O mundo do Direito é aquele em que discussões têm aplicações práticas, e argumentos ganham vida para se concretizar numa sentença. Um pequeno texto, numa canetada, pode mudar o rumo de várias vidas. Seja no que diz respeito à liberdade, no campo criminal, ou a questões financeiras, familiares, etc, etc. A responsabilidade é enorme, pois são seres humanos envolvidos em todos os lados. Inclusive aqueles que decidem toda essa confusão, os juízes.
Apesar de parecer elementar ao mais caro Watson que andar pelas esquinas de nossas ruas, não são todos os juízes que sabem se situar no plano dos meros morais. Aliás, são muitos os que não se consideram assim. Volta e meia se esquecem de que o fato de serem juízes não o eximem de eventualmente se tornarem réus. Será que esses em especial sempre foram assim?
Um termo muito comum entre os advogados é o da “juizite”. Nada mais é quando um magistrado, sem qualquer motivo ou razão aparente, dá ataques de grosserias, indelicadezas e abusam de um poder que, num país tão corruptível como o nosso, deveria se limitar ao seu local de trabalho, mas está longe disso.
Como pudemos ver nas últimas semanas, o caso envolvendo um juiz (ao lado) e uma agente da Lei Seca (foto ao alto) foi emblemático. Não só pela tentativa infrutífera da “carteirada”, como também pelo corporativismo da classe ao condenar a moça que estava cumprindo seu dever a indenizar por danos morais o cidadão. Uma inversão de valores que expõe, na maneira mais crua, as mazelas do Poder Judiciário. O poder de quem julga e de quem, hoje em dia, até legisla, se formos considerar o que vem fazendo o Supremo Tribunal Federal.
Como vocês sabem (está no meu perfil desse blog), sou advogado. Na prática, não mais. Mas atuei por alguns anos após me formar. Tive escritório, vivenciei vários casos. Encontrei juízes bons, juízes negligentes com a sua função, juízes rígidos e juízes absolutamente grosseiros. A ponto de, certa vez, eu presenciar a seguinte fala para o advogado do Réu, um plano de saúde: “Doutor, esse tipo de defesa eu já li milhares de vezes. É modelo, seu cliente sempre alega a mesma coisa. Sabe o que eu vou fazer com isso assim que terminar aqui? Amassar e jogar no lixo?”. Sim, exatamente. Por sorte minha e do meu cliente, eu estava pelo Autor. Apenas observei. O advogado, na ocasião, provavelmente temendo ser enquadrado como desacato à autoridade, manteve-se quieto.
Porque é isso que acontece se você questionar: cadeia.
Por outro lado, há um claro movimento que tem mudado o rumo dessa “passada na mão” da cabeça de juízes que abusam do exercício do seu poder. O principal deles é o Conselho Nacional de Justiça. Salvo alguns defeitos aqui ou ali, o CNJ, com uma composição que mescla juízes, advogados, membros do Ministério Público e cidadãos “de notável saber jurídico”, tem tomado atitudes bem louváveis como “corregedor” do Poder Judiciário. Inclusive, o caso da agente da Lei Seca já está sendo alvo de análise por parte dele. Mas dessa vez o analisado é o juiz envolvido. Vamos aguardar o desenrolar disso.
Sempre bom pontuar que, apesar da piada com a “juizite”, há magistrados que honram a toga. São vários deles que merecem as homenagens pelos serviços prestados. Tive o prazer, inclusive, de estagiar no gabinete de uma desembargadora (pra quem não sabe, desembargador é o juiz que decide os recursos), Dra Salete Maccaloz (ao lado), hoje corregedora do TRF do Rio de Janeiro.
Nunca vou me esquecer da sua simplicidade no trato com as pessoas. Atendendo sempre os advogados com as portas abertas. Até os estagiários (!!!) ela tratava bem, Certa vez, fui tirar uma dúvida técnica com a sua chefe de gabinete, mas esta tinha saído. Fui recebido pela própria doutora, que me deu uma aula de mais de uma hora, com direito a cafezinho e tudo. Gestos simples, mas que marcam.
Com toda essa discussão sobre as condutas de juízes em relação à população a quem eles servem, é bom sempre lembrar de gestos como os que tive em meu estágio. Até porque muito desse temor por parte da sociedade não passa também de um tratamento histórico exacerbado a doutores. Nem sempre é assim. É importante todos nós percebermos que, invariavelmente, por trás da toga e do martelo, existe gente feita de carne e osso.
Que nem eu, você, o seu Zé e o Papa.
Imagens: Estadão, O Globo e OAB;
Perfeito texto. Infelizmente a maioria é assim mesmo, se acham acima do bem e do mal!