Nesta quarta feira, a coluna “Made in USA”, do advogado Rafael Rafic, inicia uma série de duas colunas sobre as eleições da Portela e os tempos subsequentes. Hoje, a primeira parte e amanhã a segunda.
Notícias de Oswaldo Cruz e Madureira (I)
É com considerável atraso que escrevo aqui sobre as eleições na Portela ocorridas no dia 19 de maio, mas faço apenas agora pelo mesmo motivo pelo qual não pude acompanhá-la in loco, na quadra como pretendia. Assim, dou aqui uma versão muito pessoal do ocorrido.
Como o leitor do Ouro de Tolo que já leu meu perfil sabe, também sou árbitro de xadrez e nessa condição fui chamado, ainda em março, para arbitrar o Campeonato Estadual Absoluto, torneio de xadrez mais importante do Rio de Janeiro. Ocorre que o mesmo estava marcado para os dias 18,19,25 e 26 de maio.
Como eu precisava deste torneio para pleitear uma promoção no quadro de árbitros da CBX (Confederação Brasileira de Xadrez), fiquei sem responder ao convite, esperando que o então presidente Nilo definisse a data da eleição em Madureira. Já que, se ele seguisse a tradição, ela seria marcada para o mesmo dia 19.
Porém surgiu uma informação forte, ainda no início de abril, que o então presidente Nilo teria marcado a eleição para o penúltimo dia possível pelo estatuto: o dia 30 de maio, feriado de Corpus Christi (coincidentemente a data em que escrevo esta coluna).
Discutindo o assunto com amigos da então chapa de oposição Portela Verdade, percebi que fazia sentido a informação já que, exatamente neste 30 de maio, ganhariam direito a voto 11 novos “sócios-beneméritos”, que foram incluídos no quadro social da Portela no dia 29 de maio do ano anterior (é necessário carregar o título de sócio por 1 ano antes de ter direito a voto na Portela) e dos quais Nilo esperava 9 votos.
Sendo assim, não haveria conflito de datas e então confirmei que arbitraria o Estadual Absoluto. Ocorre que você nunca pode confiar em qualquer decisão de ‘herr’ Nilo. Ela sempre irá mudar de última hora, mesmo que a decisão anterior estivesse certa.
Não foi diferente para esta e eis que no dia 9 de maio Nilo publicou o edital de convocação marcando oficialmente a eleição para o dia 19, ou seja, com menos de 15 dias de antecedência, e de certa forma surpreendendo já que ele abriu mão dos tais 9 votos (que, pelo resultado final, poderiam fazer a diferença).
Nesse momento o regulamento do torneio de xadrez já havia sido publicado com meu nome na arbitragem e não havia mais como voltar. Não me restou outra solução senão acompanhar esse dia pivotal pelo twitter do celular no longínquo bairro da Tijuca (o torneio foi no ótimo salão de xadrez do Tijuca Tênis Clube). Pelo menos, como eu (ainda) não sou sócio da Portela, também não precisei me preocupar em votar.
Assim, fiquei na Tijuca o dia inteiro, mas com a cabeça em Madureira. O que estava em jogo não era apenas um mandato de 3 anos na Portela, mas talvez a sua sobrevivência no Grupo Especial. A Portela não conseguiria suportar mais 3 anos de uma gestão desastrosa como foi a de Nilo.
Além disso, com todo o sopro de esperança e expectativa que a chapa Portela Verdade gerou, um eventual “balde de água fria” nessa esperança poderia representar uma debandada de portelenses que, mesmo não sendo sócios, foram essenciais para a manutenção da única virtude da Portela nesses últimos anos: seu primoroso chão.
Assim, passei o dia inteiro aflito, com o celular na mão sempre que possível esperando os tweets do Migão que, como sócio e candidato da Portela Verdade, estava na quadra fazendo uma cobertura ao vivo, via twitter, melhor do que qualquer veículo de comunicação carnavalesco.
Foi por meio do twitter @pedromigao que fiquei sabendo da primeira vitória, bem folgada até, da Portela Verdade na eleição da comissão eleitoral ainda pela manhã; do começo da eleição propriamente dita quase ao meio-dia (com inacreditáveis, mas previsíveis, 3 horas de atraso) e, já na parte da tarde, da invasão de vários jovens “beneméritos” que nunca tinham sido vistos por ninguém na Portela (talvez tenham sido exatamente esses 50 ou 60 votos “alienígenas” que fizeram Nilo mudar de idéia e tirar a eleição do meio do feriadão).
Assim, encerrei os trabalhos na Tijuca exatamente no momento em que os pouco mais de 300 votos foram levados para a já famosa salinha de apuração, que ocorreu de forma secreta, as 20 horas conforme programado.
Com minha experiência em apurações, imaginava a divulgação dos resultados para as 21 horas. Com 3 pessoas contando pouco mais de 300 votos, faz-se uma contagem completa tranquilamente em 40 minutos.
As 21 horas, chegaria em casa com os resultados já divulgados. Seria apenas fazer um lanche rápido e ir para a quadra da Portela, perto de casa, para comemorar a vitória. Só que estranhei bastante o fato de, já as 21:15, pronto para sair de casa, não ser proclamado nenhum resultado. Logo pensei que o único motivo para haver atrasos seria uma recontagem (depois ficamos sabemos que houvera 3 recontagens).
Se houve recontagem é sinal que a eleição fora muito apertada e qualquer dos lados poderia ter ganho. Nesse momento a aflição junta com a adrenalina me deixava irrequieto, muito incomodado, já pensando na catástrofe que seria caso as urnas não apontassem a vitória da Portela Verdade.
Por segurança (e certa insistência dos meus pais, que nunca gostaram do meu envolvimento com a Portela, ou qualquer escola de samba) decidi esperar o resultado em casa, ouvindo a Rádio Arquibancada e só depois do resultado pensar no que eu iria fazer.
Até que ouvi o Vanderson, agora Presidente e companheiro do Migão no Conselho Fiscal da Portela, em uma mistura de choro e grito anunciar que a Portela Verdade venceu por 2 votos (depois seria oficialmente declarada a diferença de 3 votos, 154 x 151).
Eu havia prometido para mim que não comemoraria qualquer vitória, por saber que esse era o passo mais fácil. Em 2004, a mesma euforia já havia tomado conta da Portela na eleição da mesma pessoa que hoje tratamos com total desgosto. Como a história mostrou, a comemoração foi inútil.
Ganhar a eleição era simplesmente uma obrigação, difícil seria reerguer a combalida Portela da dívida de 7 milhões e ainda sim fazê-la competitiva, com boa parte dos bons profissionais já contratadas por outras escolas.
Porém, não consegui me conter e chorei copiosamente em casa. Assim que me recompus, corri para a quadra da Portela a fim de poder abraçar alguns amigos, a parabenizá-los pela vitória e agradecê-los por tudo o que fizeram em prol da possível salvação da nossa Portela.
Tenham certeza que o tempo gasto e o desgaste obtido pela falta de convívio com familiares e amigos nesse período eleitoral não foram em vão e vocês escreveram seus nomes na história como aqueles que, pela primeira vez na história do Carnaval, criaram um movimento de base que logrou êxito em tomar o poder da escola de samba, democraticamente e dentro das regras do jogo impostas pelo adversário. Ainda por cima, pela primeira vez elegeram um presidente oriundo da Velha Guarda.
Andando pela Rua Clara Nunes, a poucos metros do Portelão, ainda quis o destino que eu cruzasse frente-a-frente com o ex-presidente Nilo. Ele com uma cara cansada (natural após um processo eleitoral bastante desgastante de 14 horas), bastante abatido, mas sem qualquer esboço de choro. Olhava para trás a todo momento não acreditando no tamanho da festa (totalmente espontânea, já que nada havia sido programado pela Portela Verdade) que se armou logo após o anúncio de sua derrota.
Chegando à quadra, logo me deparei com a Nilce Fran, coordenadora da ala de passistas e apoiadora do Nilo desde o primeiro momento, no meio da comemoração (mas sem sambar também).
Gostei de notar que não vi qualquer desrespeito a essa grande figura da Portela e que a primeira lição já está sendo seguida: do lado dos perdedores há alguns trastes que precisam ser defenestrados da Portela, mas também há pessoas importantes que ajudaram a construir a Portela e devem ser respeitadas; algumas a meu ver até podem nos ser úteis na tão almejada reconstrução portelense.
Pouco depois finalmente encontrei o Migão, parabenizei-o e, graças a ele, finalmente consegui passar do cão de guarda que estava controlando a entrada para o andar superior da quadra de forma a agradecer a todos.
Ficaram faltando apenas dois: Paulo Renato Vaz e Fabio Pavão, que já tinham se recolhido para cumprir o último ato da eleição, a eleição definitiva do presidente da Portela pelo Conselho Deliberativo. Espero poder parabenizá-los na feijoada da vitória, mas desde já deixo registrado meus abraços aqui.
Para finalizar por hoje, já que amanhã ainda terá a segunda parte desta coluna, fico com a frase do próprio Fabio Pavão que resumiu muito bem todo o movimento que resultou na eleição da chapa Portela Verdade:
“Um dia fomos à LIESA e o Castanheira (presidente da LIESA) nos disse que devíamos consultar os poderes da Portela… Decidimos então que nós seríamos esses poderes.”
(e-mail para o colunista: rafaelrafic@pedromigao.com.br)