A festa da Copa em terras brasileiras acabou. Porém, o maior vencedor desta 20ª edição da competição não foi o escrete alemão, novo dono da Taça FIFA, nem James Rodrigues, o artilheiro-revelação, muito menos o Brasil, que mostrou ao mundo sua capacidade de bem organizar torneios deste porte.
Para mim, o maior vencedor, salvo engano, sequer precisou pisar no Brasil para isso. Estou falando do escocês Andrew Jennings (foto acima).
Para quem não sabe, este repórter investigativo, ficou anos estudando a FIFA, especialmente seu mundo secreto de negócios escusos e lançou o livro “FOUL! The Secret World of FIFA: Bribes, Vote-Rigging and Ticket Scandals”. No Brasil ele ganhou o nome de “Jogo Sujo. O mundo secreto da FIFA: compra de votos e escândalo de ingressos”. Este livro já foi resenhado duas vezes neste blog. A primeira pelo editor-chefe Pedro Migão e a segunda pelo colunista Fabrício Gomes, titular da coluna “História e Outros Assuntos”.
Neste livro, Jennings detalha várias descobertas dos anos que passou investigando o lado subterrâneo da FIFA, com diversos documentos. Não ficarei aqui detalhando as revelações do livro, o que já está muito bem documentado nas resenhas acima, mas não há como falar sobre todo esse escândalo de ingressos, semioficial da FIFA, que culminou na prisão de Raymond Whelan, uma das pessoas mais importantes da empresa mais ligada à FIFA que existe, a Match.
Ela é a responsável por toda a parte de venda de ingressos, hospitalidade e venda de pacotes turísticos (incluindo aí, diárias de hotel) para as “empresas parceiras” da FIFA. Lembrem-se os leitores, também, que a Match esteve envolvida em uma querela com a prefeitura do Rio de Janeiro por conta de diárias de hotéis acertadas em valores acima de mercado, o que levou os preços dos demais quartos também a subir de preço. Há notícias de que quadros da EMBRATUR também reclamavam bastante disso nos bastidores.
Ao que tudo indica, muito antes da investigação da Scotland Yard ou mesmo da Polícia Civil do Rio de Janeiro, o primeiro a levantar tais acusações foi o repórter Jennings. Em um segundo livro, que no Brasil ganhou o nome de “Um Jogo Cada Vez Mais Sujo”, o jornalista britânico aprofunda a análise e dedica um dos capítulos a estes esquemas de “cambismo semioficial” dos ingressos para a Copa do Mundo. Nas contas do jornalista, 40% do total de ingressos disponíveis para as partidas é vendida nestes círculos fora dos canais oficiais de venda.
Claro que o mesmo foi incessantemente acusado de inventar histórias para vender livros, a FIFA tentou desacreditá-lo de todas as maneiras possíveis, inclusive tentando censurar-lhe à força de todas as maneiras possíveis. As pancadas foram várias e não fosse Jennings um profissional antigo e bastante respeitado no meio, com trabalhos famosos sobre a corrupção na Scotland Yard dos anos 80 e sobre o escândalo Irã-Contras, talvez ninguém o levasse a sério.
Logo, para quem leu os livros toda essa confusão não é novidade. Nem é de se suspeitar que a Polícia Civil do Rio (frise-se isso, as investigações e prisões foram feitas pela PCRJ, não pela Policia Federal como muitos noticiaram) apenas plantou abobrinha para aparecer. Até porque, pelas informações preliminares levantadas por este blog, a Policia Civil apenas continuou o trabalho de um dossiê sobre a quadrilha que fora entregue pela polícia de outro país – e o próprio desconforto da Fifa com as investigações da polícia brasileira deixou isso claro.
Tamanho foi o rebuliço que Jennings causou na FIFA que quando do lançamento do segundo livro sobre o assunto aqui no Brasil, “Um jogo cada vez mais sujo”, a editora no Brasil (Panda Books) rapidamente recebeu uma notificação extrajudicial do BM&A (o mesmo escritório de advocacia da CBF e um dos mais renomados do Rio de Janeiro) de 10 páginas e várias ameaças de processo. O mesmo foi feito pelos advogados da Match em Londres.
Parêntese: o principal advogado deste escritório, Francisco Müsnich, é cunhado do empresário Daniel Dantas e sua esposa, Verônica (na foto, o casal), é sócia de Verônica Serra, filha do político e candidato a senador José Serra, em outros negócios. O escritório em questão também está defendendo a Fifa no inquérito da Polícia Civil carioca relacionado ao cambismo semioficial. Aliás, qual seria a reação de setores da imprensa se o advogado em questão fosse casado com uma eventual sócia da filha de Dilma Rousseff, por exemplo?
O mais interessante foi a reação de Jennings. Ao invés de se amedrontar, ele mesmo respondeu aos advogados londrinos que o ele mais queria há cinco anos era encontrar os Irmãos Byron (mexicanos, donos da Match) e os mesmos o negavam tal momento. Após esse contra-ataque, nada mais foi feito e ninguém entrou com o processo ameaçado, seja aqui ou no Reino Unido (afinal, cão que ladra muito acaba não mordendo).
Mais interessante foi verificar o “barata-voa” que acometeu a alta cúpula da FIFA nos momentos mais agudos das prisões, primeiro de Fofana e depois a de Whelan.
Por mais que oficialmente a FIFA dissesse publicamente que nada tinha a ver, que queria investigação completa e ajudaria com informações; claramente se percebia nos bastidores que eles estavam bastante incomodados e, no fundo, o que eles queriam dizer era o exato oposto. Eles também conhecem o livro de Jennings e sabem que toda essa operação da Policia Civil do Rio daria ainda mais credibilidade às acusações lá contidas.
O dano de imagem já estava feito na entidade FIFA. Afinal, com que moral eles irão cobrar ações anti-pirataria, anti-falsificação e anti-cambismo como eles sempre gostam de cobrar se está claro que eles apenas fazem isso para garantir o monopólio do cambismo semioficial?
E é por isso que digo que ele é o maior vencedor desta Copa pois o desbaratamento da quadrilha, indo exatamente nos nomes que ele citou no livro (faltando apenas o nível acima de Whelan, composto pelos Byrons e pelo sobrinho do atual presidente da FIFA, dono da Infront, empresa que é proprietária de parte da Match), comprova que o que ele vem dizendo e escrevendo há 8 anos sobre a FIFA é verdadeiro. Lembramos aos leitores que há fortes suspeitas, por exemplo, de corrupção na escolha do Catar como sede da Copa do Mundo de 2022, inclusive com nomes como o Presidente da Uefa e ex-jogador Michel Platini e o ex-jogador Beckenbauer como suspeitos de envolvimento no caso.
Mais impressionante foi verificar que vários brasileiros afirmaram estar torcendo para a Argentina nesta Copa porque a CBF e a FIFA eram antros de corrupção. Mas eles não pensaram na bobagem que estavam falando, porque a AFA (a CBF argentina) e Julio Grondona, seu presidente – e vice presidente de finanças da Fifa, nada devem para as outras duas entidades, neste quesito. Alias, pelo reportado, a AFA era a federação na qual o cambismo semioficial era o mais escancarado, tendo sido alvo inclusive de outra investigação da Policia Civil do Rio, conforme uma reportagem da ESPN Brasil.
Isso sem contar o episódio em que um ingresso com o nome de Humberto Grondona, filho de Julio Grondona, fora encontrado com cambistas, a apreensão de 20 mil ingressos verdadeiros sem nome na Argentina ainda antes do início da Copa e a acusação de que o mais perigoso “barra brava” (como são conhecidos os torcedores encrenqueiros das organizadas argentinas) conseguiu ingressos junto ao contador da AFA, que estava junto com a delegação argentina. A relação de promiscuidade entre a AFA e os “barra bravas” é antiga e fartamente documentada.
Por outro lado, ingressos de pessoas ligadas à CBF também foram encontrados neste esquema de venda “alternativa”, o que leva a suspeitas de envolvimento de próceres da entidade no esquema. Ingressos no nome do presidente eleito da CBF Marco Polo Del Nero foram encontrados pelos agentes da Polícia brasileira, bem como se investiga a participação da filha de um integrante de alto escalão da Comissão Técnica na revenda.
P.S. – no último capítulo do segundo livro da série, Jennings insinua que houve pagamento de propinas para que o Rio de Janeiro fosse escolhido sede das Olimpíadas.
(colaborou o colunista Rafael Rafic)
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