Ontem – na verdade, madrugada de hoje – realizou-se nas palavras da Fifa aquela que foi a última venda de ingressos oficial para a Copa do Mundo a ser realizada aqui no Brasil. Faço a ressalva de que “nas palavras da entidade” porque acredito que durante as partidas deverá haver ainda alguma venda.
Iniciada a partir da meia-noite, pela primeira vez traria venda de ingressos para as partidas de abertura e final, não contempladas até agora no sistema “por ordem de chegada”. Tinha interesse nas duas partidas e estava online desde as 22 horas, aguardando para entrar rapidamente e comprar as entradas que me faltavam.
Ledo engano. Fui direcionado a uma espécie de “fila virtual” no site e precisei aguardar até às 2h40 para conseguir acessar o site. Obviamente, as partidas que me interessavam estavam esgotadas. Meu irmão, que conseguiu entrar mais cedo, ainda tirou para mim um ingresso para Brasil e Camarões, em Brasília – e se tivesse acessado uns dez minutos antes talvez lograsse obter êxito na busca de ingressos para a final.
O Twitter se transformou em uma espécie de “carteado virtual”, com as pessoas conversando enquanto esperavam sua vez. Uma vez mais os públicos paulista e carioca sofreram com a alta demanda de turistas por suas entradas, sendo as praças onde acabaram mais cedo as entradas.
Faço esta (longa) introdução para trazer à baila dois pontos: a demanda por ingressos e seu preço. Por partes.
Escrevi artigo anterior sobre a demanda pelos ingressos e a suspeita de que localizações nobres nos estádios não haviam sido distribuídas até aquele momento, ou seja, que havia uma “sobra” de entradas. Estes 180 mil lugares vendidos ontem são uma prova disso, mas também há a afirmação do jornalista Andrew Jennings em seu novo livro sobre a entidade máxima do futebol de que 40% dos ingressos são vendidos fora dos canais oficiais.
A apreensão de ingressos legítimos hoje na Argentina – ao que parece, destinados aos “barra bravas” – parece reforçar a tese do jornalista, mas prefiro trabalhar com os dados oficiais. E estes revelaram uma demanda absolutamente fantástica pelos lugares.
Lembro ao leitor que quatro anos atrás na África do Sul sobraram entradas para praticamente todos os jogos, e mesmo partidas como a final um mês antes do início da competição ainda tinham ingressos. Para 2014 em todas as fases de venda a demanda ou foi maior que a oferta ou foi “pari passu”, à exceção de Cuiabá – que não deu muita sorte no sorteio das partidas – e uma ou outra partida de sedes como Manaus e Fortaleza. Rio e São Paulo, especialmente, sofreram muito com a escassez de entradas.
Credito este fenômeno de vendas a dois fatores: primeiro à paixão do brasileiro pelo futebol e segundo ao baixo preço dos ingressos.
O primeiro fator é razoavelmente simples de explicar: o brasileiro adora futebol e está a favor de sediar a competição. As demonstrações públicas são tímidas devido à intimidação e ao patrulhamento que os setores contrários exercem – incluindo parte da imprensa, movida por interesses partidários e eleitorais – mas está claro que sim, a maior parte da população vai curtir a competição.
Após 64 anos, há a sensação de que esta é uma oportunidade única – até porque Rússia e Catar, além de serem muito mais caros por envolverem longas viagens daqui, não são exatamente países simpáticos ao turismo – e que vale qualquer esforço para viver uma experiência que provavelmente não se repetirá. Este fenômeno já se verificou na Copa das Confederações ano passado, que bateu recordes de público.
Ou seja: o gosto por futebol aliado à sensação de que a competição não ocorrerá nas próximas décadas por aqui levou a uma demanda explosiva por entradas para as partidas.
O outro fator é o preço. Ao contrário do que muitos pensam, os valores estipulados para as entradas não podem ser considerados altos para a magnitude da competição.
Sem considerar a meia-entrada, o ingresso mais barato para a fase de grupos custou R$ 60, o que, pelo câmbio de hoje, equivale a 26 dólares. É exatamente o mesmo preço que o Flamengo cobrou, por exemplo, para a partida Flamengo x São Paulo, realizada recentemente pelo Campeonato Brasileiro. E para o mesmo lugar – atrás dos gols, embora se faça a ressalva que no caso rubro-negro o preço cobrado equivale às categorias 3 e 4 da Fifa. E, no caso brasileiro, sem direito a lugares marcados.
Há de se convir que não há comparação entre uma partida da Copa do Mundo e uma rodada corriqueira pelo Brasileirão. Mesmo o ingresso mais caro disponível ao público para esta fase, R$ 350 (US$ 154), não paga entrada em lugar equivalente de uma partida da NBA, por exemplo.
O valor desta categoria mais cara para a final (R$1.980) assustou muita gente em termos absolutos, mas temos de levar em conta que é o ingresso mais caro destinado ao público em geral para a partida mais importante na hierarquia do futebol mundial. Convertido em dólares, dá US$890, valor pouco maior ao de um lugar nobre em uma partida de temporada normal do New York Giants – US$755, atrás da sideline dos “Big Blue”. O SuperBowl, considerado o único evento esportivo a se ombrear com a Copa do Mundo, tinha entradas pelo menos três vezes mais caras em sua última edição, partindo de US$500 nos setores mais baratos até US$2,6 mil nos de valor mais elevado.
O leitor pode alegar, com razão, que o poder aquisitivo do público brasileiro é inferior ao americano, mas temos de levar em conta que a Copa do Mundo é um evento mundial, único para quem sedia e que seu público alvo são cidadãos do planeta inteiro. Ou seja, a precificação não pode levar em conta apenas o poder de compra do país sede, embora seja um fator importante na determinação de preço.
É uma afirmação empírica, mas arriscaria dizer que a demanda por entradas seria a mesma caso os preços dos ingressos tivessem sido duplicados. Aos preços atuais, a demanda se revelou muito superior à oferta em média, deixando claro que este preço determinado estava longe de ser o considerado de equilíbrio.
Vale lembrar que cerca de 110 mil ingressos foram entregues a estudantes e a trabalhadores das obras dos estádios, o que somados aos lugares disponibilizados a R$ 60 na categoria 4 (exclusiva de brasileiros) retira a ideia corrente que “os pobres não poderão assistir aos jogos”. Se não assistirão é pelo excesso de demanda, não pelo preço alto, pois estes, como vemos, eram acessíveis até à Classe C e não muito diferentes do que se paga por uma partida doméstica.
Portanto, leitor: a demanda explosiva por entradas tem a ver com a alta motivação e, especialmente, aos baixos preços relativos cobrados por estas.
Imagens: O Globo
Concordo inteiramente com você, só deixo a ressalva de que Cuiabá não merecia ser sede e sim Goiânia que tem histórico de futebol mais presente na vida nacional.