[N.do.E.: O historiador e professor Julio Mangini assina uma coluna quinzenal a partir de hoje. PM]
Um dia depois do fatídico dia em que a seleção rubro-negra europeia se consagrou e, com muito mérito, o seu tetra-campeonato mundial de futebol, acordei e fui folhear os canais fechados de TV. Imaginava não encontrar nada muito interessante, mas uma discussão na TV Senado me chamou a atenção: uma audiência pública sobre a criminalização dos movimentos sociais no Brasil.
Sem sombra de dúvida que desde que foi anunciado que a copa seria no Brasil, muitos movimentos sociais, entre eles estudantis, sindicatos, dos sem-teto, sem-terra, negro e indígena começaram a se movimentar e aproveitar a ocasião para chamar a atenção do mundo e da sociedade brasileira como um todo, a respeito das diversas demandas daqui.
O grande estopim foi o famigerado Junho de 2013, com a luta pelo passe livre e “não é pelos 20 centavos”, que desencadeou manifestações gigantescas e históricas em diversos lugares do país. Foi nesse momento que foram expostas as táticas do black bloc e a concepção autoritária e repressiva da polícia militar (que é a mesma desde o golpe civil-militar de 1964).
Esse seria apenas o único motivo de minha surpresa pela discussão, mas não: há mais um. A escalada repressiva tem aumentado no país contra os movimentos sociais num período dito democrático e governado por um partido criado por trabalhadores contra a ditadura (do passado). E pior, por uma presidente que também sofreu perseguição e aprisionamento em sua militância.
E essa violência contra os trabalhadores, pelo partido dos trabalhadores vem de todas as formas: reformas que cortam direitos, desde a Reforma da Previdência em 2003, com Lula, até a indisposição total de negociar com os sindicatos por melhores salários. Alguns sindicalistas mais antigos dizem que até com o antigo ministro da Educação, Marco Maciel, no período de transição para a abertura democrática era mais fácil dialogar, negociar e avançar na luta, pasmem!
O alerta vermelho (e preto) para meu incômodo e extrema preocupação foi a prisão de professores e militantes sociais um dia antes da final da copa (oba, vamos falar de Copa?) sem que qualquer um deles tivesse cometido qualquer crime, mas enquadrados arbirtrariamente pelo crime de formação de quadrilha!
Foram apreendidos com eles panfletos e materiais de protesto para se defender das bombas e gases nada flatulentos mas muito violentos da Polícia Militar nas manifestações contra os gastos do evento multi-nacional. E a ordem veio do governo que favorece o gigantismo dos grandes monopólios: Odebrecht, sistema S, kroton-ananguera, Petrobras… estamos falando da chefe-maior do Estado Brasileiro, estamos falando de Dilma.
O passado quando não passa, tende a se repetir. Depois de 50 anos do golpe no Brasil, ainda não revisamos nossa história, os crimes da ditadura. Por esse mesmo motivo, as práticas repressivas perpetuam. Segundo a OAB-RJ, na década de 2000, só no Estado do Rio de Janeiro, a polícia foi responsável por pelo menos 10 mil mortos e/ou desaparecidos.
E a prisão dessas pessoas, tais como Sininho (militante social) e Camila Jourdan (professora doutora de filosofia), um dia antes da grande final da Copa só pode ter motivação política. E o mais triste de tudo isso é ver alguns colegas apoiarem tal ação. São “vândalos”, precisam respeitar a ordem! “Quebram vidros” das agências bancárias (as mesmas que sonegam milhões em impostos). Só lembrando que a nossa “companheira” Dilma foi acusada e presa de ser “terrorista e comunista” durante a ditadura (friso novamente, do passado) e pior, a liberdade “democrática” que tanto gozamos hoje é fruto das lutas e da coragem dos “vândalos” de ontem, inclusive dela.
Por fim, fico me questionando se, de fato, Giorgio Agamben tem razão ao afirmar que o Estado de Exceção seja o principal paradigma da classe dominante na contemporaneidade. A própria democracia possui dispositivos que fazem com que essa seja uma prática, a qual ao invés de ser uma excepcionalidade, uma medida provisória, seja uma constância. E o que está em jogo, seja na Copa, ou nas eleições de outubro é a manutenção de um partido no poder. É essa a correlação de forças que não mede qualquer esforço para retirar os inimigos de cena. Tudo é política.
São os professores “vândalos” e os movimentos sociais que questionam o status quo os maiores opositores e tratados como inimigos pelo governo petista. Aécio Neves, que joga o mesmo jogo do capital financeiro e pacto das elites que a presidenta pratica, não faria diferente.