O que os ouvidos não escutam o coração não sente. Minha relação com escolas de samba passa pelos sambas de enredo. Para mim não adianta, portanto, assistir a um desfile visualmente bom se a trilha sonora é ruim. O desfile do grupo de acesso, neste quesito, começou mal. A primeira noite, para quem é fã de samba de enredo, foi uma tortura quase sem precedentes.

A Unidos de Bangu ousou um enredo megalomaníaco, sobre diversos impérios, que só podia mesmo produzir um samba-colagem de má qualidade, que em apenas seis versos tentou falar da criação do mundo, do Japão, do Egito e da Pérsia; e em três versos cantou maias, incas, astecas e a chegada de D. João ao Brasil. Não há compositor que resolva um enredo que podia, pelo menos, ser desmembrado em seis. A bateria ajudou a piorar.

A Em Cima da Hora foi ótima apenas no esquenta, com “Destino D. Pedro II” e “Os Sertões”. Desfilou (sic) como bloco de sujo de quinta categoria e com um samba fraquíssimo. Era caso de algum maluco que pagou uma grana pelo ingresso para assistir a um desfile de escola de samba denunciar a escola ao Procon.

O que veio depois também não me animou.

curicica2015fTivemos o Império Serrano cantando um bom samba que, para mim, passou acelerado, prejudicando bastante os trechos mais melodiosos, e um bando de sambas fraquíssimos: o inacreditável “desejo canibal” da Tuiuti (a escola, justiça seja feita, evitou a rima fácil com Sapucaí); o péssimo samba da Curicica, com melodia marcheada e letra incapaz de apresentar até um simulacro de narrativa que justificasse o enredo; o espantoso “luminescente é a vida a brilhar” da Porto da Pedra; a marchinha da Caprichosos com um amontoado de versos com precária estrutura narrativa e soluções de rima que apelaram até para o batido “é sensacional”.

Em resumo: as letras beiram a indigência; a narrativa morreu como recurso de composição (o que temos em geral são frases soltas sobre os enredos, que muitas vezes nem minimamente concatenadas estão); as melodias são chapadas e previsíveis; as boas melodias penam com a aceleração das baterias; o som do sambódromo não ajuda e ainda atrapalha.

O único gênero épico da música brasileira não merecia essa noite de sexta-feira 13.

2 Replies to “A primeira noite dos sambas”

  1. Falou tudo, Simas.
    O gênero samba-enredo merece ser melhor tratado pelos compositores, autores de enredo, pelas escolas, pelos jurados, pela liga que deveria melhorar o som do sambodromo e pelas baterias que insistem nessa IDIOTICE de acelerar os sambas.

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