O Mundo do Samba se movimentou na última semana para acompanhar a primeira feira dedicada exclusivamente ao Carnaval – a Carnavália – e o 1º Encontro Nacional do Samba – o Sambacon. O segundo foi palco de uma série de debates interessantíssimos sobre assuntos de interesse do público ligado ao Carnaval. Muito se discutiu sobre a gestão das escolas, o futuro da festa e um tema que acho que envolve todos os outros: a exposição do Carnaval na mídia e sua relação com a mesma.
Em uma conversa que reuniu grandes nomes da imprensa carnavalesca como o excelente Eugênio Leal da Rádio Tupi e Alberto João, criador do Site carnavalesco, bem como outros repórteres dedicados à folia em rádio, TV e internet, muitos dados interessantes foram colocados em pauta e me levaram a essa coluna. O que mais me impressionou foi o que foi dito por uma produtora da TV Globo, que afirmou que os desfiles atingem 20 pontos de audiência durante a madrugada e a apuração tem pico de 32; ambos os índices altíssimos e que dificilmente são alcançados, por exemplo, nas novelas das seis e das sete respectivamente.
A verdade é que o Carnaval é o produto mais mal tratado de que eu tenho notícia nesse país. Maior espetáculo da Terra, ele tem um potencial enorme, mas que não é sequer parcialmente explorado. A exposição do Carnaval na mídia é muito grande na época dos desfiles, mas é ridícula no resto do ano. Nenhum grande portal de notícias tem uma editoria ativa o ano inteiro que se dedique exclusivamente ao Carnaval.
O G1, da emissora que transmite os desfiles, só fala de Carnaval a partir de dezembro. Não posta uma sinopse, um samba-concorrente, nada. Ultimamente a Globo tem dedicado uns 50 segundos para as finais de samba em seus telejornais, mas isso é quase nada. Não fossem os bravos profissionais de rádios como a Tupi e a Arquibancada ou de portais como o SRZD (que é na verdade um portal de notícias, mas como o Carnaval é quase um carro-chefe, dá na mesma) ou o carnavalesco, não haveria divulgação nenhuma, exceto quando alguma protagonista de novela ou cantora estrangeira visitasse uma quadra qualquer.
Para o grande público, o Carnaval é um fenômeno explorado a exaustão por uma semana, que já vinha ganhando algum espaço nos dois meses anteriores e que ficará nove meses afastado do dia a dia deste grande público. Atingir 20 pontos de audiência numa madrugada nesse cenário é quase um milagre que demonstra bem o potencial da festa. O também colunista deste blog, Gustavo Vaz, me chamou atenção para algo muito interessante: a audiência no começo dos desfiles é menor do que no meio da madrugada. Isso, é verdade, também se explica pelo fato de que geralmente as escolas de menor apelo desfilam primeiro, mas há um outro ponto importante.
Esse dado prova que o público que vê Carnaval é extremamente fiel. Claro que parte da audiência é dada por pessoas que estão dormindo com a TV ligada, mas a esmagadora maioria está assistindo e quer continuar assistindo. Desses 20 pontos, pelo menos uns 12 (a audiência na madrugada em dias normais atinge no máximo oito pontos, o que, aliás explica o fenômeno comercial que os desfiles são para a Globo) são de um público que se interessa pelos desfiles, uma audiência que, levando em conta o horário, não deve muito à do futebol. Multiplicando pelo equivalente a um ponto, você encontra um público gigantesco que poderia ser atraído – e, assim, aumentado – durante o ano. Porque é difícil conquistar novos fãs de Carnaval se não há uma continuidade, ou seja, se o evento não ganha uma cobertura específica e que dure o ano inteiro.
A Globo, até pelo dinheiro que ganha com o Carnaval, faz o mínimo necessário [1]. É quase inexplicável que algo com tanta audiência e que movimente tanto dinheiro para todo mundo ganhe tão pouca atenção e nem tenha duas das 12 escolas do Grupo Especial com suas apresentações exibidas ao vivo para fora do Rio de Janeiro.
Quase inexplicável. Quase. É claro que tudo isso é muito triste e não é responsabilidade única de alguém, mas, na minha classificação de culpados, a Globo não “pega nem uma vaga na Copa Sul-Americana”. O maior culpado pela pouca exposição do Carnaval na mídia é o próprio Carnaval. Um produto mal tratado por si mesmo e que não acredita em seu próprio potencial.
O Carnaval se diz o Maior Espetáculo na Terra, mas tem ambições de uma atração regional. Muito se diz que as “escolas de samba S.A.”, ou seja, a modernização das escolas de samba, acabou com o espetáculo e, logo, tirou seu prestígio, quando na verdade isso ocorreu pelo amadorismo na área. Muitos têm saudade da cobertura da Manchete nos anos 80 e 90 e eu sempre digo que, se a Manchete existisse atualmente, faria a mesma cobertura da Globo. Talvez essa mesma cobertura fosse melhor pela concorrência, mas seria menor do que antes. Porque o Mundo se modernizou; o Carnaval, não. E à medida que não se modernizou, ficou restrito a um público. Grande, como eu disse, mas menor do que poderia.
A magia do Carnaval sempre esteve ligada ao suor de pessoas simples, humildes, sem muita instrução, que se desdobravam para administrar uma escola de samba com o conhecimento administrativo que tiveram na vida. Isso tudo é muito lindo, é a raiz da nossa festa. Uma festa que envolve todas as classes, mas comandada pelas menos abastadas é demais e que seja sempre assim!. Mas não do jeito que era antes. Que as classes menos abastadas continuem fazendo a festa, mas que se modernizem, tenham capacidade administrativa, evoluam, estudem, aprendam. Uma escola de samba tem que ter em sua comunidade o seu ponto mais forte, mas não pode ser algo restrito àquela comunidade. Uma escola de samba do Grupo Especial tem que atrair a cidade inteira, tem que estar sempre lotada, tem que gerar lucro, se promover. A mídia não aparece do nada.
Voltando à parte administrativa, a gestão do futebol brasileiro é um lixo comparada ao do exterior, como pudemos observar e atestar nos últimos tempos, e, ainda assim, é muito, mas muito melhor que a do Carnaval. Por aí o leitor tem uma ideia da situação. O samba afastou o público de si mesmo quando se perdeu entre a modernização e o amadorismo. O público se cansa de passar duas noites acordado vendo desfiles e, na quarta-feira, ver o escândalo que eram as apurações no fim do Século passado. Até quem não entendia nada sabia que o que acontecia era absurdo. E para aumentar a gravidade da situação, no começo do novo milênio, o Carnaval atravessou sua mais grave crise em matéria de samba-enredo. E, até a semana do desfile, o samba é o maior meio de divulgação que um Carnaval tem.
Os dirigentes de Carnaval desse período não entenderam o conceito de modernização. Interpretaram modernização como uma fuga às suas raízes (velho erro cometido em muitas áreas) e foi aí que deu-se o grande problema porque privilegiou-se o visual e tirou-se a emoção da festa, a comunidade minguou, o povão ficou de fora, o Presidente trocou o sambaço pelo samba bom que ia tirar a mesma nota 10 para se beneficiar financeira ou politicamente… Quem acompanhava Carnaval uma semana por ano se afastou pelo que eu disse no parágrafo acima, quem gosta e não larga o Carnaval de jeito nenhum, ficou chateado porque “o samba sambou”.
O Carnaval tem um desafio difícil. De fato não é fácil se modernizar sem abandonar as raízes, ainda mais quando muitas delas repousam em opostos quase que extremos à modernidade e a monetarização do Mundo. Mas essa necessidade é reflexo da sociedade de hoje. Quem vai consumir quer estrutura. Não quer ir a uma quadra que nem laudo do Corpo de Bombeiros consegue. Quer conforto, não quer morrer de calor, ficar imprensado em meio a uma multidão ou coisas do tipo. Olha o que fizeram com o Maracanã!!!
Além do mais, a gestão dos desfiles em si tem que melhorar, tanto nas escolas quanto na Liesa, que tem pensamentos muito pequenos. A Liesa poderia, por exemplo, impor certas condições para a Globo, como por exemplo ter todos os desfiles exibidos ao vivo, mas não o faz por medo. Julga-se pequena demais para tal. As escolas, por sua vez, precisam se profissionalizar completamente. A situação já melhorou muito, ainda mais depois da chegada da Cidade do Samba, mas os profissionais precisam ser bem pagos. Não conheço a realidade das escolas do Rio, logo não afirmo nada, mas acredito que as pessoas que viram noites e noites em barracões nem sempre recebem o que merecem. E sei que, se isso não acontece, não é por má vontade da escola, mas sim por falta de recursos. Não tem dinheiro. E não tem porque a gestão não é como deveria ser.
E ressalte-se que uma gestão ideal não se alcança com alguém injetando um caminhão de dinheiro na escola. Isso é, de fato, ótimo. As escolas que sabem o que fazer com todo esse dinheiro têm ótimos resultados e atingem todos os objetivos citados nesse texto, mas não é por aí o caminho porque se um dia essa ou essas pessoas não quiserem ou não puderem mais investir, a agremiação passará por maus bocados. Uma escola tem que ter um bom potencial financeiro pelo que ela própria gera, não por pessoa A, empresa B, ou o que quer que seja. E que fique claro que não estou culpando ou criticando esse A ou esse B, não. Melhor ter alguém que injete esse dinheiro do que não ter.
O sucesso da escola pode – e deve – vir por conta de um Presidente, mas não pelo dinheiro que ele coloca, mas sim pelo que ele faz com ele. Comparando com o futebol, é a diferença entre um clube europeu que surgiu do nada por conta dos dólares de um árabe qualquer e montou um supertime (e que em breve voltará ao limbo) e um grande clube com uma marca que se sustenta, se valoriza e, por isso, está sempre brigando por títulos. Infelizmente, o segundo caso ainda é raro no Carnaval.
E não para por aí: eu não conheço nenhum meio onde críticas sejam tão mal recebidas quanto no Carnaval. Compositores, carnavalescos, Presidentes, enfim, quase todos os profissionais envolvidos não aceitam serem críticos. Por que? Porque não se valorizam. Como eu já disse aqui, eu canso de ver gente do Carnaval criticando jogadores, técnicos e dirigentes dos seus clubes de maneira natural, quase sem perceber. Mas quando são criticados, não aceitam. Porque o jogador de futebol é algo superior, ele é só um cara que faz uns sambas aí – e assim as críticas são levadas para o lado pessoal ou muitas vezes desprezadas porque “só sabe quem faz”. Não, não é! Ele é um poeta que compõe o gênero musical mais difícil de ser composto, visto que a liberdade é mínima (ele está preso à sinopse) e ele tem de enfrentar um concurso para que sua música “exista”.
O técnico é algo grandioso, o carnavalesco é um cara que ninguém reconhece na rua. Não, não é! Ele é um artista que mergulha em pesquisa para desenvolver uma história com começo, meio e fim e que vai influenciar em todos os quesitos e, portanto, tem que pensar em todos eles. Esse pensamento, essa reação negativa às críticas afasta parte da pouca mídia que existe.
Essa soma de fatores afastou a grande mídia do Carnaval. Sobraram bravos guerreiros que fazem um trabalho excelente por um retorno – midiático e financeiro – mínimo. Muitos desses 20 pontos de audiência dos desfiles talvez nem acessem o Carnavalesco porque não sabem da existência, não sintonizam na Rádio Arquibancada na final de samba-enredo da sua escola porque nem sabem que ela será naquele dia… [2]
O resultado é que são poucos os profissionais da imprensa que conseguem, mesmo fazendo uma cobertura excelente, se sustentar única e exclusivamente do Carnaval. Diga-se de passagem, as próprias assessorias de imprensa e os departamentos de comunicação das escolas, salvo exceções que estão se tornando maiores, faça-se justiça, são “Um Morto Muito Louco”. Tem conta de Twitter e Fanpage de Facebook que está às moscas, tem site que ainda está chamando o componente pra desfilar no Carnaval de 2012. Não pode.
A situação está melhorando. Já temos no Grupo Especial do Rio pelo menos três exemplos do que eu chamei de “gestão ideal” – Portela, Tijuca e Salgueiro – que, com seus defeitos, estão muito próximas do ideal. Em São Paulo – onde, para não passar em branco, temos, em geral, os mesmos problemas em maior intensidade e mais alguns, mas aí já precisaria de outro texto -, temos a Mocidade Alegre com aquela que, para mim, é a melhor gestão de uma escola de samba do Brasil, além de outras como Rosas de Ouro e Dragões da Real, que também são exemplares.
No fundo, o que mais me alegra é ver que os debates estão acontecendo, as partes interessadas estão expondo suas necessidades e a tendência é que as coisas melhorem. Para usar as expressões da moda, o Carnaval é um gigante que passou por muito tempo adormecido, julgando-se muito menor do que é e que, felizmente, acordou. É um processo lento, difícil, onde ainda vai se errar muito e é bom que seja assim.
As raízes do samba, essas que nunca devem ser abandonadas, envolvem dificuldades, sofrimento, aprendizado, luta, muita luta, mas, principalmente, muita vontade. Com essa vontade, essa disposição e a competência única de todos os que trabalham na área, eles próprios estarão, todo dia, na tela da TV, no meio desse povo. Eles são bons demais para merecerem menos que isso.
[N.do.E.1: já ouvi de fontes da emissora que a transmissão dos desfiles é deficitária. PM]
[N.do.E.2: vale lembrar que a cobertura de carnaval desta revista eletrônica, mesmo sem ser especializada, é a que atrai o maior número de leitores dos assuntos tratados nesta revista eletrônica. PM]
Imagens: EBC e Arquivo Pessoal do Editor
Oi, Leonardo.
Não sei se é verdade ou se era só gabolice, mas o Paulo Stein, num seminário sobre o Pamplona (https://www.youtube.com/watch?v=zmAxQ3alY9I), diz lá pelas tantas, que a falência da Manchete foi retardada, em grande parte, pelas cotas de transmissão do carnaval. (Infelizmente, eu não lembro em qual trecho do vídeo)
Tem também aquelas conversas não oficiais de que as cotas giram em torno dos R$ 500 Milhões. Confesso não saber se isso é algo fantasioso ou se tem fundamento. Talvez (e um talvez do tamanho do mundo) se existe tal retorno financeiro, não está havendo o devido retorno midiático.
Mas, independentemente da questão monetária, há uma preguiça da Globo na questão de transmissão e divulgação que não se justifica (penso eu). Digo isso, por ter acompanhado as reportagens feitas pelo Viva, que sendo da mesma empresa, conseguiu fazer algo mais interessante (que a Globo), apontando para aspectos culturais que mostravam valer a pena assistir ou participar dos desfiles do Acesso de São Paulo.
Eu concordo veementemente que a auto estima do artista do carnaval não é das melhores. Aliás, como você bem disse, boa parte não se reconhece artista. O que já é um grande absurdo.
Abraço!
João, não posso entrar em detalhes, mas o que a Globo paga às escolas, somado, não é nem 10% deste valor que você cita, longe disso. As cotas de patrocínio que as empresas pagam à Globo para o carnaval giram em torno de 15 milhões cada uma.
abraços
Então, valeu pelo esclarecimento.
É tanta informação truncada que a gente não sabe em que se basear.
Em termos de informação (de qualquer natureza), as escolas de samba são uma espécie de caixa preta (acho que foi você que disse isso).
Abraços!
Se a transmissão dos desfiles é deficitária, então porque todas as cotas de patrocínio, mesmo sendo de R$ 15 milhões cada, são vendidas para praticamente os mesmos anunciantes, todos os anos?
Danke! Das ist schön auf den Punkt gebracht und mir aus dem Herzen geschrieben !
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