Em um dos primeiros artigos deste Ouro de Tolo, lá nos primórdios, escrevi sobre os acontecimentos do ano de 1968 e a nostalgia que sentia por não ter vivido aqueles tempos. Também chamava a atenção para o fato de que os resultados daquela revolta transformadora se fizeram sentir muito mais na esfera das liberdades individuais que na liberdade política ou de sociedade, e no quanto isto interferiu nas duas gerações extremamente individualistas – incluindo a minha – que se seguiram.
Conversando aqui e ali com pessoas de meu círculo de relacionamentos o tema voltou à baila. Eu cada vez mais venho sentindo saudade de tempos que não vivi, ouvindo músicas das décadas de sessenta e setenta, até mais antigas, estudando estes períodos históricos. Tenho preferido revisitar os clássicos que buscar novidades – muitas vezes de gosto duvidoso.
Escrevi anteriormente que venho ouvindo muito a cantora norte americana Joan Baez. Suas interpretações já apareceram algumas vezes na coluna “Final de Semana” deste espaço, desde que tomei contato com sua música doce e que canta a solidariedade e os mais fracos. Agora venho pesquisando sobre outra cantora dos lamentos oprimidos, a argentina Mercedes Sosa.
Parêntese: a música latino-americana é pouquíssimo conhecida no Brasil, desde a clássica dos anos 60 e 70 (Mercedes Sosa, Victor Jara, Violeta Parra e outros) como o pop atual representado por Julieta Venegas, Gothan Project e outros. Fecha o parêntese.
Também venho ouvindo muito blues e jazz, como o grande John Coltrane ou B. B. King. Cada vez mais venho buscando a grande música do Século XX, muitas vezes de tempos em que eu não nascido ou estava, ainda, muito pequeno.
Mais recentemente também tenho ouvido muito Frank Sinatra – cuja biografia estou lendo e que possui alguns lances inacreditáveis – e outros cantores do mesmo naipe como Tony Bennett.
Talvez contribua para isso o fato de os tempos atuais serem cada vez mais individualistas, cada vez mais superficiais, descartáveis e profundamente materialistas. Sem contar a praga do “politicamente correto”, que foi uma dose cavalar de hipocrisia no dia a dia do ser humano e nas convenções referentes à vida em sociedade. O mundo hoje está mais medíocre e mais chato.
Mesmo as últimas manifestações ocorridas aqui no Brasil traziam um componente de classe indisfarçável. Setores de classes médias praticamente implorando que os pobres que ascenderam socialmente “retornassem ao seu lugar”.
Por outro lado, uma interpretação muito interessante das mesmas manifestações indica que a população colocada na sociedade de consumo de massa pelos Governos Lula e Dilma agora exige uma melhor qualidade de serviços essenciais como educação e saúde, após satisfazerem as necessidades básicas. Sem dúvida alguma, é uma abordagem promissora – e que exigiria, caso se revele correta, uma segunda fase de reformas. Voltarei brevemente ao tema.
Infelizmente não tenho tendência à mediocridade nem à hipocrisia. Detesto estas duas características. Também não gosto do que (infelizmente, ex) amigo meu denomina com muita propriedade de “bovinismo”, que é o de adotar comportamente idêntico à massa a fim de não ser discriminado por ser diferente. ‘Andar em manada’ seria uma tradução mais real do termo.
Como não me agradam estas características dominantes na sociedade e na cultura de massa de hoje e ao mesmo tempo eu não sou mais um garoto na flor da juventude, cada vez mais venho me refugiando nas características de tempos anteriores. Redescubro, revisito, reponho meu cabedal de conhecimento e de sensibilidade a fim de neutralizar cada momento rotineiro do dia a dia cada vez mais entediante. São doses de classicismo e de aprendizados, cálices de sentimento e histórias de um tempo onde havia necessidade de solidariedade, vontade de se construir algo novo, idealismo e poesia.
A vida de hoje é urgente. Tudo é “para ontem”, tudo é imprescindível, tudo é acelerado. “Impaciência” é a palavra de ordem. Não nos permitimos degustar nada, esperar nada, prosear, dar chance ao outro de se manifestar.
Acredito que a tecnologia ao mesmo tempo em que tornou muito mais fáceis diversos aspectos da vida humana, por outro lado levou a este estado de urgência, intolerância e impaciência. Além disso vivemos tudo muito aceleradamente e hoje se vivem quarenta e oito horas em vinte e quatro. Não admira o aumento crescente de casos de stress, AVCs e enfartes.
Tecnologia esta que auxiliou em muitos aspectos do dia a dia, mas ao contrário de simplificar os procedimentos tornou tudo ainda mais burocrático. Percebo que este aumento das regras, regulamentos, burocracias, controles vem da necessidade do ser humano de se sentir “poderoso”, se sentir “importante”, se sentir dono dos destinos de outros indivíduos. O que era para se tornar mais simples, liberando a todos para as tarefas realmente importantes, prazeirosas e produtivas, acaba sendo algo mais penoso e demorado.
Além disso a tecnologia vem permitindo a realização de profecias como a dos livros ‘1984’ (George Orwell) e ‘Admirável Mundo Novo’ (Aldous Huxley). Não é a causadora deste cada vez maior controle não somente institucional como privado da vida humana a que assistimos ultimamente, mas é um meio que, sem dúvida alguma, facilitou este tipo de controle.
Resposta adicional a esta mediocrização e ao “bovinismo” é a cada vez maior “guetização” dos indivíduos em tribos, que exercitam a intolerância. O indivíduo precisa se sentir em grupo, se sentir aceito. Portanto, não admira o ressurgimento de guerras nacionalistas e religiosas, derivadas, muito grosso modo, deste fenômeno.
Os indivíduos e microcosmos tem a “sua” verdade e tratam de impô-la a qualquer custo. Como escrevi em outra ocasião, tolerância, democracia, troca de ideias e repspeito à opinião alheia estão “fora de moda”.
Também vem daí a progressiva “celebrização” da vida humana e a transformação destas “pessoas famosas” quase em semideuses. Esta “celebrização”, aliás, gerou um subproduto do jornalismo muito vendável, infelizmente – ao passo que grandes reportagens a cada dia mais caem em desuso.
Minha resposta a esta deterioração da sociedade, da cultura e dos costumes é tentar dentro de minhas limitações especialmente de tempo redescobrir o antigo, rever o que de valor produzimos. Mais vale buscar a qualidade que ir atrás de duvidosas novidades. Mais vale buscar a solidariedade dos jovens de 68 que a egoísta busca pelo prazer hedonista da juventude atual. Mais vale buscar valores como a política, o humanismo e a qualidade de vida que a gana cega pelo consumo.
Como resultado, sou uma pessoa nostálgica, muitas vezes melancólica até. Sinto saudade de um tempo que eu não vivi, que eu não senti na carne – apenas nas lembranças. Redescubro a boa música que não toca nas rádios, o poeta semi-esquecido, a poesia escondida em uma boa prosa…
Sempre é tempo de se pensar.