(Foto: Boston Herald)
Não é meu objetivo falar sobre a morte do presidente venezuelano, já alvo de muitas matérias – a maior parte enviesadas – da imprensa. Mas sim tentar analisar algumas coisas.
A primeira coisa é desmistificar a ideia de que a Venezuela é uma ditadura. Se o leitor não sabe, desde que ele assumiu a Presidência, em 1999, os venezuelanos foram mais às urnas que nós brasileiros – quatro ocasiões, contra três. Pode-se criticar a ausência de limites à reeleição, mas ele sempre foi eleito em pleitos considerados limpos pela oposição e por observadores internacionais – inclusive pelos Estados Unidos.
Outra coisa é se dizer que não há liberdade de imprensa. Não há o que ocorre aqui no Brasil, que é liberdade de empresa, ou seja, a “notícia” a serviço dos interesses ideológicos, políticos e econômicos dos donos da mídia. O que se divulgou de forma equivocada aqui, na verdade, foi que o governo venezuelano exigiu o cumprimento à lei. Tanto que ainda hoje o chavismo sofre forte oposição dos interesses dos donos da mídia local.
Por que, então, o governante recém falecido desperta tanto ódio nas elites locais e brasileiras? Por que se manteve tanto tempo no poder?
As explicações não são muito complicadas. A Venezuela era um país com uma concentração ainda maior de renda que a nossa e com uma elite ainda mais corrupta e reacionária. A renda do petróleo – o país tem uma das maiores reservas do mundo – era utilizada em Miami, nas casas de veraneio dos plutocratas, deixando a população à míngua.
Chavez ao assumir o poder utilizou a renda do petróleo para promover distribuição de renda e diminuir o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. No início da década de 90 os primeiros detinham 32% do PIB enquanto os mais pobres, apenas 1,6%. A pobreza alcançava 85% dos venezuelanos e a as classes A e B representavam apenas 3,5% da população.
Após a tentativa de golpe de estado em 2002, da qual o presidente sobreviveu (talvez o único a escapar de tal iniciativa patrocinada por um governo americano na história), Chavez troca os comandantes da PDVSA, a estatal do petróleo, a fim de poder utilizar a renda do petróleo em benefício das políticas de Estado.
Sob seu governo, o investimento em gastos sociais aumentou de 8 para 14% do PIB, a pobreza extrema recuou de 26% para 7%, o analfabetismo foi erradicado e a taxa de desemprego caiu de 19 para 8,6% por cento. A mortalidade infantil em 2000 era 21 para cada mil nascidos vivos e hoje é de 15,7.
Chavez também se utilizou da renda do petróleo para um projeto de substituição de importações, ou seja, aumentar o indice de industrialização da economia local. Aliás e a propósito, a imprensa brasileira reclama do governo local, mas o Brasil hoje é um dos principais exportadores de produtos manufaturados para a Venezuela. O governo venezuelano foi um indutor do aumento do comércio entre os países da América Latina.
Vale lembrar, aliás, que política é uma coisa, negócios são outra: a Venezuela hoje é o segundo maior exportador de petróleo para os Estados Unidos. Isso somado ao fato de que os americanos estavam envolvidos com Iraque e Afeganistão constituíram o que o economista americano John Perkins chama de “sorte da Venezuela”: após 2002 não houve outra iniciativa americana de patrocinar um golpe de Estado.
Muitos criticam a interferência venezuelana na política interna de outros países da América Latina. Mas desde que o mundo é mundo temos espaços destes a serem ocupados – ou o leitor acha normal os Estados Unidos se envolverem na política interna de praticamente todos os países do mundo? A bem sucedida experiênncia social do país – assim como a brasileira – levou países como a Bolívia e o Equador buscarem conhecer a experiência chavista.
Óbvio que o regime chavista tem problemas: a excessiva dependência do petróleo, por um lado, e o excessivo personalismo do Estado por outro são questões que precisam ser combatidas. Mas parece claro, vendo os dados que apresento, que o apoio popular ao chavismo é perfeitamente explicável.
Assim como também me parece claro que o chavismo continuará sem Chavez. Talvez um pouco menos midiático – Maduro não tem nem de perto o carisma do Comandante – e espetaculoso, mas internamente o projeto continuará. Ao contrário do que comemorava acintosamente (em tempo, isso é uma vergonha) a imprensa brasileira ontem, o chavismo não somente deverá vencer as eleições vindouras com tranquilidade como deverá ter uma votação consagradora.
Novamente fazendo um adendo, a oposição venezuelana enfrenta um dilema parecido com a brasileira: se defender a ordem econômica e social pré Chavez (ou seja, exclusão, concentração de renda e desigualdade), sabe que não volta ao poder pelo voto. Precisa readequar o seu discurso a fim de poder ter chances de voltar ao poder.
Note-se também o comportamento constrangedor de setores da imprensa brasileira ontem, vibrando com a morte do presidente venezuelano e dando demonstrações de servilismo e reacionarismo inacreditáveis – com a solitária exceção da Record News, cujo pouco que vi mostrou uma cobertura equilibrada. Cada vez mais acredito que se precisa regular via legislação os excessos de ‘liberdade de empresa’, a fim de promover a liberdade de imprensa.
Finalizando, Chavez sai da vida para entrar na história como um dos grandes líderes da América Latina. Acertou, errou, mas o importante é que jamais se dobrou a interesses reacionários e excludentes. E eu admiro quem luta contra a exclusão econômica, social e geopolítica.
Descanse em paz, Comandante.
P. S. – sugiro aos leitores que queiram entender situações como a da Venezuela que leiam os livros do economista americano John Perkins.
Parabens pela cronica, Pedro. Assino embaixo.