A terceira coluna da série “Escola do Meu Coração” presta um tributo à Estação Primeira de Mangueira, uma das mais vitoriosas e populares agremiações do nosso Carnaval.
E, para escrever sobre a Verde e Rosa, o convidado da semana é o compositor Carlos Eduardo Sá, ou simplesmente Cadu, autor do samba vencedor de 2004, do enredo “Mangueira redescobre a estrada real… e deste eldorado faz seu Carnaval”.
Vai passar nessa avenida um samba popular…
Não, isso não é nenhum samba da Mangueira. Foram estes versos, entoados por Chico Buarque, os primeiros que ouvi na Sapucaí, no meu “debut”. Estava lá, vestido na combinação mais cafona, linda e elegante que existe: o verde e rosa.
Versos que traduzem tudo o que a Mangueira é: um verdadeiro samba popular. Popular e única como a batida do surdo, a batida que anuncia e faz levantar a passarela, a batida que manda no compasso de milhares de corações.
Sim, foi em 1998 que comecei, tarde, minha vida de desfiles na escola de Cartola. Acompanhava o carnaval de longe, grudado nos LPs das escolas comprados por meu pai. Aliás, o objetivo do meu pai, ao adquiri-los, era única e exclusivamente, escutar o samba da Mangueira. Meu pai é mangueirense a ponto de nunca ter saído na escola.
Tá bom, parece até contradição, mas não é. Ele afirmava que seu coração não aguentaria um desfile em sua escola e, assim, partiu para outros desfiles, em outras agremiações, desde que nenhuma delas atrapalhasse o momento de sentar e assistir a sua verdadeira paixão flutuar pela avenida.
A Mangueira não passa, flutua mesmo. É a escola que sempre começa campeã e, infelizmente, teima em perder pontos no caminho. Pontos irrelevantes, pois ela é sempre a maior no auge dessa nossa “arrogância do bem” que todo mangueirense tem.
Para um menino “influenciado”, ver e ouvir os versos de 1983, ao vivo, na avenida, só reforçaram a paixão, foi ali, nas arquibancadas ainda tubulares, que “a semente se fez formosa, deu Mangueira verde de manga rosa”.
Quis voltar e, em 1984, se houvesse alguma chance de dúvida, ela fugiria envergonhada ao presenciar uma escola subir até a Apoteose e retornar levando com ela um mar de gente, um bloco, a essência do que é o carnaval.
Pronto, não faltava mais nada. Eu estava entregue, com o coração preparado e blindado contra péssimas administrações, desfiles fracos, renascimentos e títulos.
A paixão se tornou tão intensa, que ficaram insuficientes os vinte e poucos minutos que passava na avenida. Queria algo mais e, então, comecei a escrever sambas, a viver o dia a dia da escola, a personificar os nomes que alimentavam meus sonhos.
E foi assim, perdendo e aprendendo, o amor aumentando até que, em 2004, realizei o sonho dos meus sonhos. Ouvi, da boca do presidente Alvinho, o meu nome na parceria vencedora. Foi um dos últimos sambas da vida de Jamelão e vi a avenida, lotada de bandeiras, cantar o samba da Mangueira que levava o meu nome na composição.
Um filme passou naquele momento. Voltaram os LPs, os sambas, a expectativa, aquele sentimento de vários verões que antecediam a chegada da nova safra e é claro que meu pai não desfilou.
Seria demais, ainda mais puxado para o seu coração. Só pude vê-lo por um rápido momento, com lágrimas nos olhos, sentado numa frisa, como que revendo o mesmo filme do que eu.
Naquele momento, tive a certeza de que as rosas não precisavam mesmo falar.
Muito bom Cadu e fico feliz por ter visto esse sonho realizado