Minhas primeiras lembranças de Copa do Mundo são de 2006, quando o Mundial foi realizado na Alemanha. Ali, já era apaixonado por futebol e tive uma noção do tamanho de uma Copa. Aquela Torre de Babel que reunia povos de diferentes países em um só local me soava tão encantadora quanto distante. Então com oito anos, tinha nos meus melhores sonhos o projeto de ver um jogo de Mundial.

Meses depois, no entanto, tudo mudou, pois tomei conhecimento da candidatura única do Brasil para sediar a Copa de 2014, o que foi sacramentado em 2007. De uma hora para outra, passei a alimentar até sonhos de ver uma final de Mundial. E assim fui até 2013, quando, com ansiedade e esperança ímpares, entrei no processo de solicitação de ingressos da Fifa.

Não busquei jogo fácil. Fui logo tentando bilhetes para a abertura, que até então só sabia ser um jogo do Brasil, pois foi antes do sorteio das chaves, para a final e para a semifinal disputada na cidade de São Paulo. Consegui apenas para o último e nem pude reclamar, porque a maioria dos meus conhecidos sequer conseguiu ingresso para fase tão aguda.

Garantido no maior evento esportivo do mundo, segui com a vida sem fazer disso algo muito anormal. Estava mais ansioso pela Copa do Mundo em si do que para ir ao jogo. Tanto que quando enfim soube qual seria o jogo que iria ver – no sábado, dia 5 de julho, no caso Holanda x Argentina, ainda não tinha retirado meus ingressos. Um dia depois, enfim fui pegar minhas entradas. Como era domingo, optei por ir ao posto de retirada montado no Centro, próximo à FIFA Fan Fest do Vale do Anhangabaú. O número de pessoas na região era pequeno e, no posto de retirada, havia apenas três turistas estrangeiros retirando ingressos em um guichê especial para os chamados ingressos de hospitalidade. A partir daí, foi só passar o cartão, entregar a carteirinha de estudante e pegar os bilhetes.

foto 2A partir daí, meu amigo, foi difícil segurar a ansiedade. Ainda mais depois do sacode sofrido pelo Brasil, que enfim me deu a sensação de que eu veria o próximo jogo de Copa do Mundo no estádio. E aí me veio outro dilema: para quem torcer? Se o Brasil tivesse vencido a Alemanha, torceria certamente pela Argentina justamente por querer faz tempo essa final histórica. Com a derrota brasileira, me dividi. Seria triste a Argentina chegar a uma final aqui no Brasil, mas mais ainda uma final europeia em uma Copa tão legal dos sul-americanos.

No fim das contas, saí de casa totalmente neutro. Como moro em Atibaia, a aproximadamente 45 minutos da capital paulista, optei por sair de casa bem cedo, pouco antes das 13 horas. Por volta das 13:45, cheguei ao Terminal Rodoviário do Tietê, na Zona Norte, e peguei o Metrô. Já na Estação Portuguesa-Tietê, ao lado da Rodoviária, encontrei com um bom número de torcedores argentinos, que já cantavam e faziam uma bonita festa. Alguns minutos e duas estações depois, cheguei a Estação da Luz. Os vagões estavam vazios até então.

Na Luz, a situação já foi diferente. Tudo estava muito bem sinalizado e rapidamente cheguei ao local de embarque que estava completamente abarrotado. A maioria era de brasileiros, alguns travestidos de holandeses. Quando o tal Expresso da Copa chegou, quem conseguiu entrar, entrou e o trem ficou abarrotado. O espaçamento grande entre a plataforma e o veículo, somado a confusão para entrar, fez com que um torcedor tropeçasse e prendesse a perna, gerando um pequeno tumulto.

Enfim, parti para os 20 minutos de viagem até a Estação Corinthians-Itaquera e lá decidi: torceria para a Holanda. O clima no vagão já era sensacional por parte dos brasileiros, que provocavam a Argentina mesmo sem nenhum argentino no local. “Maradona cheirador”, “como é ter uma Copa a menos que o Pelé” ou “uma a menos que o Cafu” eram os cantos entoados.

No desembarque, mais uma vez a sinalização era muito boa, mas passei pelo momento mais infernal de todo o dia. Uma multidão se amontou na estreita passarela que ligava a estação ao entorno do estádio e principalmente para aqueles que já tem o labirinto prejudicado em vias normais, como eu, esses 15 minutos de caminhada imprensado em meio a multidão foram uma tortura. Mas enfim, sobrevivi.

foto 3Na sequência, parti para a longa caminhada rumo a Arena Corinthians. Tudo estava bem sinalizado, mas o estádio não chegava nunca. É, realmente, um trajeto longo demais. A cerca de 300 metros do estádio, houve pela primeira vez a necessidade de se apresentar o ingresso nas barreiras montadas pela Fifa. Nela, muitos torcedores, a maioria argentina, já tomaram o rumo contrário e voltaram para casa. Havia também muitos mexicanos com sombreros com as inscrições “No fue penal”, falando do lance do pênalti que classificou a Holanda contra os mexicanos. Que coisa genial.

O que se viu dali em diante foi um exagero. Em uma caminhada de cerca de 100 metros, tive que mostrar meu bilhete cinco vezes. A partir daí, já avistando o estádio, foi só passar o ingresso pela catraca e entrar. À parte o inacreditável da entrada leste dar acesso as cadeiras que ficam atrás do gol do lado oeste, não houve grandes problemas para achar o portão F.

A estrutura da Arena Corinthians é algo de outro mundo. O estádio, apesar de não ser bonito, tem um requinte impressionante e tudo é feito com um padrão fora do que seria necessário para uma Copa. É muito melhor. No entanto, os setores atrás dos gols são, no momento, outro estádio. A Arena está muito inacabada e isso é visível nessas áreas. Para se ter uma ideia, os acessos do Pacaembu ou do Morumbi são muito melhores. É possível avistar as estruturas de ferro que sustentam o setor e o piso das escadas sequer teve os pisos colocados.

foto 4Por outro lado, há de se registrar que, mesmo estando em um dos piores lugares do estádio, consegui ver o jogo perfeitamente. A visão é ótima mesmo nos pontos mais afastados. O ponto ruim é que, como as cadeiras móveis estão colocadas atrás da cobertura, que é onde estão instalados os refletores, simplesmente não há iluminação e o setor vira um breu. Para piorar, havia garoado por muito tempo e as escadas de acesso às fileiras, de madeira, são muito pequenas e estreitas. Milagre que ninguém tenha se machucado.

A estrutura de banheiros e bares funcionou razoavelmente bem, visto que eles estavam presentes em grande número, mas muita gente perdeu ao menos 15 minutos do segundo tempo por conta das filas. O principal problema aconteceu ao final do jogo que, por sinal, não foi uma maravilha tecnicamente. Meu setor não estava lotado – havia um bom número de cadeiras vazias – e era formado em sua esmagadora maioria por brasileiros. Os poucos argentinos presentes, no entanto, pularam o suficiente para que o setor balançasse incessantemente, como uma arquibancada de rodeio. No ponto mais alto da euforia portenha, tive que me segurar na poltrona da frente para não cair. Isso é algo inadmissível em um estádio de Copa do Mundo.

Ali eu já havia tido a noção de que um jogo de Copa do Mundo é algo muito maior do que eu pensava. A tensão presente em um jogo desse porte, o clima, a música da FIFA, uma série de pequenas coisas que faz dessa uma experiência única. Todavia, foi na saída do estádio que um dia especial se tornou épico.

Se um dia te disserem que argentinos cantam os 90 minutos, duvide. Como eu disse, não fiquei em uma região cercada deles, mas é visível que eles torcem no melhor estilo “Sávio, Romário e Edmundo”: cantam um pouquinho, param um pouquinho e, sem qualquer ironia, são a melhor torcida do mundo.

Quando acabou a disputa por pênaltis que classificou a Argentina, aguardei uma meia hora onde eu estava porque, sabe-se Deus por qual motivo, todo mundo quer sair do estádio assim que o jogo termina. Então, fiquei lá vendo a festa dos nossos vizinhos de longe. Quando desci, amigo, fui, aos poucos, sendo tomado pela festa mais bonita que eu já vi. Eles cantavam, pulavam, vibravam incessantemente. Quando paravam, paravam para dar um forte abraço uns nos outros, gritando coisas como “chegamos” ou “estamos na final”.

Eles não estão nem aí para qual lugar estão. Qualquer lugar que reúna mais que três deles vira Buenos Aires. E não há como ficar chateado. Na saída, começou o show. Depois de muito comemorarem a vaga na final, os argentinos percorreram todo aquele longo trajeto até a Estação Corinthians-Itaquera provocando os brasileiros. Creio eu que todo mundo já conheça, mas vale deixar aqui a letra de “Decime que se siente”, a música preferida deles:

“Brasil decime que se siente / Tener em casa su papá / Te juro que aunque pase los anos / Nunca nos vamos a olvidar / Que el Diego te gambeteó / Que Cannigia te vacunó / Estan llorando desde Italia hasta hoy / A Messi lo vas a ver / La Copa nos va a traer / E Maradona és más grande que Pelé!”. É tosco, faz referência a uma derrota que 90% dos brasileiros mal lembra e fala o absurdo de que Maradona é melhor que Pelé, mas é genial. A maioria dos brasileiros se limitou a ouvir em silêncio, alguns tentaram chamar Diego de “cheirador”, mas eu tive que cantar junto. E o canto foi entoado incessantemente por ao menos 15 minutos

Se cheguei inclinado a secar os argentinos, fui embora gritando: “un; dos; três; cuatro; cinco; seis; siete: un minuto de silencio……….. Un minuto de silencio para Brasil que estas muerto!”. Nem a PM conseguiu se irritar. Argentinos são apaixonantemente irritantes. Já no trem, berravam algo como: “mira mira que locura / mira mira que emoción / ir a Brasil e volver campeón”, algo como veja que loucura, veja que emoção, ir ao Brasil e voltar campeão.

foto 5Os brasileiros tentavam responder com o argumento “pentacampeão”. Ganhavam na lógica, perdiam no grito. Um argentino, depois da euforia, brincava que a Copa precisa acabar pois estava devendo muito dinheiro. Outro, incrédulo com a classificação, vendia ingressos para a disputa pelo terceiro lugar. Quando um brasileiro disse querer uma camisa da Alemanha, ouviu: “compraram uma da Bélgica, uma da Suíça, uma da Holanda, agora comprem uma da Alemanha”, em um portunhol bastante decifrável.

O tal ditado que “brasileiro adora odiar argentino e argentino odeia amar brasileiro” me soa falso. Eles querem provocar tanto a gente, quanto nós queremos o provocar. Conseguem com a maioria. Comigo, não. Pelo contrário, me deixaram encantados. Costumo sempre dar valor aos povos que sabem fazer festa. Nisso, eles são quase incomparáveis e, por isso, ganharam minha torcida para sempre para qualquer jogo que não contra o Brasil.

“Brasil, decime que se siente”, em uma tradução livre, quer dizer “Brasil, diga-me como se sente”. Por mim, posso dizer: me sinto muito bem. E os argentinos nem imaginam como são os responsáveis por isso…