Na última semana causou grande celeuma a disposição do Supremo Tribunal Federal de cassar por conta própria os mandatos dos parlamentares condenados no escândalo do Mensalão. Em flagrante desrespeito à Constituição, a instância máxima do Judiciário debate se pode interferir em outro poder, desrespeitando o princípio de independência entre os poderes.
Lembro aos leitores que isto não é novo. Em diversas situações o Supremo Tribunal Federal legislou no lugar do Congresso Nacional, em clara interferência sobre as atribuições do Congresso Nacional. Posso listar como exemplos as questões da união civil entre pessoas do mesmo sexo ou o aborto dos anencéfalos, ambas abordadas neste espaço em ocasiões anteriores.
Embora tenham sido decisões aplaudidas pelos formadores de opinião, representaram clara interferência de um poder constituído sobre outro, em flagrante desrespeito à Constituição.
Desta vez há um claro conflito de interesses, pois o Congresso Nacional, na figura do presidente da Câmara de Deputados Marco Maia, deixou claro que a prerrogativa de cassar mandatos parlamentares é da instituição, não do Supremo. Entretanto este tende a decidir pela cassação automática dos mandatos de parlamentares condenados, a meu juízo em flagrante desrespeito à Constituição.
Entretanto, este não é o tema principal deste post. Até porque não sou jurista, sequer advogado, então não tenho como dar uma opinião abalizada sobre o assunto. Digo apenas que, no meu leigo entender, a competência para cassar ou não parlamentares é unica e exclusivamente do Congresso Nacional.
Meu objetivo aqui é analisar as reações de formadores de opinião a esta decisão do Supremo Tribunal Federal, e sua relação com dois importantes teóricos da ciência política, Thomas Hobbes e Maquiavel.
No dia em que a celeuma teve destaque, inúmeras pessoas nas redes sociais defenderam a tese de que o mais importante era o fim alcançado. Ou seja, não importava se a Constituição tivesse sido rasgada, o que importava era que políticos (pretensamente) corruptos haviam sido punidos. Os fins sobrepondo-se aos meios.
Isso remete irremediavelmente à teoria de Maquiavel, que tem este mote como tema. Em uma simplificação grosseira, para o teórico italiano não importam os meios a serem utilizados, desde que o resultado final seja o pretendido. Não importam as regras ou as leis, o que realmente é primordial é alcançar o objetivo.
Por conseguinte, o pensamento destes extratos da sociedade demonstra desrespeito às leis ou a defesa de que seja ignorada em nome de um “bem comum”. Mas quem define este bem comum?
Mal comparando, a versão brasileira da teoria de Maquiavel é a denominada “Lei de Gerson”. Intitulada a partir de um comercial dos cigarros Vila Rica com o então jogador e hoje comentarista Gerson, tinha como mote o final do comercial: “o importante é levar vantagem”.
Mais do que nunca a “Lei de Gerson” está enraizada na sociedade brasileira. Cada vez mais os segmentos formadores de opinião assumem posturas de juízes, censores e críticos, sempre em busca de “um objetivo justo”.
Falo dos aplausos à postura do STF de cassar parlamentares, ainda que rasgando a Carta Magna do país. Mas outro bom exemplo é a aprovação da maioria da população às políticas de extermínio adotadas por várias Polícias por todo o país. O epíteto “bandido bom é bandido morto” confere à força policial poderes de Polícia, Justiça e carcereiro em questão de minutos. Isso é perigoso.
O mesmo policial militar que “mata bandidos que não merecem viver” pode exigir propinas em uma blitz, por exemplo, e assassinar você leitor ou eu blogueiro apenas por seguir a lei, ou seja, não pagar a propina exigida.
Mal comparando, é o que está ocorrendo no Supremo. Hoje cassam deputados, amanhã retiram do cargo uma Presidente eleita pela população, sob argumentos tênues. Aconteceu algo parecido no Paraguai, e a oposição e especialmente a mídia defendem algo do gênero aqui no Brasil. O discurso é que “para tirar o PT do poder, vale tudo. Até rasgar a lei”
O leitor entende onde quero chegar?
Outra tendência que este tipo de postura “maquiavélica” vem demonstrando é que a sociedade brasileira atualmente em muitos momentos reflete de forma clara a teoria do cientista político Thomas Hobbes (1588-1679). Novamente simplificando, sua teoria versa que o homem é intrinsecamente anti-social e somente se move por desejo ou medo. A sociedade hobbesiana seria uma guerra de todos contra todos, outra vez estabelecendo uma redução grosseira.
O que vemos na sociedade brasileira hoje é uma verdadeira guerra, onde somente vale o bem individual e seu benefício sobrepondo-se e prevalecendo ao bem comum. De certa forma o ódio que parcelas mais elitistas da população sentem pelos governos do PT tem a ver com isso: as políticas distributivas de Lula e Dilma tiram a sensação de “exclusividade” e “vitória” das classes mais abastadas.
Ou seja, é um “salve-se quem puder”. 
Pessoalmente, sou um radical legalista. Os objetivos finais podem ser muito nobres, mas se não está estabelecido na lei, sou terminantemente contra. Muitas ditaduras surgiram deste conceito enraizado de que um fim “nobre” justifica qualquer conduta. E exatamente por isso que acompanho com muita preocupação este ativismo do nosso Judiciário, ainda que aplaudido por parte da população.
Finalizo com um poema do grande dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956):
“Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.”
É isso. Ativismo sim, mas acima de tudo, respeito às leis.

7 Replies to “Maquiavel, Hobbes e a sociedade brasileira”

  1. Discordo. Se há a prerrogativa da ficha limpa, pq deputados comprovadamente corruptos não podem ser cassados? Se deixar nas mãos da Câmara (raposas que tomam conta do galinheiro), sabemos que não dará em nada, pq o Legislativo é mestre em livrar corruptos. Só faço uma pergunta: o colunista escreveria o mesmo texto se os condenados fossem deputados do DEM, do PSOL ou do PSDB?

  2. Na boa, Pedrão: voce é “radical legalista” seletivamente, né? Porexemplo, quando se trata de Lei Seca, vc tá lá no twitter pra burlar a blitzen, né?

    Sds, Ronaldo.

    1. Caro Ronaldo, tenho inúmeras restrições a esta “Lei Seca”, inclusive já tendo escrito três posts sobre o tema. Mas sigo o perfil porque é o melhor perfil de informações de trânsito, muito melhor que os oficiais.

      Até porque, nas raríssimas vezes em que saio à noite, normalmente vou de táxi.

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