Ontem tivemos a abertura da quarta semana de disputa da NFL, a liga profissional de futebol americano. O New York Giants, time para qual torço – como o leitor já deve ter percebido – venceu o Washington por 45-14 e seguiu sua recuperação na temporada.
Entre outros destaques na ótima atuação do time na noite de ontem, merece destaque a prestação oferecida pelo quarterback Eli Manning: 4 passes para touchdown (a pontuação máxima do jogo) e um insólito touchdown terrestre, correndo com a bola. Teve computada uma interceptação (quando jogador de outro time recebe o passe) mas em marcação muito contestada da arbitragem: na prática foi um touchdown.
O quarterback já havia tido uma atuação bastante sólida no domingo passado, contra o Houston Texans, sendo decisivo para a primeira vitória da temporada (30-17). Mas ontem teve atuação de gala.
Mas o assunto deste post não é a NFL, nem o New York Giants, nem Eli Manning – ao menos diretamente. O tema é a capacidade que as pessoas tem de fazer julgamentos precipitados, não somente em termos esportivos como na vida.
Manning vem de uma temporada de 2013, indiscutivelmente, ruim. Lançou muitas interceptações, poucos touchdowns e a equipe acabou por mais um ano fora da fase decisiva do campeonato, apesar de uma segunda metade de temporada razoável. Os jogadores de ataque que o deviam proteger não o faziam e isso gerava um efeito em cascata, entre outras minúcias táticas que não cabe neste momento.
Para a nova temporada, a equipe azul, branca e vermelha trocou seu coordenador ofensivo, espécie de “técnico auxiliar” da equipe. Com isso, todo um novo repertório de jogadas teve de ser treinado, e isso leva tempo de aprendizado. Além disso, significava uma mudança radical da maneira de jogar de Manning, que está desde 2004 na NFL e sempre com o mesmo coordenador, o anterior.
Ou seja: leva tempo não somente para se aprender este novo sistema como para recuperar a confiança em seu jogo.
E isso se viu na pré temporada e nas duas primeiras partidas do campeonato em si: o quarterback visivelmente pouco à vontade com o novo esquema. Complementando, seu reserva, o jovem Ryan Nassib, durante os jogos preparatórios se mostrou bem mais adaptado ao sistema.
Foi o bastante para o mundo cair em cima de Eli Manning: tanto a imprensa local, como parte da torcida, como o mundo da NFL retomaram uma sinfonia de pesadas críticas. Inclusive alguns analistas questionavam sua renovação de contrato ao final desta temporada, quando seu atual compromisso com a equipe chega ao final. Outros clamavam pela sua imediata substituição por Nassib.
O julgamento era definitivo: “está acabado”.
Vale lembrar que Manning tem dois títulos do SuperBowl, ambos sendo considerado o MVP (melhor jogador) da partida e em ambos comandando viradas espetaculares ao “apagar das luzes”. Dos demais quarterbacks em atividade hoje, apenas o badalado Tom Brady (derrotado por Manning nas duas finais) e Ben Roethlisberger também tem duas conquistas – Brady, na realidade, tem três.
Não havia a avaliação de que poderia ser apenas uma má fase decorrente do momento de reconstrução que a equipe vive. Está acabado e pronto.
Utilizo o exemplo do quarterback para mostrar um fenômeno que encontramos em nossas vidas cotidianas: os julgamentos apressados ou com premissas incorretas. Neste mundo tecnológico, o que vale é sempre ter uma opinião sobre tudo ou sobre todos, ainda que não se tenha domínio da situação.
Cada vez se processam os fatos mais rápidos e cada vez mais as avaliações são feitas de forma apressada. A margem de erro é cada vez menor e o cutelo é ágil: errou, está fora. Não há paciência para a necessária maturação, tudo é rápido e imediato.
Obviamente, é uma consequência desta sociedade cada dia mais “fast food” em que vivemos. Tudo é para consumo rápido, tudo está em julgamento constante e imediato e não há a necessária maturação. A internet, que deveria democratizar o acesso à informação – e muitas vezes o faz – por outro lado acaba gerando um comportamento que classificaria como “manada”, o que muitas vezes é bastante prejudicial.
Somando-se a esta tendência de julgamentos instantâneos e vereditos incisivos, vivemos em um tempo onde a discordância de opiniões e avaliações, decididamente, não é aceita. Como escrevi semana passada, “adicionalmente, ao contrário do que os teóricos esperavam, a internet democratizou sim o acesso à informação, mas não contribuiu para a disseminação do necessário contraditório. Como reflexo da sociedade, somente aumentou a intolerância. A frase atribuída a Voltaire de que ‘Eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo’ está infelizmente anacrônica em nosso dia a dia. O que vale é impor o seu posicionamento.”
Lógico que temos um aspecto mercadológico envolvido: decretar que “Eli Manning está acabado” ou que “Vanderlei Luxemburgo não serve mais para o futebol” – apenas para ficar em dois exemplos recentes – gera todo um fluxo de opiniões que impulsiona uma indústria de informação e entretenimento adjacentes.
Parêntese: a imprensa esportiva americana, especialmente a nova iorquina, é tão ou mais “corneteira” que a brasileira. Fecha o parêntese.
Na nossa vida cotidiana mesmo muitas vezes incorremos em julgamentos apressados: quantas vezes descartamos situações ou pessoas por não termos paciência para esperar ou então não levar em conta todos os fatores envolvidos?
A sociedade, hoje, não aceita a paciência. Nós não temos paciência. Nós não nos colocamos no lugar dos outros e não tentamos entender os motivos pelos quais momentos A ou B estão acontecendo. Preferimos julgar sob o peso de nossas certezas incertas e, especialmente, sob o peso de nossos preconceitos ou comparações. Não esperamos o desenrolar natural das coisas – afinal de contas, tudo tem seu tempo.
Esta é a reflexão que penso necessária.
Voltando ao caso de Eli Manning, não sabemos se os Giants irão à pós temporada este ano – o time ainda tem algumas deficiências, além de uma tabela complicada. Mas já se sabe que o quarterback ainda tem ‘lenha para queimar’ e, quem sabe, liderar a equipe rumo a mais uma conquista nos anos vindouros. Ressalte-se, também, que a franquia nova iorquina tem este histórico de paciência e de pensar a médio/longo prazos – eu mesmo já teria mandado para casa o técnico Tom Coughlin há algum tempo, ou seja, também não estou impune a este fenômeno…
Por enquanto, o que fica é que devemos ter paciência e analisar todas as variáveis envolvidas antes de efetuar quaisquer julgamentos.
Paciência. Esta é a palavra chave.
P.S. – o jogo de ontem contou com um insólito touchdown de Eli Manning correndo com a bola, à moda de um “running back”. É caso de mandar a defesa adversária inteira para um “gulag”…
P.S.2 – para saber mais sobre Eli Manning, aqui.
Imagens: Giants.com/AFP/Getty Imagens