Amigos, eis que finalmente chegou o momento de analisar os sambas-enredo do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2015. Uma safra bastante irregular, com algumas obras muito boas e outras bem menos, mas que, paradoxalmente, não tem nenhum samba antológico e nem um absolutamente trash.
Assim como fiz na análise do Acesso, não quis atribuir notas, mas simplesmente discorrer sobre cada samba escolhido. Divido-os em dois grupos bem distintos: bons/muito bons (Imperatriz, Mangueira, Portela, Beija-Flor, Viradouro e Vila Isabel), medianos/fracos (Ilha, São Clemente, Tijuca, Mocidade, Salgueiro e Grande Rio.
Antes da análise, lamento profundamente as declarações recentes dos novos jurados do quesito, que pediram sambas ainda mais presos à sinopse do que obras mais abstratas. Isso é limitação intelectual e/ou preguiça em analisar um samba.
Mais: é um desserviço ao gênero samba-enredo, que, vem num viés de subida nos últimos anos e não pode ser tesourado como querem estes senhores. Se não for permitido aos compositores exercer a criatividade na feitura de um samba-enredo, o gênero será morto com o passar dos tempos.
Também lamento vermos sambas absolutamente amarrados ao que alguns carnavalescos querem. É preciso salientar a cada dia que trata-se de desfile de escola de SAMBA, e que toda a questão estética vem atrás.
Imperatriz Leopoldinense – É o samba do ano. Depois de um enredo sobre um estado (Pará) e sobre um ex-atleta (Zico), a Rainha de Ramos chega com uma temática negra, o que não se via desde o longínquo desfile de 1979 – eu nem era nascido… Pelo menos em samba, a Verde e Branco está muitíssimo bem servida, com uma envolvente obra assinada pelo veteraníssimo Zé Katimba e defendida pelo também experiente Nêgo. Ou seja, tudo para dar certo no desfile, pois consegue aliar dolência e valentia. O refrão principal com a reverência “Mandela, Mandela” é brilhante e convoca o componente a cantar verso a verso. Essa questão de causar emoção ao ouvinte é uma característica que vi apenas neste samba e no da Mangueira na safra de 2015. Tomara que a escola não tenha os problemas de harmonia e evolução vistos nos últimos anos, pois a escola tem carnavalesco (Cahê Rodrigues), samba e enredo de grande qualidade.
Estação Primeira de Mangueira – Esse samba conheço literalmente desde os primeiros versos, quando ainda estava só com o acompanhamento de cordas, já que meu amigo Cadu trabalha no mesmo local que eu. Desde o começo, vi esta obra como a melhor da disputa, apesar de outros bons sambas como o do multicampeão Lequinho e parceiros. Resultado é que a Manga tem seu melhor samba em anos. Uma obra que, tanto em letra como em melodia, traduz com muita leveza e dolência o que o enredo propõe, ou seja, homenagear as mulheres da Mangueira e do Brasil. Um ajuste acertadíssimo foi feito já depois da vitória consumada nas eliminatórias: o refrão principal, que não era repetido, foi dobrado e cresceu ainda mais na voz dos mangueirenses. No ensaio técnico, o samba rendeu muito bem, cantado e não gritado, como bem lembrou o Aloisio Villar. Como a Mangueira está com seu barracão praticamente no prazo, ao contrário de outros anos, a tendência é a de um bom desfile. Resta saber o quão a terrível posição (segunda de domingo) pode atrapalhar.
O ensaio técnico da Mangueira
Portela – Mesmo não tendo a obra que mais me agradava nas eliminatórias, pelo quarto ano consecutivo a agremiação de Madureira aparece com um samba de ótima qualidade. Assinada por Noca e parceiros, a obra segue a excelente linhagem dos últimos anos, na qual a melodia leva bastante ginga ao ouvinte. O que preocupa, pelo rigor dos jurados em relação a esse tipo de coisa, é que no refrão principal as palavras “Madureirá” e “poeirá” estão com a sílaba tônica no fim – pra mim não faz diferença, mas desde que Benvindo Siqueira canetou a Tijuca pelo “Minhá Tijuca” e “Música ganha” essa, digamos, licença poética na acentuação passou a ser motivo de encrenca. Tomara que não, até porque a Portela mais uma vez teve uma preparação de desfile impecável e sem atrasos, e desponta como uma das favoritas ao título, que, a meu ver, já poderia ter saído em 2014.
Beija-Flor de Nilópolis – Tudo o que a Beija-Flor fez de errado em termos de samba em 2014, ela fez com correção para 2015. A Deusa da Passarela conseguiu a proeza de falar sobre a Guiné Equatorial passando ao largo das mazelas lamentáveis daquele país (apesar de eu lamentar que, na escolha do enredo, a escola tenha voltado aos sombrios tempos do “Lembrando Pis e Pasep / E também o Funrural”) e conseguiu uma obra forte, com pegada afro, ou seja, a cara da escola. O verso “quem beija essa flor não chora” é de extrema felicidade e é apenas uma amostra do esmero com o qual a letra foi feita. E a melodia pesada remete aos sambas dos anos 2000. Não é um “Agotime” nem um “Africas, mas a comunidade nilopolitana deve ser o rolo compressor daquela época. O ensaio técnico já deu uma palhinha do que vem por aí. Olho na Beija-Flor!
Unidos do Viradouro – Aí eu gostaria de fazer uma análise dividida em duas. Em relação ao resultado musical, gostei bastante. Os dois sambas de Luiz Carlos da Vila – “Nas veias do Brasil” e “Por um dia de graça” – são excelentes, tanto em letra como em melodia, e a junção proposta pelo competentíssimo compositor (e presidente da escola) Gusttavo Clarão ficou agradabilíssima, além de ter dado certo pelo menos no ensaio técnico. O refrão “O samba corre/ Nas veias dessa pátria mãe gentil/ É preciso atitude, assumir a negritude/ Pra ser muito mais Brasil” dá vontade de cantar por uns três dias seguidos. Mas, na verdade, este trata-se de um enredo-samba, não de um samba-enredo, e quero ver como o enredo será desenvolvido a partir dessa junção de sambas. A ideia de Clarão foi muito interessante porque, como a primeira escola de domingo “já entra rebaixada”, era preciso fazer algo diferente. Só espero que esse tipo de coisa não vire regra, para que os compositores não sejam prejudicados nos próximos anos.
O ensaio técnico da Viradouro
Unidos de Vila Isabel – Um dos sambas agradáveis deste ano, pela letra e melodia. Mas foi um samba mexido de forma inadequada no refrão do meio após as eliminatórias, o que causou uma quebra evidente. Mesmo assim, a Vila mantém sua linhagem de sambas de qualidade, até porque investiu numa obra mais dolente do que valente, o que se adequa mais ao enredo sobre o maestro Isaac Karabtchevsky. Interessante ainda a menção ao eterno Martinho da Vila antes da chegada ao refrão principal. Depois da hecatombe de 2014 – injustamente aliviada pelos jurados dos quesitos plásticos – a Vila tenta se recuperar e tem meios técnicos para isso. No ensaio técnico, o samba foi cantado com a força costumeira pela comunidade do bairro de Noel.
União da Ilha do Governador – Não é um samba desastroso, mas é pior do que a Tricolor levou para a Sapucaí em 2014, no lindo desfile que a fez voltar ao sábado das Campeãs. O enredo sobre a obsessão pela beleza resultou numa obra mais “pra cima” do que dolente, mas não há como negar que caiu bem para o excelente cantor Ito Melodia. Como, admito, sou um tanto conservador em termos de samba, não curti o “fiu fiu” na letra do samba, mas é gosto pessoal mesmo. De qualquer forma, achei a letra muito longa, mas prefiro esperar como será o canto dos componentes para não fazer uma análise prematura sobre a harmonia. Vamos ver também como a Ilha vai se sair comandada pelo Mestre Ciça, que certamente vai impor uma batida mais acelerada e fazer convenções bastante ousadas.
São Clemente – A homenagem ao eterno Fernando Pamplona não chega a ser uma “marchinha sem-vergonha” como o mestre dizia. Mas não é um samba à altura do homenageado, embora o extraordinário Igor Sorriso tenha dado uma pegada muito melhor à obra na gravação do CD. Há claramente ainda uma discrepância entre a discreta primeira parte e uma agradável segunda parte, depois do refrão do meio, que, aliás, é o melhor ponto do samba-enredo. Mas é uma obra que também não será lembrada após o desfile e vamos ver se veremos na avenida a ótima (e injustiçada) São Clemente de 2012 ou a (apagada) escola de 2014.
Unidos da Tijuca – Apesar da saída de Paulo Barros, a sinopse voltou a dificultar a tarefa dos compositores tijucanos. Isentando de culpa os autores, até porque houve uma junção, o samba (o enredo é sobre a Suíça na visão de Clóvis Bornay, diga-se de passagem) me parece mais uma coleta de vários trechos isolados para que a letra ficasse adequada à sinopse, mas o conjunto deixa a desejar. Esse tipo de coisa, aliás, me lembra o que aconteceu com o samba da Vila Isabel em 2008. Para se ter uma ideia da complexidade do enredo (e consequentemente do samba), causou arrepio nos amantes do Carnaval o verso “É do Borel o Prêmio Nobel do samba”, já que, sabemos bem, o Nobel é oriundo da Suécia. Mas como a Suíça é a maior ganhadora “per capita” do prêmio, encaixaram isso no enredo e no samba… Ainda assim é um samba superior à pavorosa obra de 2014, um dos piores sambas campeões da história do Carnaval. E gosto do refrão central. Só.
Mocidade Independente de Padre Miguel – O que se temia aconteceu: o enredo sobre o fim do mundo proposto por Paulo Barros não resultou num grande samba para a Mocidade. É bom que se diga que o enredo é baseado na canção “O último dia”, de Paulinho Moska, e era um sonho antigo do carnavalesco, que abordará como seria o último dia do planeta para as pessoas. Os compositores, claro, foram obrigados a ficarem presos à sinopse e ficou evidente a preocupação da letra em seguir cada passo do enredo – tarefa inglória, diga-se de passagem. Se por um lado isso é bom, pois jurado gosta disso, por outro a obra não ficou tão agradável assim para o ouvinte, embora o canto tenha sido muito bom no ensaio técnico da escola. Destaque para a ótima participação do cantor Bruno Ribas no CD.
O ensaio técnico da Mocidade
Acadêmicos do Salgueiro – Pra mim, depois do belo samba de 2014, foi uma decepção a safra salgueirense para este ano, ainda mais com um interessante enredo sobre a culinária mineira. Os refrões até que ficaram aceitáveis e as mudanças feitas após a escolha do samba foram adequadas. Mas é um samba que, se não é um desastre, não me faz imaginar um desempenho maravilhoso na avenida. Tende a ser mais uma daquelas obras que esqueceremos depois da quarta-feira de Cinzas, ou melhor, no Desfile das Campeãs, porque o Salgueiro é uma escola é fortíssima, de grande bateria, e ter um carnavalesco da categoria de Renato Lage é quase certeza de um excelente desfile.
Acadêmicos do Grande Rio – No ano passado, o samba sobre Maricá e Maysa rendeu críticas, mas conduziu bem a escola num ótimo desfile. Este ano, o excelente carnavalesco Fábio Ricardo vai levar à Sapucaí o baralho e o samba que saiu é naquela linha mais pra cima, mas com muuuuuitas nooooootas looooooongas, o que tende a travar a harmonia da escola. Enfim, é um samba cujo desempenho é uma incógnita. Mas eu costumo pular essa faixa…
Para efeito de observação.
Os enredos de 1980 e 1983 da Imperatriz possuíam temática negra.Iclusive,em 1983,Arlindo Rodrigues deu uma aula de como se fazer uma África exuberante com materiais rústicos.
Desculpe, Francisco, só pra deixar claro então. Como você frisou, a Imperatriz nesses anos citou realmente aspectos negros, mas não foi exclusivamente uma temática negra, como é este ano. Em 80, era um enredo sobre a Bahia (que evidentemente tem aspectos da negritude, mas que também tinha culinária, etc), e em 83 um delírio (maravilhoso, diga-se) feito pelo Arlindo misturando enredos feitos antes por ele próprio (O Rei da Costa do Marfim visita Chica da Silva em Diamantina). O último enredo cujo tema realmente foi negro foi em 1979, com Oxumaré. Abraços e obrigado pelas observações!
Boa tarde!
Caríssimo:
De fato, há uma opinião geral muito semelhante das pessoas que curtem carnaval sobre a safra deste ano.
Confesso que minha avaliação é mais pesada, criticando duramente as obras que se apresentam insuficientes (Quase todas!).
Apenas um detalhe a acrescentar: a Tijuca perdeu pontos em 2006 do jurado Benvindo Siqueira com o verso “Com a música ganha o coração” (E não “Tijuca ganha”), considerado pelo mesmo um cacófato. Foi bancar o intelectual, e acabou virando piada, visto que a referida figura de linguagem só se aplica quando a junção de sílabas forma uma outra palavra já existente.
Até o presente momento,”caganha” não consta em nenhum dicionário da língua portuguesa.
Atenciosamente
Fellipe Barroso
Isso aí, Fellipe. “Musica ganha”, não “Tijuca ganha”. O escriba fez uma caga… rs
Esse cacófato do “Com a música ganha” da Tijuca em 2006 foi até abordada no Trinta Atos.
E o julgamento do Benvindo Siqueira foi no quesito Conjunto, e não Samba-Enredo…
Conjunto ou Harmonia?
Harmonia, Migão. Fui invocar o sujeito e só escrevi besteira hahahahaha Errei o quesito e o cacófato. Vou sair à francesa desses comentários rs
Anda conversando demais comigo, minha má influência. Aceita um pouco de capim (rs)?
Realmente foi cacofonia. O jurado não se referia à ”caganha” e sim à ”caga”.
”Com a músiCA GAnha o coração.” Ou seja, essa palavra existe sim na língua.
o samba-enredo da imperatriz pode ser considerado com muita boa vontade um samba enredo histórico cheio de bons momentos como o da viradouro,e eu não acho tudo isso do samba-enredo da beija-flor de nilópolis que eu acho bom,sim,mas também é meio chato em alguns momentos parece repetição de outros enredos afros que eram melhores como ”áfricas.
Eu classificaria o enredo da Imperatriz como um “afro light”, até por não ser focado nos Orixás
“Afro light”… = morri =
Hahahahahahahaha!
Merece virar hashtag!
Vou difundir o termo!
Afro light, gostei!
Eu sempre usei este termo para enredos de temática africana mas que não enfocam os Orixás como eixo principal do enredo. Aliás, sinto falta de enredos de macumba pesada no Especial
Como falei pro Fred no Twitter, a exceção da avaliação da Vila Isabel, eu concordo com praticamente tudo, sobre o samba da GRESIL por quem tenho muito à apreço, ele é forte desde o inicio e ele tem duas sacadas geniais: a primeira é no não refrão de meio, simplesmente brilhante. A segunda é nos 4 versos antes do refrão principal, simplesmente históricos. É o samba do ano.
Eu não consigo ver isso tudo no samba da Imperatriz. É um bom samba, sim, mas não acho espetacular
Eu sou torcedor da Imperatriz, e, na mais que humilde opinião, afirmo que o último verdadeiro bom momento dela como samba, numa composição que era “a cara da Escola”, foi em 2010, com “Brasil de todos os Deuses”.
Infelizmente o desfile foi o que todos nós sabemos, mas este sim, pode ser considerado um clássico recente.
Os resto sempre esbarra numa ou outra questão que compromete o todo.
dos sambas que ouvi o samba da vila isabel é muito competente,mas esbarra por ás vezes não parecer um samba-enredo , já o da viradouro é diferente é um enredo-samba o que pode dificultar um pouco o que se chama quesito samba-enredo ,mas no fundo é uma grande obra e eu sonhei com a mocidade no sábado das campeãs , mas não por causa do samba e sim por causa do paulo barros ,que é um grande carnavalesco,isso já se sabe ,até por quem não é fã,como eu.e a são clemente,mesmo tendo um bom samba,pra mim já tá rebaixada.um abraço migão,sabino ,leonardo dahí ,aloísio villar e todo o pessoal do ouro de tolo.
Valeu!
Valeu, Cristiano, estamos aí!
Engraçado ver que o Fred amou o “Zambi é zumbi, Xica da Silva mandou… ôôô…”, já ouvi gente dizendo que passa despercebido, outros afirmaram ser o pior trecho dos sambas de 2015…
Isso é que é legal: várias opiniões. Eu, particularmente, me amarro.
Só discordo (por gosto pessoal, apenas) de que o samba da Tijuca, em 2014, seja pavoroso. Pra mim, ficou na média dos últimos anos; um samba sem sal. Vila Isabel 2006 e Salgueiro 2009 são MUITO piores! =D
Em tempo: estou com medo da declarada rigidez em alto nível dos jurados de samba-enredo para 2015. A LIESA dá mais um tiro no pé ao exigir que o julgamento privilegie quem mais focar no enredo e na sinopse, não dando liberdade para subjetividade.
Abraço, Fred!! Como sempre, ótimo texto.
Esse refrão do meio é a única coisa que eu gosto neste samba da São Clemente.
Sobre o critério do quesito, acho muito complicado premiar a burocracia e punir os compositores mais talentosos. Podemos ter um samba da Mocidade, por exemplo, “gabaritando” o quesito, o que seria, para ser condescendente, complicado…
Valeu pela leitura, Rodrigo! Só uma coisa, eu não disse que “AMEI” o refrão do meio da São Clemente, apenas que é o melhor ponto do samba. Amar eu amo Heróis da Liberdade, Das maravilhas do mar fez-se o esplendor de uma noite, Chico Rei, Kizomba, etc… rs Quanto à questão dos jurados, drama à vista realmente.
Esse “amei” ficou meio estranho rs
pedro migão,para mim,na década o samba da renascer é fácil ,fácil top-20 da década de 2000.com isso,nós temos um grande samba-enredo melhor do que muitos por aí e migão como voce não gosto do wander pires,mas na portela ele pode fazer um belo desfile junto com o wantuir e a escola.e ano passado eu reparei que o leandro santos só cantava e o dominguinhos só fazia os cacos ,o que deixa um certo desequiíbrio entre um e outro e migão voce não gosta do ronaldo ylle ,mas tem que reconhecer que ele é um bom intérprete.porra.rs