No início da primeira parte deste artigo, disse que não tinha esperança de que algum leitor chegasse ao segundo parágrafo. Menos ainda acredito que, se por curiosidade ou ócio alguém chegou até aqui, venha a concordar comigo que o Brasil na verdade não tem dinheiro para dar saúde e educação de qualidade a todos os seus cidadãos. Mas, por exercício lúdico, vou supor que um único amigo dê crédito aos meus argumentos e conclua: o problema, então, é mesmo a falta de dinheiro. Os bilhões que gastamos ainda não são suficientes. Precisamos dedicar mais recursos públicos à saúde e à educação (além, claro, de melhorar a gestão).

Estaria correto, mas surgiriam duas questões. A primeira é quanto seria necessário; a segunda é se temos como tirar estes recursos adicionais de algum lugar. Incorporar o orçamento da Copa, como vimos, está longe de ser suficiente; precisamos de muito mais. Esta tem sido, de fato, a campanha dos que defendem a meta de 10% da receita da União para a saúde, e a de 10% do PIB para a educação. Mas seria o bastante?

feira1A revista Época desta semana traz uma longa reportagem na qual imagina como seria se o Brasil fosse uma nação desenvolvida. No tópico educação, nosso país é comparado à Finlândia, e na saúde, ao Reino Unido. A Finlândia tem, talvez, o melhor sistema educacional do mundo. E com certeza o NHS britânico é um dos melhores sistemas de saúde, o que lhe valeu uma justa homenagem na festa de abertura das Olimpíadas de Londres (Galvão Bueno não entendeu e comentou que seria o mesmo que o Brasil passar 15 minutos da nossa cerimônia exaltando o INSS). Mas de quanto dinheiro precisamos para chegar lá?

O Estado finlandês gasta com educação o equivalente a R$ 6,5 mil por ano por habitante. Eu disse por habitante, não por aluno. Já o Brasil gasta R$ 1,4 mil por ano per capita. Para atingirmos o patamar de investimento da Finlândia, precisaríamos mais que quadruplicar nossa despesa, chegando a R$ 1,3 trilhão. Na verdade seria ainda mais, porque o Brasil tem uma população mais jovem que a da Finlândia, com mais habitantes em idade escolar. Já a Grã-Bretanha gasta em saúde pública o correspondente a R$ 6,9 mil por ano por súdito de Sua Majestade. Para empatarmos com eles, precisaríamos elevar nosso orçamento a R$ 1,4 trilhão.

De R$ 486 bilhões, que pareciam muito, para R$ 2,7 trilhões, se quisermos ter saúde e educação exemplares. E qual é o problema com esse número? É que nosso Produto Interno Bruto é de R$ 5,6 trilhões. Ou seja, estamos falando de quase 50% do PIB. Para quem imagina que não precisaríamos de tanto dinheiro quanto os europeus para obter o mesmo resultado, porque os preços são mais baixos no Brasil, esclareço que, em todos os cálculos, utilizei o PIB por Paridade do Poder de Compra.

Há quem acredite que a destinação dos royalties do pré-sal para a educação vá resolver o problema. As estimativas dão conta de um acréscimo de R$ 21,5 bilhões por ano, em média, nos próximos 17 anos. É alguma coisa (muito mais do que se gastou em estádios para a Copa), mas ainda está muito aquém do necessário para mudar a realidade atual. É possível melhorar? Sem dúvida. Mas atingir padrão FIFA em saúde e educação continua distante de nossas possibilidades.

O problema de fundo é simples: somos um país de renda média, não geramos riqueza suficiente para viver como na Europa Ocidental. Ainda assim, temos delírios de grandeza. Quando viajamos para o exterior, ficamos encantados com o padrão de vida “de primeiro mundo” e não gostamos de admitir que nos faltam meios para viver de daquela forma (na realidade, sequer estamos preparados para lidar com as mudanças sociais que isso iria gerar). Nossa cultura da reclamação nos leva a colocar sempre a culpa no governo. Se temos menos que os europeus, só pode ser porque os políticos roubam e não trabalham direito.

Os números acima desfazem o mito de que, ao contrário dos europeus e americanos, “não vemos o retorno dos impostos que pagamos”. Para termos muito retorno, precisamos pagar muito, como eles fazem. Para pagar muito, precisamos antes produzir muito. Há uma falácia bem difundida segundo a qual os brasileiros pagam muito imposto, vez que a nossa carga tributária (em torno de 36% do PIB) seria uma das maiores do mundo. Na verdade, não chega a ser uma das 25 maiores, e nosso imposto de renda é baixo, mas não é aí que está a falácia.

O Estado não paga suas contas em percentual do PIB, mas em dinheiro. Se produzimos pouco, e se a tributação incide proporcionalmente, pagamos pouco, não importando nosso sacrifício pessoal.

Cristiano-ronaldo-2010-FI-006Dizer que um brasileiro paga mais imposto que um americano, pois a porcentagem da arrecadação sobre o PIB é mais alta no Brasil que nos EUA, é tão falso quanto dizer que meu carro é mais caro que o do Cristiano Ronaldo, já que o valor do meu representa uma parte maior dos meus rendimentos anuais do que a nova Ferrari em relação aos ganhos de CR7. Ainda mais absurdo seria se, pela mesma razão, eu esperasse seriamente que o meu carro fosse tão bom quanto o dele.

O presidente da FIFA Joseph Blatter comentou com singeleza a revolta do povo brasileiro com a Copa: “O Brasil é a sexta maior economia do mundo e, quando Lula estava na presidência, ele disse que o Brasil ia melhorar. Mas, para isso, é preciso que o povo tenha vontade de trabalhar”. A fala foi recebida com a irritação costumeira, mas como discordar dela? Claro que os brasileiros trabalham, mas em 8 horas de trabalho de um brasileiro infelizmente se produz menos, em regra, que em 8 horas de trabalho de um japonês. Para aumentar nossa produtividade, precisamos trabalhar (e estudar) ainda mais.

Blatter só pode falar esse tipo de coisa porque não disputa eleições no Brasil. Com efeito, nunca houve aqui um político com coragem para enunciar frases como as que marcaram os mandatos de John Kennedy (“Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer por seu país”) e Ronald Reagan (“O governo não é a solução para os nossos problemas, o governo é o problema”). Concorde-se ou não com tais ideias, é certo que um líder brasileiro que dissesse coisas assim não teria mais o que fazer na política.

No quadro atual, a função de Dilma é negar a realidade, dizendo que tudo está uma maravilha. A de Aécio, dizer que a culpa pelo que está errado é de Dilma, e fingir que todos os problemas serão resolvidos quando ele vencer a eleição. Se ele vencer, os papéis se inverterão imediatamente. Esta é nossa forma de fazer política. Desde Collor os presidentes têm sido eleitos com a promessa de passar o país para o “primeiro mundo” num passe de mágica.

Temos acreditado nesse tipo de promessa a cada quatro anos. Nos intervalos, reclamamos que os políticos são mentirosos.

4 Replies to “Pitaco: “Não Há Dinheiro – Parte II””

  1. Excelente artigo, mas que devia ter uma terceira parte que trataria de um assunto ligado a tudo o que foi falado que são os 43% do orçamento da União destinados ao pagamento da dívida pública. Será que os manifestantes que pedem mais recursos para Saúde e Educação sabem disso?

    1. Caro Régis, provavelmente quase nenhum sabe disso. A dívida pública e a parte do orçamento destinada a seu pagamento é um assunto complexo que têm a ver não apenas com os serviços prestados pelo Estado, mas com muitas outros pontos. Vale um artigo à parte, mas preferi não misturar as coisas aqui. Obrigado

      1. Gustavo, merece com certeza um próximo artigo seu tratando do assunto. É importante que se saiba realmente a ordem de grandeza dos valores dos recursos para saúde , educação, gastos com a Copa , pagamento de juros e amortização da dívida etc. Grande parte das pessoas não tem idéia de como é elaborado o orçamento da União. Na minha opinião a falta de recursos para educação, subfinanciamento do SUS e essa obsessão pelo superávit primário estão totalmente ligadas. O discurso simplista de que o único problema que temos é de gestão foi enraizado na população e impede um discurso mais amplo. Esse assunto é sem dúvida o que mais sinto falta de ver nos blogs e na política em geral. Mais uma vez parabéns pelo artigo.

  2. Gustavo Cardoso, tenho uma planilha com dados que podem aprofundar sua pesquisa. Porcentagem do PIB investido em educação; absoluto do PIB investido em educação; absoluto do PIB investido per capita; absoluto do PIB investido per capita menor de 19 anos. A margem de erro é grande pois usei dados de 2013 (população absoluta) e dados de 2010 (população menor de 19 anos). Caso se interesse, mande-me um email no feunderline@hotmail.com que lhe envio a planilha.

    Obrigado

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