DSC00672

Nesta terça feira, finalmente abrindo a sua série no novo endereço, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, fala do Rio de Janeiro sob o ângulo de um turista – além de apontar, com razão, algumas incoerências da chamada “Lei Seca”.

O leitor deve estar estranhando a imagem, na qual este Editor Chefe e o colunista em questão estamos diante da Catedral de Pedra de Canela, na Serra Gaúcha, em foto de um ano atrás. No final do artigo o leitor entenderá.

Olhando o Rio como um turista

Depois de mais de cinco anos morando longe, passei uma semana de férias  no Rio, entre o Natal e o Ano Novo.  Eu vou ao Rio quase toda semana: mas sempre a trabalho, embora também seja óbvio que nesse tempo todo estive a lazer várias outras vezes. 

O que mudou um pouco nessa última visita foi a companhia de mais 750 mil visitantes que tiveram a mesma ideia que eu e a intenção deliberada de contemplar a cidade com um olhar “estrangeiro”.  

Para começar, o clima. Sempre que chega o verão e os porto-alegrenses começam a amaldiçoar o calor, não tarda para alguém vir me dizer que o calor aqui seria “pior” que no Rio, porque não entra a brisa do mar.  

Essa é uma visão comum dos visitantes e de quem não mora no Rio, acreditar que o acesso ao mar é algo simples e ao alcance de todos. Infelizmente, a esmagadora maioria da população carioca mora muito distante da praia e mesmo os que não moram tão longe assim (que era o meu caso), raramente sentem qualquer benefício climático do oceano ou da baía de Guanabara, já que entre as nossas casas e o mar há uma barreira de prédios de concreto – logo, só os muito milionários da beira-mar podem sentir a maresia. 

[N.do.E.: nem tanto: a varanda do apartamento onde moro na Ilha do Governador, bairro de classe média, fica a uns 400 metros da Baía da Guanabara – sem prédios em frente. Nestes dias de calor o vento da baía ajuda a diminuir a sensação de filial do inferno.]

O clima, deixe-me aclarar o problema, é a porta de entrada do inferno. Em alguns lugares (como na casa da minha mãe) é simplesmente impossível tomar um banho frio, porque o sol esquenta a caixa d’água e o banho sai quente. É uma cidade suada, por todos os cantos e espaços, internos e externos. 

Apesar das praias e das inúmeras atrações ao ar livre, não conheço cidade onde a população seja mais apaixonada pelos shoppings centers. Não: nem São Paulo, apesar da fama. Acho que a culpa também deve ser do calor: o forte ar condicionado serve de refúgio para quem não aguenta mais derreter. 

Precisei comprar algumas coisas e fui ao Barra Shopping no domingo que antecedia o Reveillon. Por um lado foi bom: encontrei diversos amigos que não via há tempos (sinal de que realmente as pessoas gostam do programa). Por outro, é difícil até caminhar pelos corredores, tamanho o fluxo de consumidores. 

Tenho um carinho especial com a Lapa e uma história de amor antigo. Fui criado na Tijuca e, depois do Maracanã e dos cinemas da Praça Saens Peña, a maior diversão da molecada dos anos 80 da minha rua era ir ao Circo Voador, que ergue sua lona por ali na primeira metade da década perdida.

Até então a Lapa era um lembrança dos sambas antigos, porque ninguém ia lá. Com os shows do Circo a gente passou a frequentar, mas só naquele pedacinho do seu entorno: porque uns cinco passos adiante já era temerário. 

Aos poucos, foi se tornando cult explorar as bibocas da Lapa, comer um cabrito no Nova Capela, tomar um chope no Bar Brasil, ouvir um samba no Semente… Coisas assim. 

Depois, na virada do milênio, um ex-colega meu de faculdade, desgostoso com as lides da vida, abriu uma casa de samba bem em frente a um ponto de travestis, que faziam seu ganho nas calçadas da Mem de Sá. Me lembro que nas primeiras vezes que fui ao Carioca da Gema era necessário pedir licença aos travecos que faziam ponto por ali. Uns três quarteirões dali abria também o Rio Scenarium, que se não me falha a memória era dentro de um brechó; mas atravessar a pé o caminho entre um bar e o outro era aventura para valentes noturnos.

A cada ano a Lapa crescia um pouco mais, afastando os mais descolados para bares mais distantes do centro do bairro.  Eu estive lá sábado à noite, mas não estava preparado para ver aquela cena. O boteco que eu gosto de ir tinha fila de mais de 1 hora de espera. Acabei encontrando outro, mas que rapidamente lotou e aglomerou gente na porta. Não passa mais carro na Mem de Sá: mas sim hordas de pedestres, cariocas e turistas. 

A Lapa era perigosa. Depois virou cult. Hoje está no mainstream. Falta pouco para virar tourist trap.

O Rio continua deliciosamente zoneado. A única lei de trânsito fiscalizada à risca na cidade é a Lei Seca – todos os demais artigos do código são ignorados com orgulho.

Aliás, falar em Lei Seca, meu vôo de volta era cedo e às sete horas da manhã eu já estava na Linha Amarela quando me deparei com uma multidão andando a pé na avenida, com seus carros estacionados de qualquer maneira. Eram centenas de pessoas voltando do Reveillon, aguardando o encerramento da barreira do bafômetro.

Eu, tolinho, fui em frente, mas morri de medo de ser parado. Afinal eu havia dormido menos de seis horas e, claro, tomei espumante na virada do ano: ou seja, ainda devia ter resquícios de álcool no sangue.

Como se sabe, a Lei Seca foi feita para otários como eu e o Editor Chefe, que se arriscam a enfrentar a barreira sóbrios, mas com traços de álcool no sangue. Os bêbados, como se viu, ficam parados na rua esperando os fiscais irem dormir. Mas deu tudo certo: as crianças no carro alugado com placa de Belo Horizonte devem ter dado aos fiscais a falsa impressão de que se tratava de um homem sério ao volante.

Faltou luz, faltou gelo, faltou sorvete; embora, felizmente, não necessariamente tudo junto. Minhas filhas menores, gauchinhas e branquelas, foram vitimadas por brotoejas por todo o torso e sofreram horrores com o calor.  

Mas é impossível que mesmo com todo o caos e percalços que a cidade nos obriga, alguém saia do Rio sem estar completamente apaixonado por tudo que se oferece ali. O Rio é uma cidade cheia de vida, de gente que sabe contornar os sacrifícios cotidianos em troca de viver em um lugar mágico.

Por isso, reproduzo aqui a campanha que um amigo meu lançou no Facebook: por favor, não divulguemos mais as fotos da cidade. O Rio está tão lindo, mas tão lindo, que os deputados dos outros estados, em sua cruzada cívica contra o povo carioca e sempre de olho em nossas riquezas, logo vão apresentar uma emenda para dividir por todo o Brasil a receita dos impostos do turismo da Cidade Maravilhosa.

Ein Prosit, Rio.