Estão começando as disputas de samba para os Grupos Especial e Acesso A do Rio de Janeiro. Estes grupos, que desfilam na Sapucaí, tem prazos relativamente apertados para definirem os sambas vencedores e que serão representantes oficiais das agremiações, por causa da data limite para a gravação do CD dos dois grupos. O Grupo de Acesso tem de escolher todos os seus sambas até 30 de setembro e o Especial, 20 de outubro.

Não comentarei os concorrentes do Grupo Especial dada a posição que ocupo na diretoria da Portela, mas colocarei aqui alguns concorrentes do Grupo de Acesso que me agradaram bastante neste início de disputa. Nem todos são favoritos em suas escolas, como o leitor verá, mas são composições dignas de tornar de alta qualidade a safra de sambas do Grupo de Aceso para 2015.

Note também o leitor que o samba em suas apresentações durante a disputa, na quadra, pode se apresentar de forma totalmente diferente em relação à gravação do CD disponibilizada. Até porque sabemos que o poder financeiro influencia até mesmo na gravação para a disputa, que chega à internet.

Isto posto, coloco aqui quatro sambas, de quatro escolas diferentes, que me conquistaram de imediato.

Começamos com o concorrente assinado pelo veterano intérprete Dominguinhos do Estácio, na escola de mesmo nome. A Estácio de Sá, auto-referenciada como a “escola de samba mais antiga do Brasil” – denominação que é complicada, mas é tema para outro post – será a única escola do Grupo de Acesso a falar sobre os 450 anos do Rio de Janeiro. A sinopse optou pelo caminho de mostrar o Rio a partir do ponto de vista do morro de São Carlos, sede da agremiação, citando também Luis Melodia e Gonzaguinha, famosos cantores e compositores criados no morro.

O samba (cujo áudio está no alto do post) tem uma letra até simples, mas que toca fundo não somente no torcedor da escola como no amante do samba de enredo. A “cabeça” do samba é de uma simplicidade tocante, mas que apela no coração de quem está não só desfilando como quem acompanha o meio:

“Eu sei que você me conhece
meu nome é Estácio de Sá”

Soa como um apelo no sentido de que “não me esqueça, estou no Acesso, mas sou Especial”. A segunda parte do samba também é de emocionar, a ponto de ter deixado marejados os olhos deste escriba. A disputa na escola é complicada dadas as fortes parcerias capitaneadas pelo famoso Dudu Nobre e por Wilsinho Paz, mas sua vitória não pode ser descartada.

O segundo samba destacado é de uma parceria que não tem nomes conhecidos, tem um intérprete que não é considerado como de “ponta” do carnaval carioca, mas ainda assim leva um samba de muita força. É a parceria capitaneada por Zezinho Professor no Império da Tijuca, cujo enredo fará uma homenagem ao orixá Oxum, a “Rainha das Águas Doces”.

Em uma safra com alguns bons sambas – em especial um dos favoritos, da parceria do grande Samir Trindade – este mostra uma força em letra e melodia que não pode ser desconsiderada. Seu destaque é o refrão principal, que utiliza a expressão dos cultos afro brasileiros “dobre o rum” – que significa tocar os atabaques com mais força dada a importância de quem está visitando o terreiro. No caso, a imagem utilizada é que a Império da Tijuca e sua comunidade – que baseia-se no Morro da Formiga, entre a Tijuca e a Usina – são tão importantes que merecem que seja dobrado o rum:

“Eu vim de lá da cachoeira
Sou da Formiga, dobre o rum
Vou com o Império da Tijuca
Nas águas doces de Oxum”
 

A segunda parte também tem uma melodia que se destaca. Não sei até que ponto irá no concurso da agremiação porque a gente sabe que, infelizmente, estrutura e nome contam muito, mas é uma ótima composição de uma boa safra.

E os caras acertaram a mão de novo!

Obviamente, estou me referindo à parceria vencedora na Acadêmicos do Cubango em 2014, que foi alvo de post ainda na disputa naquela oportunidade e, que, indo à Sapucaí, conquistou o Estandarte de Ouro de melhor samba do Grupo de Acesso. O enredo da agremiação niteroiense novamente enfoca a África, mas sob uma perspectiva diferente: ao final, o bairro onde fica a agremiação é retratado como um quilombo africano, pousio de exilados do continente negro.

O samba segue a linha de 2014, obtendo sucesso em continuar a dinastia. Como em 2014, não tem muito a “cara” de Lequinho, como em outras composições assinadas pelo compositor na Mangueira e em outras escolas. Toda a composição mantém o alto nível, sem destacar esta ou aquela parte.

Sendo o atual campeão, é de se esperar que tenha uma possibilidade grande de chegar à avenida, apesar do bom samba do compositor (olha ele aí de novo) Samir Trindade.

Finalizando este post, aquele que talvez seja a maior “barbada” neste post: a composição assinada pelo consagrado Arlindo Cruz no Império Serrano. O samba não é do mesmo nível do que foi para a Sapucaí em 2006, com enredo de temática semelhante – a Fé do brasileiro – mas em uma safra fraquíssima sobra e sobra muito, embora não seja o samba de antologia que alguns imperianos opinaram quando de sua revelação.

Me incomoda um pouco, apenas, a expressão “barriga vazia”, utilizada para se referir aos retirantes nordestinos no refrão do meio. Sabe-se que a fome é algo praticamente superado no Nordeste nos últimos anos, e a visão transmitida pelo samba refere-se a uma realidade que não existe atualmente em larga escala.

Ainda assim, é um belo samba, e talvez seja aquele que tenha a maior chance de vencer a disputa, seja pelos nomes dos autores, seja pela safra em si. O Império Serrano atravessa grave crise política, tem uma posição de desfile desfavorável – a pior que foi para sorteio – e a esperança é que um belo samba possa superar todos estes problemas.

Estes quatro sambas, escolhidos, mais as encomendas a Cláudio Russo para Renascer e Inocentes – certeza de bons sambas – dariam ao Grupo de Acesso do Rio de Janeiro para 2015 uma ótima safra, encorajando o amante do carnaval a ir à avenida nas noites de 13 e 14 de fevereiro de 2015.

Finalizando, como nem todos os leitores conseguem ver os vídeos em seus lugares de trabalho, disponibilizo uma playlist com os quatro sambas para audição, além de alguns outros que não cito aqui, mas que merecem uma audição atenta – como os citados das parcerias do compositor Samir Trindade.

E que venha o carnaval!

4 Replies to “Seleção Recomendada – Concorrentes do Acesso 2015”

    1. Informação que chega é que Samir – que caiu na primeira rodada na Cubango – também não é o favorito no Império da Tijuca. O samba da Cubango destacado venceu a disputa na final da última segunda feira.

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