Após os dois belos artigos da coluna “Pitaco” analisando o quadro político brasileiro, quero abordar algumas questões especificamente sobre a pré candidata (neste momento, a vice presidente) Marina Silva.
Sua filiação ao PSB, embora tenha sido claramente um “negócio de oportunidade”, traz ao pré candidato Eduardo Campos um rumo a seguir e uma agenda programática. Embora viesse se insinuando há tempos como possível candidato, as ideias conhecidas de Eduardo Campos se limitavam a um vago discurso de “continuidade com avanços”, o que, convenhamos, não é nada promissor em termos de futuro eleitoral. Se é para manter o que temos hoje, é melhor votar no PT.
Marina Silva, por trás de um vago discurso de “sustentabilidade”, apresenta duas vertentes claras: um neo liberalismo sob outro verniz no aspecto econômico e uma doutrina evangélica no social. São campos que parecem opostos, mas que se completam. Explico.
Entre os principais apoiadores do natimorto partido “Rede” temos empresas como a Natura (cujo presidente foi candidato a vice na chapa de Marina em 2010) e o banco Itaú. Sem dúvida alguma, são os principais apoiadores e especialmente financiadores dos movimentos da política até este momento. Somando-se a isso, o principal economista e ideólogo econômico de Marina Silva é o economista André Lara Resende, notoriamente um liberal – talvez um dos mais ferrenhos desta linha no Brasil.
Ou seja: o que neste momento pode-se esperar, em caso de eleição de Campos/Marina Silva, um governo com forte viés neoliberal, talvez até mais forte que um governo do PSDB. O Estado a serviço do capital financeiro, com transferência de renda para o setor rentista e taxas de juros mais altas. Privatizações voltando à agenda de governo – basta lembrar que Lara Resende é a favor da privatização de Banco do Brasil e Petrobras – e uma abertura total ao capital externo também fariam parte da agenda.
Além disso, o aparato de proteção social montado pelo governo petista tende a ser extinto ou, ao menos, diminuído, substituído pelo “mercado”. As velhas políticas de compressão salarial e de contenção do emprego também tendem a retornar à agenda do Estado.
E um quadro destes se cruza e se complementa com a orientação social de Marina Silva. Evangélica, a política parece disposta a ser o nome a encabeçar e capitalizar a doutrina desta corrente política, espalhada em vários partidos mas que é expressiva não somente no Congresso Nacional como nos Legislativos estaduais.
Pode-se esperar perfeitamente que pontos da doutrina sejam transformados em políticas de estado, como a proibição – ou pelo menos a restrição – do consumo de bebidas alcoólicas, o endurecimento da legislação sobre o aborto, a criminalização dos homossexuais, o controle das expressões culturais e o ensino do criacionismo nas escolas, bem como a suspensão de programas que visem evitar a concepção. Também pode-se esperar certa tolerância com perseguições religiosas, embora a Constituição assegure liberdade de Culto.
Ou seja, fazendo-se uma extrapolação pode-se dizer que Marina Silva, chegando ao poder, irá entronizar no Brasil uma espécie de fundamentalismo religioso, só que cristão e, mais especificamente, neo pentecostal. Uma tabela entre o Estado e as igrejas visando não somente a expansão destas como a imposição de tal doutrina ao restante da sociedade – e lucros aos próceres destas seitas cristãs. Vale lembrar que a bancada religiosa no Congresso Nacional já hoje tem poder de barganha para vetar projetos que contrariem seus interesses ou a doutrina religiosa.
O interessante é que as visões social e econômica se cruzam perfeitamente. Explico.
Uma política econômica liberal tende a causar mais desemprego e diminuição de salário real, com concentração de renda. Ou seja, pode-se esperar uma piora de condições de vida de maior parte da população, o que poderia gerar uma insatisfação social. Entretanto, este conservadorismo em termos de costumes e na sociedade pode mitigar estas reações de insatisfação, na linha “se você não tem emprego, é porque Deus não quer”. Controle social, em português claro.
Vale lembrar, também, que o discurso público de “sustentabilidade” da política me parece contraditório com tudo o que exponho acima. Sustentabilidade e meio ambiente não se amalgamam com uma visão econômica liberal, ou seja, são excludentes. Meu palpite é que este discurso de “ambientalismo” e “sustentabilidade” será apenas isso: discurso.
Finalizando, os apoiadores de primeira hora desta chapa Marina/Campos estão sustentando uma proposta que não é nem de longe algo moderno e progressista. Ao contrário, sob um verniz dito moderno temos uma plataforma que engloba dois fundamentalismos: o religioso e o de mercado. E, por mais antagônicos que possam parecer, se complementam e se alimentam mutuamente.
Entretanto, ainda temos um ano até as eleições de outubro de 2014 e isso é bastante tempo para se observar duas tendências: se Eduardo Campos irá comprar “o pacote completo” trazido por Marina Silva e se os adversários irão desnudar estes aspectos expostos aqui. Porque se depender da imprensa tudo isto continuará oculto. Até porque, ao contrário do que pensa o titular da “Pitaco”, acredito que José Serra e não Aécio Neves será o candidato tucano – ou seja, esta frente Campos/Marina deverá ser a principal candidatura de oposição.
Coluna apoiada. Apenas, como simpatizante tucano, me filio a opinião do Gustavo que a candidatura de Aécio já está sacramentada dentro do PSDB.