Hoje sentei na mesa disposto a escrever. Pus um Chico pra tocar, fiz um café, ainda não almocei. O calor de Salvador, ainda que seja de verão, não incomoda como o costumeiro de Cuiabá. Meu irmão, que veio da Alemanha passar as férias por aqui, conta que na cidade onde ele faz o doutorado, Jena, faz -6 graus.
Com ele e amigas próximas, tenho trocado tantas ideias a respeito daquilo que eu mais gostaria de escrever: sobre política atual brasileira, o papel da educação como ação transformadora, a nova e velha mpb, a vanguarda paulistana. Tudo isso e mais um pouco, misturado com o ótimo e péssimo humor que estamos vendo por aí… Lógico, sem faltar com a dose bem grande de procrastinação, ainda que estruturada, mas atabalhoada.

Tenho esse defeito grande. Não sou um escritor profissional, não sou jornalista. Mas me meti a escrever para esse blog, cada vez melhor de reputação, sobretudo no que tange aos colunistas. Mas tenho discutido tanta coisa, tanta coisa, com tanta gente que, tem mais me afligindo do que me deixado animado, com os rumos que o mundo ao redor tem dado.
Adam Schaff tem a seguinte afirmação: historiador é contemporâneo de seu época. Logo, eu, como historiador, que estudou o período das ações repressivas do Terrorismo de Estado de Segurança Nacional, durante os anos 60 a 80 na América do Sul, me preocupo muito em perceber, cada vez mais, que nossas ações são instantâneas e, ao mesmo tempo voláteis. Elas passam tão rápido, as vezes sem qualquer interferência na nossa realidade.
Vejo os povos indígenas sendo exterminados pela política do agronegócio, adotada pelo governo petista atual. Ao mesmo tempo, não vejo a sociedade se movimentar contra isso. E eu não consigo enxergar alguma solução plausível, que mude esse retrospecto. Me sinto engolido por uma sociedade que pratica um autoritarismo não tão sutil e silencioso assim. Excludente, desigual que mata insolentemente. Que se rende facilmente aos padrões de consumo e comportamentos mesquinhos, virtualmente virilizados, vide os tais selfies, uma aberração para Sebastião Salgado e Fernando Montenegro. E para mim também. Afinal, onde é que queremos chegar com tudo isso?
Verbos antes nunca conjugados por nossa massa, agora vem à tona: ostentar, (ostentar o quê, cara-pálida?). Há, sem dúvida, uma mudança drástica no comportamento social e cultural de nossa gente, devido ao acesso ao consumo de uma parcela muito grande, que jamais teve essa oportunidade. Mas o que vai acontecer quando avisarem a essa maioria que essa farra vai ter que acabar?

O grande problema do acesso ao consumo sem constituição de cidadania é o surgimento da coisa mais reacionária possível: classe média baixa, o baixo clero, por assim dizer. Aquela desprovida de formação educacional relevante, crítica, mas com alto índice de individualismo. A competição entre os meros “reles” que consomem por prestação TV led, celular geração 6, hometheater e outras indumentárias de conforto imediato farão muita gente se digladiar por um pedacinho no sol. Enquanto isso, mais uma índia kaiowa ou bororo é morta atropelada em Mato Grosso do Sul.
Estamos nos engalfinhando por migalhas. Nos sentimos “patrões”, mesmo tendo que tomar um ônibus para trabalhar. Reclamamos do aumento da gasolina, nos sentimos em uma eterna disputa nas ruas, onde a fase final é passar por cima de qualquer ciclista ou pedestre, não permitindo que ninguém tome seu lugar, ali na frente, no engarrafamento citadino cotidiano nosso de cada dia. E isso não é mais exclusividade de grandes metrópoles, tais como São Paulo ou Rio de Janeiro. Estamos falando de cidades de porte médio, uma Cuiabá ou Ribeirão, por exemplo. A ditadura do carro é tão presente, tão cotidiana que, parece que faz parte do nosso corpo. Algo sagrado.

E a ditadura do consumo, a mais perversa de todas as ditaduras, segundo Milton Santos, vai nos tornando mais e mais complacentes com as ditas modernizações excludentes. É no estádio (já falei da frustração de ver o novo Maracanã nesse blog), é nas ruas, e nas moradias (que Kassab não leia isso), no acesso à educação (mesmo com um monte de Pronatec, que nada mais é do que aperfeiçoamento de porcas para a engrenagem do sistema capitalista).
Mas nem tudo está perdido. Ainda que me soe paliativo, vemos demandas das ciclovias sendo atendidas parcialmente pelo Brasil afora. Me parece mais campanha do “bom moço” do que vontade mesmo de transformar. Revolução, hoje, é sinônimo de fazer reformas bem sutis no bojo da sociedade. E ainda sim é considerado atrevimento, porque muda a inércia consentida do status quo, imobilizado, novamente pelo consumo. E quem critica o consumismo desenfreado já é rotulado de ser comuna, esquerdista (vá pra Cuba) e por ai vai.
Enfim, entender essa sociedade brasileira não é fácil. Mas há explicação sim. Há uma dívida histórica tão grande com os negros e negras, índios e índias que mudar, por menor que seja a mudança, é uma afronta, sobretudo para aqueles que estiveram sempre sentados em cima. A zona de conforto precisa ser modificada, mas convencer aqueles que são explorados mas acreditam não ser… complicado.
Acredito ter um papel transformador. Como educador, como provocador. De tirar os nossos jovens da inércia promovida e criada pela ideia de “vencer na vida”. O que significa isso, afinal? Vencer? Por quê? Não vim para esse mundo para competir, como já disse Eduardo Marinho. Quem ganha com essa competição, no fim das contas? Certamente não será nem eu, nem você, caro leitor. Nem fulano ou beltrano. Mas uma meia-dúzia, bem pequena, tão pequena e isolada que a gente mal vê onde ela está. Mas ela define os nossos rumos, nossas vidas.
Não é por 20 centavos, mas são por esses, os 0,1 % que dominam 50% de tudo. São eles o problema. Quando tivermos condições de ter essa noção de classe (sim, de cunho inspirado pelo velho e atual Karl Marx) veremos que não vamos almejar as migalhas.

Que mais porta-dos-fundos, Mujicas (e mojicas de pintado), artistas, músicos provocadores apareçam. Que saiam de cima do muro. Que sejamos ousados musicalmente, que provoquemos as estruturas arcaicas e religiosas, que façamos papas e presidentes rebolar. Que se derrubem muros e embargos. Que se assumam os erros do passado e se retratem.
Sejam quaisquer que sejam as violações dos direitos humanos, seja tortura, pedofilia e que as comissões da verdade não sejam meramente ilustrativas, mas que derrubem estátuas de ditadores e mudem nomes de ruas e escolas.

Que façamos a rememoração desse passado autoritário que não passa. Que nossas crianças e adolescentes não sejam mero coadjuvantes de consumo, mas questionem esses padrões. É que o que desejo não só para 2015, mas para os próximos 30 anos.
Que eu possa ser um pai, ou até mesmo um avô orgulhoso das próximas gerações, que irão dizer assim pra mim: “Como vocês deixaram isso acontecer e não fizeram nada, bem embaixo do seu nariz?”. Sou otimista, espero mesmo receber esse puxão de orelha das novas gerações.
Vai ser muito bom e gratificante levar um sermão de uma juventude ativa e que queira, assim como eu, almejar um mundo melhor.
Boas festas e saudações rubro-negras!
Parabéns! Ótimo texto!
“Cismou Deixa!!!”
Ótimo texto Juliao!!!!!
O medo é o caminho para o lado negro. O medo leva a raiva, a raiva leva ao ódio, o ódio leva ao sofrimento. Não tenhamos medo e que a força esteja conosco!!!!