A Copa do Mundo de 2014 foi muito elogiada na imprensa especializada por seu nível técnico. Na primeira rodada, partidas espetaculares como Holanda 5 x 1 Espanha e Alemanha 4 x 0 Portugal levaram alguns a suspeitar que estivessem assistindo à melhor Copa de todos os tempos.

Nos grupos mais difíceis (B, D e G), é seguro dizer que todos os jogos foram de alto nível, com exceção da despedida da Inglaterra contra a Costa Rica. No Grupo C, fomos brindados com shows da Colômbia e da revelação da Copa, James Rodríguez. No Grupo A, os destaques foram as boas atuações de Neymar e Ochoa.

O Grupo E teve pelo menos um momento marcante: França 5 x 2 Suíça. O Grupo F teve seu ápice em Argentina 3 x 2 Nigéria, provavelmente a melhor apresentação de Lionel Messi, mas a vitória apertada dos argentinos sobre o Irã foi uma das partidas mais tensas. O Grupo H foi o mais morno, mas a chuva de gols em Argélia 4 x 2 Coreia do Sul garantiu a diversão. Nas Oitavas de Final houve outra grande exibição da Colômbia de James, os outros jogos muito disputados e decididos em detalhes.

Nas Quartas as partidas foram muito equilibradas, táticas, o que fez cair a média de gols; mas o futebol ainda foi de alto nível. Nas Semifinais tivemos outro grande jogo tático, além de uma grande goleada que, quando conseguirmos apreciá-la sem traumas, entenderemos que foi outro episódio único desta 20ª edição do Mundial. A disputa pelo terceiro lugar teve um ar de fim de festa, mas a Final foi, apesar do placar estreito, mais um grande jogo de futebol.

20140623_143158Seleções de menor tradição apresentaram grande competitividade, não apenas pela capacidade defensiva, mas também pela velocidade, toque de bola e poder de criar belas situações de ataque: Colômbia, Costa Rica, Argélia, EUA. França, Bélgica, Chile e Suíça anunciavam uma nova geração talentosa que deve chegar ao auge na Copa de 2018, e não decepcionaram.

Podemos dizer que foi a melhor Copa do Mundo da história?

Temo que não haja resposta para isso. A primeira que acompanhei do início ao fim foi a de 86. Costumava me lembrar de cada detalhe; hoje, para ser franco, só me restam flashes. Isto me faz desconfiar agudamente de quem diz se recordar de todo o Mundial de 1970, uma Copa à qual pouquíssimas pessoas no Brasil assistiram em cores. Para não falar de 1958, que sequer foi transmitida pela TV fora da Europa.

Alguns estudiosos do futebol realmente veem teipes de Alemanha 4 x 2 Hungria (54) e Holanda 4 x 0 Argentina (74). Mas quem pode dizer sinceramente que se recorda dos detalhes de Áustria 1 x 0 Escócia, ou de Austrália 0 x 0 Chile, naquelas mesmas Copas? Infelizmente, numa questão do tipo “qual foi a melhor Copa de todos os tempos?”, só podem opinar com propriedade pessoas que sofram de hipertimesia. E só há uns 20 casos confirmados deste mal no mundo inteiro.

O que posso dizer, com base em minha memória afetiva, é que este foi o melhor Mundial que eu já acompanhei. E o fato de muitas pessoas terem a mesma impressão reforça este sentimento. No fim, que importa que tenha sido a melhor Copa? Não basta que tenha sido um grande prazer tê-la acompanhado, e um privilégio que tenha sido de tão perto?

20140704_105007A mordida de Suárez, a grande atuação do mesmo jogador contra a Inglaterra, o choro contido do técnico da Argélia após a derrota para a Alemanha, o choro incontido dos brasileiros após a disputa de pênaltis contra o Chile, o gol de Portugal no último minuto contra os EUA, o golaço de cabeça de Van Persie contra a Espanha, os torcedores japoneses limpando as arquibancadas, a integração e as festas nas ruas: Momentos inesquecíveis de um grande evento.

Esta Copa empatou com a de 98 como a de maior número de gols, com a de 90 como a de maior número de prorrogações e disputas de pênaltis (o que indica equilíbrio), e ficou atrás apenas da de 94 em público. Neste quesito, a média da Copa dos EUA dificilmente será alcançada, a não ser por outra sediada no mesmo país, pois foi toda disputada em estádios maiores, desenhados para o futebol americano.

O título merecido da Alemanha fez prevalecer o talento e o toque de bola no meio-campo, mas de modo geral o jogo foi mais rápido e “vertical” do que preza a escola espanhola, que tinha servido de modelo nos últimos seis anos. A Holanda, uma das sensações da competição, assim como o Real Madrid, atual campeão europeu, não valorizam tanto a posse de bola quanto as equipes inspiradas no paradigma estabelecido por Pep Guardiola.

As pessoas que criticam Felipão por não ter povoado o meio de campo contra a Alemanha talvez estejam certas em relação àquele jogo específico, mas não porque haja um futebol “moderno”, de troca incessante de passes, e outro “ultrapassado”, de lançamentos e infiltrações.

Esquecemos em poucas semanas que o “tic-taca” foi dado como morto depois da goleada da Holanda sobre a Espanha, tão surpreendente quanto a que o Brasil sofreu da Alemanha, e, talvez mais importante, depois da Semifinal deste ano da Champions League, disputada dois meses antes, quando o Real Madrid goleou o Bayern de Munique por 4 x 0 em plena Allianz Arena. O Bayern teve 70% da posse de bola.

20140625_161248Vale lembrar que o clube bávaro é a base da vitoriosa seleção alemã – Neuer, Müller, Kroos, Lahm, Schweinsteiger, Boateng, Götze –, incrementada com nada menos que Robben, Ribéry, Mandzukic, Shaqiri e Alaba. Mais forte, portanto, que a própria Mannschaft. Além de tudo, é treinado por Guardiola, o preferido de 9 em cada 10 brasileiros que agora julgam Scolari uma peça de museu.

Que os técnicos brasileiros estão defasados é incontornável. Que o espantoso placar do Mineirazo reflita em números a diferença entre nossos “professores” e os europeus é um exagero que não ajuda a resolver a dificuldade. Que o atraso de nossos treinadores seja um desdobramento lógico e inevitável do atraso de nossa cartolagem é uma simplificação que só se sustenta se ignorarmos fatos evidentes – p.ex., o de que a Argentina, com uma estrutura tão arcaica quanto a nossa, tem bons técnicos.

Muitos dos que acompanham o futebol brasileiro têm suas próprias agendas de reformas necessárias. Várias delas estão aproveitando a tragédia de BH para trazê-las à superfície, a título de panaceia. Há pontos, claro, que precisam ser discutidos, mas precisamos pensar mais profundamente do que está sendo feito agora se quisermos evitar futuros vexames.