Nesta quarta feira a coluna do advogado Rodrigo Salomão fala sobre o instituto de indenizações por danos morais.

A indenização que pune

Apesar de o assunto da coluna de hoje ser justamente o tema que escolhi para a minha monografia de graduação, hesitei bastante antes de falar a respeito aqui no Ouro de Tolo. Primeiro, porque outros temas foram surgindo com o tema e pareceram mais oportunos. Segundo, porque é difícil transformar uma tese cheia de “juridiquês” para a linguagem cotidiana.

Mas cá estamos. Fiquem tranquilos, pois o texto não terá o tamanho de uma tese. Terá o tamanho de um texto mesmo, de blog. A ideia é justamente apresentar a todos o conceito importante que já existe nos nossos tribunais (de maneira tímida), mas que ainda não possui previsão legal em nossos códigos: a punição inerente às indenizações por danos morais.

É absolutamente comum passarmos por situações em que um celular quebrou ou alguma empresa está te cobrando R$ 15,00 a mais na conta e não quer mudar isso. Em muitas dessas vezes, os valores envolvidos são irrisórios, e o povo já pensa que entrar com uma ação no Judiciário não valerá a pena. Na realidade, dependendo do caso, vale sim. É aí que entra o assunto principal que falamos.

Em países de tradição jurídica um pouco diferente da nossa, o punitive damages é bastante conhecido e utilizado como meio de coerção àqueles que causaram algum tipo de dano. Não raramente, vimos notícias na internet de indenizações milionárias nos Estados Unidos por conta de alguma situação peculiar.

É exatamente isso: lá (e em outros países, como a Itália e a Inglaterra), além de o causador do dano ter de recompensar e te ressarcir pelo estrago, ele também tem a determinação de ser condenado a pagar algum valor, de modo a pedagogicamente aprender que as atitudes danosas podem doer em seu bolso. É quase uma escola. Mordeu o seu amigo? Então fica ali no canto de castigo. Ah, e pede desculpas ao coleguinha.

Obviamente, esse tipo de compreensão precisa ser ponderada. Não é razoável uma indenização milionária por causa de uma conta de luz com valor errado. Porém, também não é justo o cidadão precisar procurar os tribunais, ter todo o tipo de transtorno moral, para, ao final, ser indenizado em valores mínimos. Caso assim fosse, as empresas poderiam simplesmente se ver em absoluta zona de conforto e impunidade.dinheiro

Exatamente com essa ideia, os tribunais espalhados pelo país vêm fundamentando indenizações com base nessa teoria, ainda embrionária por aqui. Como por exemplo, podemos citar uma recente decisão judicial no Tribunal de Justiça, envolvendo atraso de voo de uma companhia aérea, na qual a magistrada expressamente se pautou no conceito aqui analisado.

Vejamos o que disse ela: “Dessa forma, atendendo ao critério do lógico-razoável, e considerando a amplitude da falha, a extensão da lesão, o caráter didático-punitivo, o porte econômico do réu, as condições da parte autora, e a média dos valores compensatórios que, em casos análogos, vem sendo fixada pela jurisprudência dominante, reputo justo e suficiente para reparar os danos morais e afastar o enriquecimento sem causa a quantia de R$2.000,00”

Isso significa que você, leitor atento do Ouro de Tolo, pode processar por qualquer motivo ou chateação que vai ganhar lá seus milhares de reais? Não.

Como tudo que acontece no direito, tudo depende do seu caso concreto. O direito à indenização não é imutável ou ilimitado. Exatamente por começar a se exceder nessa compreensão, aliás, que vem surgindo a tal “indústria do dano moral”, ou seja, uma enxurrada de ações na Justiça clamando por polpudas quantias sem qualquer motivo que propicie a isso.

Portanto, há que se ter cuidado e prudência. A razoabilidade deve ser o norte, tanto para você, ao processar, quanto a seu advogado, que deverá ponderar os riscos de uma ação judicial natimorta.

Em linhas gerais, apesar de o tema ainda oferecer certa resistência no país, a realidade brasileira, no entanto, não só necessita como oferece a possibilidade de acolher a tese do caráter punitivo-pedagógico da indenização por danos morais, pois é um conceito moderno, que está em sintonia com o avanço da responsabilidade civil objetiva, muito mais voltada ao que ocorre cotidianamente no direito do consumidor, tantas e tantas vezes lesado.

Com o foco no dano causado, é preciso que este seja evitado dali pra frente, sendo um importante mecanismo de prevenção, para, via de consequência, trazer maior equilíbrio à sociedade, com consumidores mais precavidos e empresas melhor preparadas e atentas para servir ao seu público de maneira adequada.