Tiro o título deste texto de uma onomatopeia utilizada para descrever uma batida específica de uma bateria de escola de samba, mas, também, serve para definir a avaliação que a cúpula do nosso futebol faz após o desastre de ontem.

As declarações oficiais foram no sentido de que o maior vexame da história do nosso futebol – quiçá, do mundial – “foi um acidente”. O técnico Luiz Felipe Scolari reforçou bem esta avaliação em sua entrevista ontem, em que, na prática, considerou o resultado um “acidente de percurso”.

Não. Não foi um acidente de percurso.

O leitor diário deste Ouro de Tolo deve se lembrar de que, em artigo que escrevi semana passada, havia alertado que um dos legados da Copa do Mundo era mostrar que a nossa formação de jogadores tinha problemas e que taticamente nossos técnicos estavam parados, na melhor das hipóteses, em 1980. Também deve se lembrar de que no meu relato sobre França e Alemanha havia alertado que não poderíamos deixar a seleção teutônica abrir o placar.

Pois é. A casa caiu.

20140623_143952Pela primeira vez desde que me entendo por gente, não vi grandes contestações à convocação final. E, ainda assim, ao olhar para nosso banco de reservas não havia muitas alternativas para se mudar o panorama ou, antes do jogo, substituir Neymar de forma a mitigar a perda. Por quê?

Nossa formação de base, hoje, tem um problema sério: ela não é orientada a fim de se revelar jogadores, e sim para ganhar campeonatos nas categorias inferiores. Como na base a compleição física faz muita diferença, preferem-se garotos altos e fortes aos mais habilidosos, porém não tão altos ou fortes. Muitas vezes, “gatos”, ou seja, jogadores com certidão de nascimento adulterada.

Por causa da força física, as equipes assim formadas acabam levando grande vantagem nos campeonatos de categorias de base, conquistando títulos – e mantendo o emprego de seus treinadores. Mas na hora de passar ao profissional as deficiências técnicas se tornam evidentes com o nivelamento físico.

Assim, um atacante na base vira volante no profissional, “para sobreviver”. Um volante vira zagueiro. Escasseiam atacantes e, especialmente, meias de ligação. Escasseia a qualidade de passe.

Além disso, com muitas equipes na base jogando em um 3-5-2 retrancado para os treinadores garantirem seus empregos, não se formam mais laterais e meias, apenas zagueiros, volantes e “alas”. E isso estoura mais à frente, na hora de integrar o garoto no “time de cima”.

E nem estou abordando neste artigo a influência dos empresários nestas categorias, muitas vezes preterindo um garoto bom de bola por um que tenha empresário mais forte. Ou até questões mais sérias como a pedofilia, outro problema de nossa formação de base.

Esta questão leva a outro problema sério de nosso futebol, que é o atraso tático.

20140623_161311Esta Copa do Mundo nos mostrou que os treinadores brasileiros estão atrasados ao menos 30 anos em questões táticas. Como escrevi no artigo supracitado, o Cláudio Coutinho campeão brasileiro em 1980 pelo Flamengo seria moderno taticamente no futebol de hoje. Nossos treinadores se especializaram desde então a copiar de forma tacanha conceitos importados ou a trabalhar em variações do mesmo tema.

Além disso, há claro corporativismo contra a presença de treinadores estrangeiros tanto entre os próprios técnicos como entre jogadores, como o pós jogo de ontem deixou claro. Acho que pode ser bastante interessante a experiência do Palmeiras, que contratou o argentino Ricardo Gareca.

Notícias de hoje dão conta que Tite será o novo técnico da Seleção. Na prática, é um ‘mudar para manter’. O mesmo esquema de três volantes e abusando da ligação direta entre defesa e ataque que vimos o Brasil nesta Copa – vale lembrar que, na prática, Oscar e Hulk funcionaram muito mais como volantes fechando as laterais que como meias ou atacantes.

Seleções como a Colômbia, a Alemanha, a Costa Rica e a Holanda, entre outras, mostraram-se muito mais modernas em termos táticos e de leitura de jogo. É outro ponto que nossos treinadores pecam: a leitura de jogo é bastante deficiente, bem como o uso das estatísticas para analisar desempenhos. Em média, é tudo muito na base do achismo e do “vamuláquedá”. São motivadores, não cientistas.

20140623_165338Sabemos que uma andorinha só não faz verão, mas minha avaliação é que um técnico estrangeiro daria novos ares ao futebol brasileiro e, especialmente, faria promover um intercâmbio com os modelos adotados lá fora. Sabemos das limitações trazidas pelos comandantes do futebol brasileiro, mas já poderia ser um bom começo.

Nomes não seriam a prioridade neste momento, mas um perfil que me agrada pela sua capacidade de estruturar e coordenar seleções de base seria o do técnico José Pekerman, argentino que dirigiu a Colômbia nesta Copa do Mundo. Sua presença permitiria atacar as duas frentes que identifico como fontes de problemas neste artigo: treinar a seleção principal trazendo novos conceitos táticos e coordenar uma nova estruturação do trabalho de base brasileiro.

Obviamente, este é um trabalho que também precisa ser realizado nos clubes, mas a Seleção seguindo este caminho certamente serviria como um “motor” impulsionando os clubes brasileiros a fazer o mesmo.

Last, not but least, a mudança mais complicada: a gerencial.

A CBF teve suas eleições antecipadas em uma manobra para entronizar no cargo o atual presidente da Federação Paulista, Marco Polo Del Nero – que, na prática, já é o mandatário de fato desde a ascensão de José Maria Marin ao cargo. Já com idade avançada, Del Nero parece mais preocupado em defender seus próprios interesses pessoais e os dos clubes paulistas que propriamente em empreender as reformas que nosso futebol necessita.

Vale lembrar que neste recente escândalo da venda de ingressos da competição – que será alvo de post proximamente nesta revista eletrônica – entradas no nome do cartola foram encontradas em poder dos indiciados para serem revendidas, o que nos leva, no mínimo, a suspeitar de algum tipo de envolvimento da estrutura da entidade neste imbróglio, ainda que não institucionalmente.

20140628_161655Parece claro que a estrutura do futebol brasileiro precisa ser modernizada, tanto em termos esportivos como de gestão. Uma seleção forte não se sustenta com clubes fracos, como vemos atualmente, nem sem intercâmbio dos mesmos com outros centros do futebol.

Um dado que corrobora a tibieza dos nossos clubes: do time que iniciou jogando ontem, Maicon, Dante, David Luiz, Luiz Gustavo e Hulk ou não jogaram profissionalmente por equipes brasileiras ou estiveram pouquíssimo tempo aqui. Bernard e Marcelo chegaram a jogar em grandes clubes, mas também não por muito tempo antes de serem vendidos para a Europa. Somente Júlio César (este há dez anos fora) e Fred possuem vínculos mais fortes com equipes brasileiras, dos 11 iniciais da partida contra a Alemanha.

Uma liga de clubes mais forte, sem depender tanto da televisão, um modelo de gestão mais moderno, intercâmbio com clubes europeus e menor influência dos empresários já seria um começo do fortalecimento dos clubes. Clubes mais fortes conseguem reter aqui por mais tempo seus talentos e estes amadurecem de forma mais constante.

Há também outro fator, de menor importância, que deve ser levado em conta nesta análise: o papel de setores da imprensa. Mas este é assunto para outro artigo.

2 Replies to “Está tudo muito bom, está tudo muito bem…”

  1. Migão, muito boa a coluna. Veja que você trata a derrota como vergonha, enquanto na minha coluna eu nego que seja vergonha, prefiro chamar de desastre. Discordamos na terminologia, mas acho que ambos concordamos quanto ao essencial. Não dá para tratar como algo menor, ou acidente de percurso. Nisso estamos fechados. Eu trato de desastre pelo âmbito esportivo em que aconteceu o atropelamento. Porque também não dá para cair no mimimi que tentam fazer, que é transformar em vexame nacional para fazer tratados sociológicos de botequim.

  2. Excelente coluna, uma reflexão perfeita do atual cenário do Futebol. Há alguns anos venho defendendo a ideia de que a seleção de futebol deveria compor-se majoritariamente de jogadores que estivessem atuando dentro do país, com restrições de número (dois ou três) de jogadores atuando no exterior. Dessa forma, a equipe poderia jogar mais vezes e apresentar um trabalho de continuidade, com entrosamento mais eficaz. O futebol moderno é cada vez mais resultado de trabalho de equipe bem feito, do que de talentos individuais.

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