Em edição extra, a coluna “Lacombianas”, da jornalista Milly Lacombe, faz um réquiem do papado que se encerra do papa Bento XVI, um burocrata de carreira que em decisão inédita renunciou ao papado.
Estou lendo livro (de 2010) sobre as inúmeras fraudes, lavagem de dinheiro da Máfia e de políticos e denúncias de má gestão das finanças da Igreja Católica (baseado em documentos) e, embora eu não seja exatamente um especialista em Igreja Católica, me parece que a renúncia ocorre por uma tentativa de Ratzinger de salvar a sua biografia antes que estoure um escândalo de proporções imprevisíveis. Pretendo voltar ao tema – e vamos à coluna.
Benção a Bento XVI
Meu caro Bento, sua hora chegou, mas você não tem o que temer porque nós, os esquisitos, os que não se encaixam, os marginalizados pela intolerância de sua Igreja estamos prontos para absolvê-lo de seus pecados.
Sim, é isso mesmo: nós vamos perdoá-lo.
Perdoá-lo por dividir o amor em tipos, por condenar alguns deles, por ridicularizar a paixão entre pessoas do mesmo sexo – enfim, por tentar corromper essa que é a maior força do universo.
Perdoaremos você e sua igreja por excluir as mulheres, por não permitir que freiras rezem missas, por não garantir direitos iguais aos dois gêneros… Resumindo: por continuar a tentar convencer o mundo de nossa suposta inferioridade.
Por fechar os olhos às milhões de pessoas que ainda morrem com AIDS em países pobres graças à benevolência dos missionários de sua Igreja, que ganham toneladas de dólares de governos conservadores para sair por essas regiões proibindo a educação sexual e, em vez de distribuir camisinha, lêem a Bíblia em voz alta.
Por fazer com que seus seguidores acreditem que sexo apenas por prazer é pecado e que, portanto, homossexuais são pecadores; sem lembrar de dizer que, por essa lógica absurda, mulheres na menopausa não poderiam mais se entregar ao ato, e, às estéreis, coitadas, só restaria o inferno.
Aliás, por fazer com que seus pobres devotos acreditem em céu e inferno sem conseguir dizer que o purgatório é justamente aqui, criado pela intolerância excludente de seus cordeiros.
O perdoaremos agora, como já perdoamos aqueles que sentaram em seu trono antes e os que virão depois, pela vista grossa que fizeram à escravidão e ao nazismo, e como, antes disso ainda, os perdoamos por assassinar mulheres (bruxas, como sua Igreja as denominou) que tinham a petulância de ter opinião, e homens que ousaram dizer que a Terra não era o centro do Universo.
Perdoamos você e seus antecessores por comparar o aborto ao nazismo sem sequer tentar entender os motivos de uma mulher; por tirar dela o direito de escolha, por querer nos impor verdades que são suas e por continuar colhendo o dízimo daqueles que mal têm o que comer.
Por ter, durante sua longa gestão, perpetuado dogmas e tabus, por não ter encorajado seus devotos a pensar e questionar livremente e pela incrível arrogância de não entender que, como disse Nietzsche, a maior inimiga da verdade não é a mentira, mas a convicção.
Por fazer com que seus fiéis temam a suposta fúria de Deus mais do que sua intrínseca benevolência, por dar forma ao mal apenas para justificar aquilo que sua crença vê como o bem, e por, sem nenhuma ponta de vergonha, institucionalizar o medo, sentimento que estanca a alma e não conhece o amor.
O perdoaremos por apontar seu abençoado dedo para distinguir aqueles que, segundo sua fé, estão certos dos que estão errados; por não ter nos dito, logo de cara, que seus livros sagrados não deveriam ser interpretados literalmente e, principalmente, por ter nos julgado.
Perdoaremos você e sua igreja por terem se recusado a excomungar Hitler e Mussolini, mas decretarem que aqueles que pregam o amor de todo o tipo estão automaticamente excomungados.
Por não ter revelado ao mundo que a natureza não distingue grupos e que apenas as religiões fazem isso, por sair de seus domínios para impedir pesquisas com células-tronco só porque sua fé não consegue explicá-las, e pela arrogância de não aceitar que possam existir outras verdades e salvações além daquelas que sua crença nos impõe.
Por continuar a se opor aos avanços da ciência exatamente como sua Igreja fazia na Idade Média. Pela hipocrisia de seguir gastando milhões de dólares de sua milionária corporação para calar escândalos envolvendo padres pedófilos, e por não ter usado esse dinheiro em obras sociais para povos carentes.
Aliás, por acobertar padres pedófilos, por protegê-los e deixar que eles continuem não apenas a exercer o sacerdócio como a trabalhar com crianças. Pela falta de vergonha de seguir deitado sobre patrimônio histórico e incalculável, conseguido as custas do dízimo de seus pobres devotos e de guerras sangrentas, e por usar esse dinheiro apenas para manter limpo e brilhando o mármore do Vaticano.
Por criar e manter o Banco do Vaticano, que tem bilhões em caixa e financia desde indústrias de armas até de preservativos, por ter aceitado favores e milhões de Mussolini para em seguida não se opor ao que ele fazia.
Estamos perdoando você, seus antecessores e sucessores por sua farta hipocrisia, enfim.
Por fazer com que seus seguidores acreditem que já nasceram pecadores, por não lhes dizer que pecado não existe, que foi apenas mais uma invenção católica que visava sedimentar o medo a fim de arrecadar dinheiro dos que crêem cegamente.
Por não entender que suas crenças são tão boas e verdadeiras quanto qualquer outra, por não enxergar que só o amor, seja ele de que tipo for, nos salvará e por não nos ter protegido de seus seguidores.
Por tentar se apoderar da palavra de Jesus, por deturpá-la e distorcê-la a fim de justificar a perpetuação dos mais sórdidos preconceitos que sua igreja toma como verdade. Por viver cercado de tanta riqueza, vaidade, gula e cobiça.
Vá que já é tarde e, por favor, não mande notícias de seu luxuoso retiro de lá. E que, quando seu ultimo sopro chegar, você curta a companhia Dela, que vai ensiná-lo que só existe um tipo de pecado: não ser capaz de abençoar o amor em todas as suas manifestações. E que, por esse motivo, meu caro, você passou mais de 80 anos procurando o mal no lugar errado.
Mas, quando isso acontecer, não se desespere: nem tudo estará perdido. Chegando lá, entregue-se ao primeiro anjo que cruzar seu caminho porque, no paraíso, vá por mim, amor, seja ele de que tipo for, não é pecado. E então você verá que não existe culpa que uma abençoada apoteose seja incapaz de curar.
Divirta-se, meu velho.
Já li muitos bons textos por aqui. Mas esse é para aplaudir de pé.
Olha, eu não sigo qualquer religião, mas tenho total respeito por quem escolheu a sua (desde que não venha me encher o saco).
Dito isso, devo reconhecer que o texto é fantástico. Parabéns.
APLAUSOS DE PÉ!!
Brilhante! Infelizmente essa é a realidade não apenas da Igreja Católica, como da maioria das religiões. Colocam antolhos nos “fiéis”, pois assim é mais fácil controlá-los e mantê-los sob a égide de suas normas absurdas.
Joana, infelizmente a fronteira entre a doutrina e os antolhos é muito tênue. Muitas vezes os homens ultrapassam esta fronteira.
Permitam-me dar uma de chato. O texto é interessante e muito bem escrito. Mas achei ele muito genérico! Vale pra qualquer Papa ( cardeal, padre, etc) em qualquer situação … Propósito, motivo, circunstância da renuncia do Papa? Passou longe… Se era essa a intenção? Tb não sei…Mas como mensagem, foi perfeita apesar de não concordar com alguns pontos de vista. Bom, a impressão que me deu é que podemos guardar esse texto para uma proxima oportunidade quando o objetivo for simplesmente protestar ou achincalhar as diretrizes do Vaticano. Abraço a todos.