. Cuba, com seu regime de proibição de saídas, mantinha um timaço amador que ganhou 11 das últimas 15 copas do mundo e foi vice em outras três. Na restante Cuba se recusou a jogar, pois ocorreu na Coréia do Sul.
Porém o baseball foi cortado dos Jogos Olímpicos em 2005, justamente sob a justificativa que não fazia sentido manter um esporte que não enviava seus melhores jogadores para os Jogos.
Então se criou uma pressão muito forte da imprensa americana em cima da MLB para que fizesse alguma coisa e ajudasse o baseball, esporte queridinho dos americanos WASP (brancos, anglo-saxões e protestante) nos Jogos, em sua tentativa de voltar ao programa olímpico (ainda sem sucesso).
Como Bud Selig, comissário da MLB (parecido com um presidente), adora “jogar para a galera” (abordei isso na primeira Made in USA que escrevi) e não podia liberar seus jogadores para os Jogos Olímpicos, já que os calendários coincidem e 90% dos jogadores seriam pegos no rigoroso exame anti-doping, ele resolveu criar um torneio internacional a ser jogado na pré-temporada do baseball americano com os jogadores da MLB.
Esse torneio foi o WBC.
Inicialmente o WBC recebeu a chancela da IBAF, mas não recebeu o título de “mundial de baseball”, pois o torneio convidava 16 times ao bel prazer da MLB, sem qualquer democracia.
Nesses moldes o WBC em suas duas primeiras edições, 2006 e 2009 (ambas vencidas pelo Japão) coexistiu com a Copa do Mundo de baseball “amador”. O campeão deste último era reconhecido como campeão mundial.
Até que após um acordo ocorrido em 2012, a IBAF extinguiu a Copa do Mundo e passou a reconhecer o WBC como o “mundial de baseball”. Em troca a MLB aumentou o número de países participantes do WBC. Foi nessa expansão que o Brasil conseguiu entrar.
Para o WBC de 2013, os 12 melhores times de 2009 foram classificados diretamente, sendo as últimas 4 vagas decididas em 4 eliminatórias diferentes, cada uma com 4 times – e 1 vaga para o WBC.
Por ser um mercado que a MLB vê com bons olhos para uma expansão mercadológica, aproveitando a repercussão do futebol americano aqui e a estréia do Yan Gomes, primeiro brasileiro a jogar na MLB (ocorrida nesse ano), o Brasil foi convidado a jogar as eliminatórias.
Diga-se de passagem: não foi apenas por isso que o Brasil foi chamado. Nós ocupamos o 28° lugar no ranking mundial e em um WBC expandido para 30 times, tínhamos todo o direito de pleitear uma vaga, nem que fosse apenas para participar.
Os 16 times que participaram das qualificações foram divididos de acordo com sua localização geográfica. Isso sempre nos complicou porque participamos do continente mais forte do esporte, com pelo menos nove equipes de porte mundial. Apenas como comparação, a Ásia, segundo continente mais forte, só tem três equipes de expressão.
Por isso o Brasil foi alocado na eliminatória da América do Sul, a ser realizada na Cidade do Panamá, enfrentando a potência anfritriã, o ótimo time da Colômbia e o time tradicional da Nicarágua.
A forma de disputa foi um ‘mata-mata’ de dupla eliminação. Ou seja, o time que perde cai para uma repescagem e pode eventualmente voltar à final. No WBC, o jogo final é único e mesmo o time que chega invicto não tem direito a uma derrota.
Apesar do excelente trabalho que o técnico do Brasil, Barry Larkin – grande jogador americano na posição de defesa mais técnica no baseball, o shortstop e selecionado para o Hall da Fama em julho – vem fazendo nos últimos três anos, o Brasil era o azarão e favoritíssimo a ser o primeiro time a ser eliminado.
[N.do.E.: o técnico era comentarista de uma rede de televisão e treinou de graça a seleção brasileira.]
A estréia já foi justamente contra o favorito Panamá, que contava em sua escalação com 5 jogadores da MLB, entre eles o ídolo Carlos Lee, além de 2 jogadores recém-aposentados. Eles ainda estavam desfalcados do maior arremessador fechador (closer) da história do esporte (e meu grande ídolo) Mariano Rivera, que está lesionado desde maio e só volta em abril.
O Brasil fez um jogo difícil, extremamente defensivo e os arremessadores reservas souberam levar muito bem um jogo apertado até o final. Assim se concretizou uma vitória de virada: 3×2. Destaque para o nosso fechador Thyago Vieira.
Alias, um parênteses. O Thyago pode ser posto na conta do técnico Barry Larkin, que percebeu que os nervos de aço (essenciais para um closer) e o repertório de arremessos do garoto eram perfeitos para a posição. Ninguém aqui tinha reparado isso.
Assim já começamos surpreendendo o mundinho do baseball indo para a semifinal e jogando o Panamá para a repescagem contra a Nicarágua, que levou uma pancada da Colômbia de 8 a 1.
Na semifinal enfrentamos a Colômbia e seus três jogadores da MLB, além do ídolo Edgar Renteria, aposentado da MLB ano passado mas que continua jogando localmente. Com atuações sólidas dos arremessadores Nakaoshi e Yoshimura, além de um trabalho de formiguinha muitíssimo bem feito pelo ataque (no jargão correto do baseball, é um jogo de “small ball”) o Brasil ganhou com certa folga de 7 a 1.
Apesar do placar alto, o Brasil não jogou com fortes rebatidas, mas com 11 pequenas rebatidas (e outras jogadas interessantes) ocorridas nos momentos precisos. Só como comparação: a Colômbia terminou com as mesmas 11.
Com a vitória o Brasil foi à final enfrentar de novo o Panamá, que derrotou Nicarágua e Colômbia na repescagem. Jogo único. A vitória de qualquer time daria a ele vaga no WBC.
Jogo complicado mais uma vez. Mesmo o Brasil rebatendo bem, foram 10 rebatidas, dessa vez o time falhava na hora de marcar e só fez uma corrida, feita em uma rebatida simples justamente do Yan Gomes ainda no começo do jogo.
Nossa sorte foi a atuação soberba do nosso arremessador titular, Rafael Fernandes, que em uma longa atuação de seis innings (tempos de jogo), só sofreu duas rebatidas e segurou o 1 a 0 na marra.
Rafael saiu e o time continuou bem até o nono inning, a última chance do Panamá de marcar pontos. Porém no 9th, o Panamá rapidamente colocou um corredor na terceira base (última antes de marcar ponto) e quem vinha ao bastão era justamente Carlos Lee.
Thyago fez um longo duelo quase perfeito com o craque e o eliminou pela via mais segura, o strikeout, sem deixar o corredor da terceira base avançar. Depois ele repetiu a dose contra Ruben Rivera (outro jogador da MLB) e o Brasil estava classificado para o WBC pela primeira vez. Surpresa para o mundo do baseball e um milagre em verde e amarelo.
Não pude ver os jogos ao vivo, já que a ESPN comprou os direitos, não transmitiu e ainda bloqueou a transmissão da MLB para o Brasil via internet. Mas o baseball é um esporte muito estatístico: então posso fazer uma boa avaliação do andamento com o jogo pelos números e pelo que conheço da seleção.
Resumo que o grande mérito de Barry Larkin na seleção foi mudar a filosofia dos nossos jogadores e mostrar que não temos a potência e a explosão que os países tradicionais do baseball têm; mas temos jovialidade, velocidade e habilidade.
Ou seja, um time como o Brasil não pode tentar jogar como os USA, Cuba ou a República Dominicana e tentar isolar a bolinha para fora do estádio (o famoso home-run), fazendo muitos pontos em pouco tempo.
Tem que fazer um trabalho rebatida a rebatida, base a base, marcando poucas corridas, mas em várias oportunidades. Gostei bastante de como os jogadores absorveram rápido essa forma de jogar e a implementaram bem, especialmente nos dois primeiros jogos.
Mas o principal foi dar uma atenção especial aos arremessos à defesa. Esse é o ponto fundamental do baseball: se seu grupo de arremessadores (pitchers) e sua defesa não cedem ponto, você não perde um jogo de baseball, pois não há empates.
Mas o Brasil teimava em negligenciá-los, principalmente os pitchers. Larkin soube instruir os técnicos brasileiros a desenvolverem corretamente arremessadores e eles estão surgindo, principalmente o Rafael e o Thyago.
Ainda temos o Luis Gohara, que só tem 16 anos mas é uma enorme promessa. Muito talentoso e com um ‘foguete’ nas mãos, já foi contratado por um time da MLB, o Seattle Mariners, para treinar nos times de base e em 4 ou 5 anos subir para o time principal. Só não foi contratado antes porque a MLB exige a idade mínima de 16 anos.
Como disse o próprio Larkin na coletiva pós-classificação: “o futuro deste país no baseball é brilhante”.
O caminho está sendo bem trilhado e, acho que só não temos mais jogadores na MLB porque quem já está estabilizado no Japão não quer vir para os EUA para ficar em times de base.
Para o WBC de 2013, mais uma vez o critério geográfico seria aplicado e o Brasil cairia no grupo C, o do Caribe, que foi apelidado de grupo da Morte.

Entretanto, neste domingo a MLB anunciou que o Brasil trocará de Grupo com a Espanha, sendo assim o Brasil ficará no Grupo A, junto com o anfitrião Japão, Cuba e China.
Junto com o anúncio da troca, foi divulgada a tabela dos jogos, seguem abaixo os jogos do Brasil, com os horários de Brasília, fornecidos pela Confederação Brasileira de Baseball e Softball (www.cbbs.com.br):
02 de março (sábado) – 8h: Japão x Brasil
03 de março (domingo) – 13h: Cuba x Brasil
05 de Março (3ª feira) – 6:30h: China x Brasil
A estréia contra o Japão é complicadíssima. Japão é o atual bi-campeão do WBC e tem um time muito bom e linear, com um estilo igual ao nosso de jogar baseball. Uma derrota de pouco já será lucro.
O jogo contra Cuba será igualmente difícil, já que mesmo sem nenhum jogador da MLB, esse time é o time amador que dominar o baseball internacional há 20 anos. Porém, já surpreendemos esse time em 2005 e só perdemos de virada no final por causa de nervos. Ainda sim, Cuba é ampla favorita.
Agora, contra a China e com os jogadores da MLB (e ligas menores americanas), viramos razoavelmente favoritos. É nesse último jogo que temos que concentrar todos os esforços para ganhar e, ficando em 3° no grupo, garantir a vaga direta para o WBC de 2017. Alias, a China nunca teve um jogador na MLB.
Por fim, também nessa semana saiu um novo ranking da Federação Internacional de Baseball. Com a vitória surpreendente na qualificação do WBC, o Brasil saltou de 28° para 20° no ranking mundial e finalmente passou a Argentina (que também subiu de 26° para 22°). Como a China é a 19ª, uma eventual vitória brasileira também garantirá mais esse posto no ranking.”
Quem sabe? Não disseram que o Panamá era intransponível?