2014 foi um ano tenso.

Houve tensão política, com a radicalização cada vez mais agressiva dos polos que disputam o poder no Brasil e no mundo. Mesmo em nações de cultura política bem mais avançada que a nossa, os radicais, os xenófobos e os niilistas têm dado o tom. Será surpresa se nenhum grupo delirante chegar ao poder na Europa Ocidental ainda nesta década. Em países como o Egito, a Primavera Árabe terminou com o país do jeito que estava antes de começar: ditadura militar e opositores na cadeia.

Não precisamos (ou, melhor dizendo, não desejamos) lembrar como foi nosso “debate” eleitoral. Mas vale pontuar que o clima áspero levou os contendores às raias do absurdo. Vimos, de um lado, a esquerda desejar que a crise hídrica em São Paulo degringolasse, e, de outro, a direita rezar pelo fracasso da pesquisa de Miguel Nicolelis que pretende fazer os paraplégicos voltar a andar.

31jan2014-solo-seco-e-rachado-e-visto-da-represa-jaguari-que-integra-o-sistema-da-cantareira-principal-provedor-de-agua-de-sao-paulo-nesta-sexta-feira-31-1391206750602_956x500O que levou pessoas sãs a torcer para que faltasse água em suas próprias casas? Uma derrota de Alckmin compensaria? O que levou pessoas boas a querer que a ciência não avançasse no alívio do sofrimento humano? O medo de que o governo federal tentasse capitalizar o feito justificava?

Houve tensão econômica, com a inflação soluçando e o PIB claudicando no Brasil. No resto do planeta, nada muito diferente. As principais economias da América Latina seguem no mesmo passo, o ritmo do crescimento da economia chinesa continua desacelerando e os países do sul da Europa não tiram o pescoço da lama.

Houve tensão internacional, com revolução e invasão na Ucrânia, o que azedou os Jogos Olímpicos de Inverno e as relações entre EUA, UE e Rússia, cujo poderio geopolítico tem sido absurdamente exagerado; e cabeças decepadas no Oriente Médio, onde o medonho “Estado Islâmico” implantou um regime de terror absoluto e obteve adesões improváveis de jovens criados no Ocidente.

Houve tensão nas ruas, com os fantasmas dos protestos de 2013 renovados de forma apocalíptica pelos black blocs e pelos sem-teto. A Venezuela em crise ressoou o Brasil do ano passado, e na rica Hong Kong jovens pediram democracia. A onda de protestos varre o mundo há quatro anos e não há sinais de que vá arrefecer. O que torna a situação ainda mais tensa é que ninguém consegue prever onde será o próximo embate. África? Austrália? Caribe? Quais são as apostas para 2015?

Houve tensão antes da Copa do Mundo, com os brasileiros esperando até a última hora que o torneio fosse um fracasso de organização e repleto de tumultos incontroláveis. Também houve tensão depois da Copa do Mundo, com uma caça às bruxas culpadas pelo vexame do 7×1. E houve – isto já se podia prever – tensão entre brasileiros e argentinos nos estádios: foi o de menos.

direitaHouve tensão até no debate de um assunto que já passou da hora de ser consenso: a ditadura militar de 64-85. O marco de 50 anos do golpe levou O Globo a fazer um mea culpa de seu apoio institucional, mas nem isto convenceu as viúvas do regime, entre as quais agora há jovens que nem eram nascidos quando os militares foram escorraçados do poder. Esta turma está cada vez mais disposta a defender uma ditadura que, além de tudo, legou ao Brasil a maior dívida externa e uma das três maiores taxas de inflação do planeta. Tensão em abril, revivida em dezembro, com a apresentação do relatório da CNV.

Este clima tenso conduz não só à barbárie, mas ao aplauso da barbárie. Permite a um parlamentar sugerir o estupro de uma colega em pleno Congresso Nacional e ser defendido com unhas e dentes pelos que se sentem representados por ele. Permite a uma gangue de “justiceiros” espancar um menor acorrentado nu a um poste no Rio de Janeiro e ser elogiada em rede nacional de televisão.

Por outro lado, será que a tensão tem potencial para mexer com as estruturas da sociedade e fazê-la evoluir? Pode até ser, mas como lembramos acima, os resultados em regiões como Europa e Oriente Médio não têm sido animadores. Climas tensos são terreno fértil para extremistas. O ponto é que nenhuma sociedade consegue viver sob tensão por muito tempo. Termina-se por sacrificar qualquer coisa em prol de alguma estabilidade.

Então, o que desejo em 2015 é: distensão para todos! Sinceramente, a esperança estava próxima de zero, mas, após o acordo dos EUA com Cuba, quem sabe o clima não se espalha? Feliz ano novo!

One Reply to “Retrospectiva Ouro de Tolo: Um Ano Tenso”

  1. Realmente o mundo se tornou um caldeirão de insensatez. Torcendo por um Planeta menos complicado em 2015. Parabéns pelo texto!

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