Desde o ano de 2010, o dia 20 de novembro é considerado feriado no Estado do Amazonas. Nesta data celebra-se o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. O incauto leitor poderia indagar a razão de se declarar feriado na supracitada data em um Estado cuja presença negra seria ínfima e irrelevante. Este, a propósito, foi o discurso oficial durante décadas e que, ainda hoje, é reproduzido por muitas autoridades do Estado.
Com base nesta falácia, por exemplo, o então Reitor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Senhor Lourenço Braga, justificou, em 2004, a não adoção da política de cotas para negros na instituição, in verbis: “A universidade não enfrentou a questão dos negros porque eles se constituem uma minoria bastante pequena na região. A minoria mais significativa na região é de índios”.
Em contraposição ao discurso de negação ou diminuição da presença negra no Amazonas, a Academia tem se debruçado sobre o tema e, a cada ano, cresce o número de trabalhos que versam sobre a influência e a participação dos negros na cultura, na política e na formação étnica dos amazonenses. Todavia, antes de a temática ganhar força na intelectualidade amazonense, as escolas de samba de Manaus já enalteciam a cultura negra em seus enredos e sambas.
Com efeito, as escolas de samba desempenharam importante papel ao alçarem os negros à condição de protagonistas desta grande festa popular. Ainda na década de 1980, duas das mais importantes agremiações da cidade conquistaram seus primeiros títulos ao homenagearem grandes lideranças femininas negras, quais sejam, Joana Galante e Mãe Zulmira.
Aquela fora das mais afamadas mães-de-santo de Manaus e é considerada uma das fundadoras do tradicional bairro de São Jorge, ao passo que esta chefiou por mais de 50 anos um dos mais antigos batuques da cidade, a Casa Matriz dos Candomblés de Manaus. Esta localiza-se no Bairro do Morro da Liberdade, cuja fundação remonta a aproximadamente 1899, quando Joana Maria da Conceição, ou simplesmente Joana Gama, migrou do Maranhão para o Amazonas.
As vitórias das escolas de samba Sem Compromisso, em 1986, e Reino Unido da Liberdade, em 1989, são emblemáticas e demonstram sobremaneira a relevância da presença negra no Estado. Ademais, corroboram a importância destes grêmios recreativos não somente para suas comunidades, mas, especialmente, como instituições culturais, que propõem-se a dar voz a grupos historicamente silenciados e excluídos dos livros didáticos e da historiografia oficial.
Além destes dois grandes enredos, outros mais tiveram como temática a presença negra no Amazonas. Outrossim, é importante destacar que a tradicional e popular escola de samba Vitória-Régia está sediada no Bairro da Praça 14, local que abrigou, desde o princípio, inúmeros migrantes maranhenses de pele negra e que lá passaram a celebrar festas como o bumba-meu-boi, samba e o culto a São Benedito.
É ainda neste bairro que situa-se a Comunidade do Barranco, certificada recentemente pela Fundação Cultural Palmares como remanescente de quilombo.
Nessa esteira, nota-se que o discurso oficial teve por intuito desqualificar a influência dos negros no Amazonas. Entretanto, as escolas de samba, por meio de seus enredos, desconstruíram essa falácia ainda nos anos de 1980, atuando como vanguarda nos estudos sobre a presença negra no Estado.
Para ouvir:
Mãe Zulmira – o amanhecer de uma raça – Reino Unido da Liberdade – 1989
Fontes:
GABRIEL, Chester. Comunicações dos espíritos – Umbanda, cultos regionais em Manaus e a dinâmica do transe mediúnico. São Paulo: Loyola, 1985.
SALES, Daniel. É tempo de sambar. História do Carnaval de Manaus com ênfase às Escolas de Samba. 1ª edição. Manaus: Editora Nortemania,2008.
http://www.brasil.gov.br/governo/2014/11/mais-de-mil-cidades-tem-feriado-no-dia-da-consciencia-negra
http://www.jcam.com.br/notImprimir.asp?IdNot=35933
http://acritica.uol.com.br/manaus/Comunidade-quilombola-Praca-Manaus-orgulho_0_1252074785.html
http://www.blogmarcossantos.com.br/2014/01/20/aniversario-bairro-praca-14-de-janeiro/