Um avião cai, outros fazem vôos atabalhoados, e é Marina quem decola. Algumas coisas ajudam a explicar o desempenho de Aécio Neves.

Não conheço o Município de Cláudio, em Minas Gerais e, até recentemente, nem sabia de sua existência. Para ser bem sincero, não registrei conscientemente sua primeira aparição no noticiário nacional. A notícia que mostrou Cláudio ao mundo foi dada pelo jornal Folha de São Paulo em 20 de julho último, e esta todo mundo viu: “Governo de Minas fez aeroporto em terreno de tio de Aécio.” (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/07/1488587-governo-de-minas-fez-aeroporto-em-terreno-de-tio-de-aecio.shtml)

O que eu não notei, e acredito que pouca gente percebeu, foram as aparições imediatamente anteriores do nome do Município no noticiário. E não foram poucas, considerando a pequena população de cerca de 25 mil habitantes e a desimportância da economia local, limitada a uns tantos cafezais e algumas fundições. Por sinal, só vim a notar há poucos dias que uma placa de revestimento de ferro na minha casa foi fabricada lá.

A manchete da Folha em julho, na primeira página da edição dominical, já seria suficiente para provocar sérias dificuldades para a já cambaleante campanha de Aécio Neves. Só que, para tentar compreender a confusão, muita gente curiosa como eu foi ao Google em busca de informações sobre Cláudio, MG. E a situação piora muito.

Foi possível reviver uma matéria do Fantástico sobre vendas de habeas corpus para traficantes de drogas na região de Divinópolis, de 22 de abril de 2012 (http://globotv.globo.com/rede-globo/fantastico/v/desembargador-libera-traficantes-em-troca-de-dinheiro/1915359/). Trata-se da denúncia de que um desembargador da Justiça de Minas Gerais concedeu a soltura de traficantes em troca de dinheiro. A operação foi confessadamente intermediada por “Tancredo Tolentino, o Quedo, um comerciante da cidade de Cláudio”. Assim é descrito, na matéria, este personagem. Foi omitido um detalhe, no mínimo, pitoresco: Quedo é primo e vizinho de porteira do Senador Aécio Neves.

Com um pouco mais de pesquisa pode-se correlacionar Cláudio ao episódio do helicóptero da família Perrella que foi apreendido em novembro no Espírito Santo carregado com 445 kg de pasta de cocaína. (http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2013/11/helicoptero-com-cocaina-no-es-e-da-familia-do-senador-zeze-perrella.html). O desenrolar das investigações apontaram a culpa na direção do piloto da aeronave, livrando o senador Zezé Perrela e a família. Também encontrou uma rota provável para o vôo, que teria começado na fronteira do Paraguai, passado pelos estados do Paraná e São Paulo, antes de fazer um último pouso para reabastecimento numa fazenda na localidade de Sabarazinho, em Minas, antes de ser apreendido em terras capixabas. O noticiário omitiu que os donos do helicóptero são amigos pessoais e aliados políticos de longa data de Aécio Neves. Isso veio a público para o resto do Brasil graças ao povo mineiro, que fez questão de manifestar-se quanto à coincidência. O mais curioso, entretanto, passou ao largo: o local do pouso em Sabarazinho fica a exatos 14 quilômetros do aeroporto de Cláudio.

Também não foi muito percebida a notícia veiculada poucos dias antes (22/11) na mídia local que dava conta do fechamento de um laboratório clandestino de refino de cocaína em Cláudio (http://g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/2013/11/policia-fecha-laboratorio-de-refino-de-drogas-em-claudio-mg.html). É interessante saber que a polícia não fez nenhuma correlação entre a existência desse laboratório e a escala do “helipóptero” na mesma região.

Por fim, também ficou restrita à mídia local a notícia recente (11/7) de que foram apreendidos em Cláudio dinheiro, drogas e veículos (http://g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/2014/07/dinheiro-drogas-e-veiculos-sao-apreendidos-em-claudio-mg.html) numa operação policial.

A alegação oficial para o motivo da construção do aeroporto na cidade é que ela seria um importante pólo de metalurgia. Entretanto, para um mesmo período de dois anos em que há na imprensa, sem esforço, quatro casos envolvendo tráfico de cocaína, não há sequer uma nota sobre a metalurgia. O noticiário aponta, portanto, outro tipo de “atividade econômica” típica naquelas paragens.

Voltando à notícia mais badalada, especificamente sobre o aeroporto, sabe-se bastante do assunto apenas através dos blogs independentes. A mídia corporativa tratou de fazer uma nuvem grossa de fumaça sobre o escândalo. É certo que a denúncia partiu “surpreendentemente” da Folha de São Paulo, um dos jornalões que costuma fazer coro às causas da imprensa conservadora. Mas não há comportamento uniforme entre estes veículos, senão que uma ação conjunta articulada, conservando cada um seu caráter especial (ou falta de). Cabe à Folha o papel de veículo de opiniões diversificadas capaz de disparar “tiros amigos” na luta fratricida das correntes da direita brasileira. Cabe aos demais, em casos assim, a missão de abafar os escândalos que saem do controle no jogo do faz-de-conta.

Ocorre que estes casos fora de controle são cada vez mais numerosos, concorrendo para isso a falta de postura republicana da direita, o acirramento de suas disputas intestinas, as crescentes fraqueza e falta de credibilidade da chamada grande mídia e a força da internet. Por conta desses fatores, sabemos que Aécio, enquanto governador de Minas, torrou 14 milhões na construção de um aeroporto em terras que estão em litígio entre seu tio e o próprio estado de Minas; que, depois de negar por uma semana, enfim reconheceu que utilizou várias vezes o aeroporto que ele mesmo mandou construir; que, apesar do uso, o aeroporto está até hoje em situação irregular junto à Anac, não sendo utilizado pela população local; que Aécio tem uma fazenda vizinha ao aeroporto; que esta é sua fazenda favorita; que a empreiteira responsável pela construção foi doadora nas últimas campanhas de Aécio e Anastasia ao governo de Minas; que o aeroporto é usado, preferencialmente, como área de manobra de aeromodelos; que as chaves do aeroporto ficam em posse de um primo de Aécio.

Há mais um detalhe constrangedor. Como se o caso, por si, já não fosse capaz de encerrar de uma vez por todas as pretensões políticas de um candidato entronizado como um “bastião da moralidade”. Soma-se ao conjunto da obra um detalhe definitivo e – repito – constrangedor: o tal primo que detém a chave de um aeroporto supostamente público é Tancredo Tolentino, o Quedo, o tal envolvido com corrupção e tráfico de drogas.

aecioneves2Claro que tudo isso pode não passar de uma grande e desagradável coincidência. Um tipo de coincidência que não ajuda muito o candidato Aécio Neves, alvo de comentários por parte da população. Aplique-se aquele princípio de que o homem público não precisa apenas ser honesto, mas parecer honesto. Já seria um imenso azar para ele, alvo deste tipo de maledicência, que justamente um primo tão próximo seja acusado de associação ao tráfico. A falta de sorte só aumenta quando um helicóptero de uma família tão unida ao seu nome, como os Perrella, seja apanhado com quase meia tonelada de pasta de cocaína. Mas, até aí, são fatores fora de seu controle direto, porque ninguém pode ser responsabilizado pelos dissabores da vida dos parentes e amigos.

Mas quando um governador investe dinheiro público num aeroporto que permanece fechado para o uso geral numa região cujo noticiário aponta para uma grande incidência de atividades (inclusive aéreas) ligadas ao tráfico, aí o azar está sendo somado a algum grau de descuido. Quando a chave de um aeroporto construído em tais condições fica sob a responsabilidade de um primo envolvido com o tráfico, o nível de irresponsabilidade acrescentado à equação é tão grande que dá o que pensar ao eleitor mais ressabiado.

Na entrevista que abriu a sessão de sabatinas do Jornal Nacional, Aécio teve a derradeira chance de dar um ponto final digno às dúvidas que continuaram a voar sobre o Município de Cláudio e jogou-a fora. Dois dias depois, a queda do avião com Eduardo Campos complicou-lhe ainda mais a vida. Eduardo faleceu sem ter decolado nas pesquisas, o que fazia com que as forças conservadoras apostassem ainda suas fichas em Aécio. Sem Eduardo, o espaço foi aberto para Marina Silva. Em poucos dias, Marina mostrou que tem muito mais chances de enfrentar Dilma que Aécio. O Senador mineiro está em franco processo de cristianização pelas forças que representava. (Se você não conhece o termo cristianizar, veja em http://hisbrasil.blogspot.com.br/2008/09/candidatos-cristianizados-na-campanha.html).

Aécio, como qualquer cidadão, merece a presunção da inocência. Esta conversa de julgar sem provas, apenas pelos indícios e aparências não acontece em regimes jurídicos democráticos (ou será que acontece?). Mas, mesmo sem prejulgamento, também não cabe a nenhum cidadão a intocabilidade. Situações estranhas devem ser investigadas. E enquanto gasta tempo e energia com este assunto desagradável, Marina cresce e leva os apoios que deveriam alavancá-lo.

Cláudio é uma daquelas cidades-protótipo tão comuns na obra de dramaturgos como Dias Gomes e seus contemporâneos. Cláudio é a Sucupira de Odorico Paraguassu. É a Saramandaia sem Dona Redonda. Mas com o mesmo clima de realismo fantástico. Na mesma noite em que Aécio dava entrevista na bancada do Jornal Nacional, um misterioso incêndio se alastrava num galpão da Prefeitura de Cláudio. Atingiu uma pequena área de 9m² e causou poucos danos: uns tecidos, arquivos e computadores que, por acaso, guardavam informações sobre o movimento aéreo no tal aeroporto. Ficamos sabendo também que Cláudio tem aeroporto. Mas, mesmo sendo um pólo de metalurgia, não tem serviço de bombeiros.

E o mais estranho nisso tudo é a falta de curiosidade e interesse da imprensa em ligar todos estes pontos que convergem para o Município de Cláudio, um aeroporto particular feito com dinheiro público, aeronaves suspeitas, amigos e parentes envolvidos com tráfico de drogas e Aécio Neves.