Carnaval está ai, período de alegria e ferveção. É também momento de manter o pé firme no chão. As festas regadas a muita bebida também são sinônimos de dor de cabeça pós quarta-feira de cinzas. Alguns causadores dessa agonia inclusive já se preparam para atacar e fazer o que mais gostam: contaminar as pessoas com o vírus HIV. Não me refiro àqueles boatos de maníacos que circulam pelas ruas com seringas contaminadas; a ‘novidade’ é que um grupo soropositivos adeptos do bareback se satisfazem ao contaminar pessoas sadias no ato sexual. E a cada mês o grupo ganha mais membros.

Eles não costumam revelar seus nomes verdadeiros. As trocas de experiências são feitas em sites cujos colaboradores não são identificados. Algumas conversas acontecem em grupos fechados de redes sociais e aplicativos. É assim, secretamente, que pequenos grupos de homens soropositivos de diversas partes do Brasil têm se unido para difundir táticas sobre como enganar jovens mais ingênuos para deixá-los vulneráveis à Aids.

A prática foi denunciada por um estudante de medicina em um grupo de discussão sobre questões LGBT no Facebook. O jovem de 24 anos, morador do interior de São Paulo, contou que recebeu o alerta de outros médicos e resolveu compartilhar com o máximo de pessoas possível. “O que me motivou a divulgar este absurdo foi saber que adolescentes estão sendo enganados por esses monstros”, disse ele, que preferiu manter o anonimato, ao Terra. “Eles fazem isso por pura maldade, puro prazer em estragar a vida de pessoas que ainda são novas”, completou.

De acordo com o universitário, alguns utilizam a web para conhecer jovens gays, marcam encontros e usam diferentes técnicas para conseguirem transar sem proteção. Inicialmente, tentam convencer o parceiro de que a camisinha atrapalharia o prazer da relação. Quando a persuasão não funciona, furam os preservativos e fazem com que estourem no momento da penetração.

Muitas dessas dicas são facilmente encontradas em blogs. Em uma das páginas, integrantes de um “clube” autodenominado “Clube do Carimbo” publicavam, além de fotos e vídeos pornográficos, textos repletos de gírias próprias, em que explicavam os procedimentos e incentivavam os praticantes mais antigos a buscarem novos garotos para se unirem a eles.

preservativo“Lembre-se de aproveitar que agora que são férias escolares e tem muitos ‘putinhos’ universitários puros na praça prontinhos para virem para o nosso clube. Como vocês sabem, o sexo bare tem se tornado a modalidade de sexo mais difundida no mundo! Nosso Brasil tem seguido a tendência e cada dia é mais comum encontrarmos adeptos do bare! Todo macho recém-convertido ao bare, lá no fundo, quer ser ‘carimbado’ para ser convertido para nosso lado, para o bare ‘vitaminado’ (risos)”, havia escrito um membro do grupo. “Vitaminado”, no caso, faz referência aos que são portadores da Aids.

Em outro blog chamado “Aventuras de um Becker” encontramos mais dicas ilustradas com imagens, vídeos e gifs.

“Cortar a ponta ou furar a ponta dos preservativos é algo fácil de se fazer, dá tesão e estimula um novo fetiche feito por poucos e por alguns. O legal é quando você sabota o preservativo no dia que vai f****”, disse o autor, que se identifica como Mauro Machado Becker, antes de escrever um passo a passo do processo. “É preciso prática e discrição sobre tal ato (não saia ai contando isso para todo mundo). Não fez ainda? Faça! Pois é bem provável que já tenham feito em você. É algo sigiloso, uma prática feita por alguns e que decidi compartilhar com vocês a ideia que pode acontecer por acidente ou de propósito”, completou.

O que significa bareback

Inicialmente, o uso da palavra bareback (cujo sentido original indicava o ato de cavalgar em um cavalo sem sela) como prática sexual data do início dos anos 1980 nos Estados Unidos. Na mesma década, a modalidade começou a chegar a alguns países europeus e também ao Brasil como uma “moda” importada das comunidades gays norte-americanas. Nos anos 1990, ele deixou de ser conhecido apenas em pequenos guetos homossexuais e se tornou mais popular (o que aumentou de vez graças à internet).

O aliciamento sem consentimento de novos jovens, no entanto, não é praticado por todos os barebackers. A grande maioria deles, por sinal, não aprova a conduta e somente mantém relações com outros adeptos da modalidade.

Em 2009, Luís Augusto Vasconcelos da Silva, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), escreveu um artigo sobre o tema – decorrente de uma tese de doutorado defendida em 2008 no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia – que foi publicado no Caderno de Saúde Pública, revista da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (RJ). No processo de criação do trabalho, intitulado ‘Barebacking e a Possibilidade de Soroconversão’, ele entrevistou praticantes para descobrir qual seria o intuito daqueles homens. A conclusão: não há unanimidade de ideias e intenções.

Em primeiro lugar, o pesquisador descobriu que alguns dos entrevistados transavam sem proteção porque queriam, de fato, contrair o vírus HIV. Eles são conhecidos como bug chaser (em inglês, “caçador de inseto”), homens negativos que procuram um gift giver (“doador de presente”), os positivos, para se infectarem. Depressivos, eles manifestavam desejo de morrer, mas “não tinham coragem” de cometer suicídio.

Outros demonstraram, segundo o professor, desejo “indireto” de se infectarem – não mais por vontade de morrer, mas pela “liberdade” de, ao se tornarem soropositivos, pararem de se preocupar com a proteção. Seria como um “alívio” por contrair uma doença que parecia inevitável.

Vale lembrar que, consentida ou não, a prática de disseminação de doenças sexualmente transmissíveis é considerada criminosa. Segundo o artigo 130 do Código Penal, “expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado” deve resultar em pena de detenção de três meses a um ano. Se a intenção for transmitir a moléstia, passa para um a quatro anos de prisão.

Vale lembrar que o índice de contaminados pelo HIV cresceu no Brasil nos últimos anos. Então vamos cair na folia com responsabilidade e sempre atentos, já dizia a música: TIRA O PÉ DO CHÃO… mas saiba onde fica o freio.