André Diniz, 40 anos, professor de História. Compositor multipremiado, tendo seu nome já entre os grandes da história das escolas de samba e em especial de sua Unidos de Vila Isabel. É o nosso entrevistado de hoje.
OT – Como o professor de História virou compositor de samba enredo?
André Diniz: Foi o contrário. Primeiro comecei a compor, depois entrei na universidade e optei por história para facilitar minha vida de compositor de samba-enredo, influenciado pelo meu grande amigo, parceiro e padrinho de casamento, Wladimir. A paixão pelo magistério, entretanto foi arrebatadora.
Hoje, consigo viver sem o samba; sem o magistério é impossível.
2 – Como funciona seu processo criativo na confecção de um samba de enredo?
AD – Gosto de ouvir a explanação do carnavalesco ou a sinopse lida em voz alta. É a forma que encontro para entrar no assunto e procurar o caminho da letra e da melodia, enquanto vou ouvindo. A melodia precisa ter o espírito do enredo, melodiosa quando a parte a ser contada pede; explosiva, dramática em outras horas. Vou construindo com os parceiros as células melódicas com o que a sinopse sugere e depois partimos para letrar.
3 – Qual sua opinião sobre as sinopses atuais?
AD – Como os sambas que se faz, tem de tudo… Coisa muito ruim, coisa muito boa. Sinopse bem escrita, mas que te engessa para fazer o samba, e sinopse ruim que te dá liberdade. Mas a mais intrigante é a sinopse misteriosa.
Essa não fala ao compositor o que a Escola quer, e a gente tem que ficar tentando decifrar (como se estivéssemos em lados opostos). Tem também aqueles “gênios” que falam que não podemos citar no samba o que a Escola vai mostrar; tem que usar metáfora, duplo-sentido, para não perder a surpresa… Isso faz com que o samba fique indecifrável para quem não leu a sinopse antes do desfile.
O Samba deixa de explicar o desfile, para o desfile explicar o samba. O problema é que depois o jurado vai lá e tira ponto, alegando que o samba é incompreensível… risos…
Mas todo ano tem escola que pede para esconder da letra o que vai ser mostrado na pista, e a nota acaba caindo na conta do coitado do compositor.
4 – Fala-se muito nos chamados “escritórios” de samba, grupos de compositores, parceiros “comerciais” e outros interessados em compor para várias escolas. Isso existe? Como funciona, na prática? Quais os tipos de “arranjos” existentes para a confecção/assinatura do samba e, depois, a divisão dos direitos autorais?
AD – Existe. Grupos de autores que são procurados por pessoas das alas de compositores de outras agremiações para que possam auxiliar na feitura de suas obras para as disputas. Até onde sei, os “arranjos” são simples, com a divisão dos direitos arrecadados, com percentuais preestabelecidos.
5 – A que se deve o surgimento destes “escritórios”, em sua opinião?
AD – Da paixão por compor e as necessidades financeiras de um lado, e a vaidade e a necessidade artística de outro. Simples assim.
6 – Você aceita encomenda de samba? Sendo explícito: eu pego uma sinopse, te mando, você faz o samba, eu pago e ponho meu nome. É comum?
AD – Fazemos sambas por encomenda para o Brasil todo e até para Argentina, mas assinando. Aqui no Rio é raro. Geralmente os escritórios ficam com um percentual do que a obra render e, quem assina fica com a outra parte, que inclui o trabalho e os custos. É bom deixar isso claro: não cabe ao “compositor de fato” a parte estrutural, e sim a artística da disputa.
Ou seja, o pagamento antecipado que a pergunta sugere é raríssimo, mas acho que do jeito que as disputas estão viciadas, em pouco tempo os verdadeiros compositores vão partir para esse lado que a pergunta para opõe; é a segurança de não perder tempo trabalhando para algo que não vai dar fruto.
Quanto a dar publicidade ao meu nome, não me preocupo com isso. Se for ajudar à obra que deem, se for prejudicar, que não coloquem; ou sei lá, inventem um codinome.
7 – Qual sua avaliação sobre os papeis exercidos pelos escritórios e especialmente o do compositor neste processo?
AD – O compositor mesmo, o cara que faz, é o otário disso tudo. Hoje, um samba gera quase meio milhão de reais, e pode ter certeza: os caras que fazem o samba, em média, não ficam com mais de 30.000. Entre descontos das Escolas (que estão diminuindo, temos que reconhecer), impostos, custos altíssimos e as vezes superfaturados, multidão de parceiros, amizades, etc… sobra pouco. No mundo do samba, quem menos ganha dinheiro é o sambista.
8 – Existem muitos compositores que por conta deste processo ganham fama de “grandes” sem nunca ter escrito uma linha?
AD – Pode ter certeza de que muito “poeta” é lenda. “Desde que o samba é samba é assim”. O pior é a marra… A pose… dá vontade de falar: cara, todo mundo sabe que não é você quem faz, você tirando esta onda está ridículo.
9 – O que pensa sobre o modelo atual de disputas de samba?
AD – Um circo!
Durante muito tempo foi lucrativo paras escolas. Hoje, com raras exceções (Salgueiro é uma delas. Beija e Portela, talvez), a disputa é cara para o compositor e pouco rentável para Escola. Nas comunidades que antes você lotava três ônibus, hoje ninguém quer ir a samba, tá difícil levar gente. É cansativo e repetitivo demais para todo mundo.
Além disso, tenho certeza de que o custo da abertura de uma quadra grande (como a da Vila por exemplo, luz, água, segurança, ingressos, bilheteiros, limpeza) não é pago pelos ingressos que são vendidos para as primeiras semanas de concurso.
Ah, mas tem o lucro do bar. Vamos lá… No início, tem no máximo 500 pessoas na quadra, que cada uma beba 6 latas são 3000 unidades. Com lucro inicial de R$ 4,00 (uma lata vendida a 6,00). Arrecada-se 12.000,00. E o gelo? Os atendentes e caixas? A limpeza? A cerva de graça para o pessoal dos segmentos?
Para mim, essa conta não fecha, ou fecha com um lucro que não justifica tanta coisa… Sendo assim, para que uma disputa de 10 ou 12 semanas?
Tenho convicção que só nas três últimas semanas a maioria das escolas lucra. Seis semanas tá bom demais… Isso facilitaria: em seis semanas de disputa, não há necessidade de grandes investimentos.
Quem lucra mesmo com disputa de samba é empresa de ônibus, chefes de torcida, dono de tendinha, músicos e intérpretes. Compositor, pode ter certeza de que se ganhar sempre, lucra pouco. Se ganhar pouco, tem prejuízo.
Tem o lado artístico… “Precisamos ouvir muitas vezes o samba para ver se vai dar certo”… risos… piada… O público e muita gente que desfila vai escutar só na hora do desfile. Um samba que demorou meses para ser assimilado vai gerar empatia como?
Para o compositor e para pureza das disputas, seria muito mais interessante um concurso mais curto, mais cedo (horário) e mais barato.
10 – Os gastos para uma disputa de samba enredo estão crescendo exponencialmente, muito mais do que as receitas que um samba campeão gera. Já há escolas em que o custo afirmado de um finalista é de R$ 150 mil. Esse modelo de disputa é sustentável? Por quanto tempo?
AD – Insustentável. Eu continuo ganhando em reais a mesma coisa que ganhava em 94. Vai durar até quando existir paixão, necessidade financeira e vaidade, pois cada um busca seu combustível para fazer parte disso.
11 – O que você pensa do fenômeno das encomendas diretas de sambas que algumas escolas como a Renascer de Jacarepaguá estão fazendo?
AD – Lógico que acaba dificultando que se conheça novos talentos. Por este lado não é bom, mas acho que foi a coisa mais honesta que se fez nos últimos anos do carnaval.
Dá liberdade ao compositor para fugir de receitas artísticas, a Escola pode ter certeza de atingir o que quer (se não gostar, manda voltar até achar o ideal), evitam-se crises políticas, e por incrível que pareça é mais ético, conforme falei, honesto.
Mil vezes um samba publicamente encomendado do que sambas pré encomendados com pseudodisputas. O compositor gasta tempo, energia, inspiração, dinheiro… Se ilude, chora, briga… e, no fim, era jogo de cartas marcadas. Isso é que deve ser combatido.
12 – Qual seria seu modelo ideal de escolha de samba? Existe algum modelo de escolha de samba realmente democrático?
AD – Já achei que tinha descoberto a receita. Fechar a quadra só com os segmentos e permitir que eles escolham. Mas neste ano ouvi falar de cada coisa… Já tem compositor pagando cachê para gente dos segmentos entrarem no samba dele… aí, não sei mais.
13 – Entre assinados e “pombos”, quantos sambas você estima ter vencido em sua carreira? Assinaria em outra escola que não a Vila Isabel – lembrando que o regulamento permite?
AD – Sinceramente, não contei. Se contar tudo, interior, outros estados, Argentina, escolas mirins, grupos de acesso… Sei lá, mais de cem…
Sobre ir para outra, não me vejo assinando samba em outra Escola. Assinei em 1998 e fui disputar na Grande Rio. Fiz alguns amigos por lá, fui muito bem tratado, adorei a Escola, mas definitivamente, não me senti na minha casa. Senti falta do meu povo, do meu ritmo e do azul e branco.
14 – Existe alguma escola do Especial na qual você nunca emplacou um samba-enredo, mesmo sem assinar?
AD – Muitas
15 – Qual a sua avaliação sobre as “Alas de Compositores” de hoje em dia?
AD – Um dia, as Escolas de samba foram o celeiro do samba. Os músicos, os ritmistas, os poetas, os cantores… todo mundo que gostava de samba, ia sambar nas Escolas.
Hoje, a coisa é muito diferente. O samba chegou às esquinas, aos bares, à internet, os blocos se multiplicam, assim como as escolinhas de percussão… O moleque aprende a tocar cavaco em casa na frente do computador, ou no AP, ou na própria comunidade. Se gostar de samba, por que a maioria da molecada é do funk.
Nesta parte, temos que dar os parabéns a alguns diretores de carnaval que decidiram tirar as alas e casais mirins dos desfiles. Um imbecil imediatismo do “samba de resultado”, que também ajudou a não haver renovação.
Isso tudo vai enfraquecendo aquela ligação entre a Escola e a comunidade. Se você olhar as alas de baianas, tem muita figura repetida. As baterias, idem. Hoje, tem menos sambista do que vaga para desfilar.
Se você espremer as alas de compositores, mesmo das grandes escolas, tem pouca gente, e assim como nos outros segmentos, os compositores são sempre os mesmos.
Culpar os escritórios pelo enfraquecimento delas é mistura de falta de conhecimento com covardia. É um fenômeno social: os escritórios são só a consequência deste vácuo.
16 – Você vê algum mal em uma mesma parceria ganhar consecutivamente em uma escola, esvaziando assim a ala de compositores, mesmo que isso ocorra com a “anuência” da Comunidade?
AD – Se a coisa estiver sendo manipulada, sempre serei contra as vitórias. Se for a expressão verdadeira do sentimento daquela agremiação, definitivamente e logicamente não, seria contraditório com minha trajetória. Tem que ganhar o melhor. O que o povo da Escola quer cantar.
Disputa de samba não é lugar para se fazer política. O samba é a essência disso tudo.
Sobre a vitória em sequência enfraquecer as alas de compositores, acho que é o contrário. As alas enfraquecidas é que levam às vitórias em sequência. Por exemplo, na Vila hoje tem muita gente boa, mas um dia tivemos, além do Martinho que concorria sempre, o Luis Carlos da Vila, Rodolpho de Souza, Paulo Brazão, Irani, Arroz, Gemeu, Aloísio Machado, Beto Sem Braço, Ovídio, Azo, Davi da Vila, Paulinho da Vila, Jorge King, JC Couto, Paulinho da Aba, Agrião, Tião Graúna, Adil, Tropical… Eu venceria tantas vezes? Seguramente não!
17 – Nas disputas desse ano, muitas parcerias que eram consideradas favoritas, algumas até de compositores mais comumente acusados de serem dos “escritórios” (ou supostamente pombos destes escritórios), acabaram não vencendo. Isso corrobora com a tese que você frequentemente defende de que, para ganhar de um escritório, é só fazer melhor que ele?
AD – Resta saber se os que venceram não são pombos disfarçados de “canário da terra”…
Mas sem dúvida, que vença o melhor. Mas uma coisa é certa: o disco era para ser bem superior ao que é, houve desperdício de obras muito boas em detrimento de coisas para lá de forçadas. Pelo menos um terço do disco foram escolhas feitas à revelia do corpo da agremiação…
18 – Dois de seus últimos sambas (2012 e 2013) foram consagrados pela crítica e pela avenida. Qual a sensação do compositor ao ver uma obra ser tão cantada e tão bem falada? Qual o seu preferido e por quê?
AD – O melhor samba que fizemos foi o de Angola.
Melhor do que o bonde, melhor do que o “festa no arraiá”, que o Paraty, que o Caravela, que o índio… Melhor.
Porque foi afro (que todo mundo faz bem) sem deixar de ser inovador, arrojado, dramático, feliz, sofrido, agressivo, empurrou a Escola para um transe coletivo. Sem falar no contracanto, com a preocupação de que as três letras fizessem sentido, que todos duvidavam e arrebentou. Uma pena que o carnaval não tenha a repercussão de outras épocas, foi histórico da comissão de frente à chegada do negro-rei.
19 – O compositor Aloisio Villar, colunista deste Ouro de Tolo, diz que o samba enredo é, hoje, o gênero musical com melhor qualidade no país. Você concorda? O que acha das composições atuais?
AD – Nunca pensei nisso. Acho que se formos comparar com os outros estilos midiáticos (pagode, sertanejo e funk), sem dúvida.
20 – Qual a sua avaliação sobre a safra de sambas de 2015? Compôs para quantas escolas este ano? Quantas vitórias?
AD – No Especial, acho a safra de razoável para ruim. Para a gente que é compositor, samba bom mesmo é aquele que você gostaria de ter feito. Esse ano, inédito, só sou fã de um.
Acho que fizemos uns quinze, pois fazemos muito samba por encomenda off-Rio. Tem uns dez sambas nossos pelo mundo afora esse ano.
21 – Vai voltar a compor na Vila Isabel para 2016?
AD – Cara, tô apaixonado pela paternidade e pela minha filha. Em princípio, não volto tão cedo. O coração vai ficar sentindo saudade do povo do samba, mas quem é Vila mesmo reconhece nosso sentimento tudo que fizemos pela Escola e como fizemos.
Além do mais, a Escola está organizada, tocada por gente que ama a agremiação e com um bom samba, ou seja: estou distante e tranquilo.
22 – Depois de tudo o que aconteceu em 2014, qual deve ser o objetivo da Vila em 2015? Qual sua opinião sobre o para processo de transição entre as diretorias?
AD – A Vila tem que entrar para vencer sempre. Sobre o ano passado, Não foi 2014, foi um processo. É com muita tristeza que vejo o que aconteceu. A família Alves fez a grande escola que a Vila sempre foi, virar uma Escola grande.
Além de saciar nossa sede de sede, foram 10 anos de grandes desfiles com resultados que nunca tivemos. Uma permanência no Especial (ninguém que subia, ficava), oito vezes nas Campeãs, e se houvesse justiça no julgamento, pelo menos três títulos (acho que em 2006 e 2011 poderíamos ter vencido, mas em 2009, 2012 e 2013 nossa vitória é incontestável). Não reconhecer isso e agradecer por isso, é absurdo.
Entretanto, desde a derrota no ano do Theatro, com o buraco gigantesco que a campeã deixou em um ano sem descartes (vale lembrar que um ano antes era a Vila que fazia o melhor desfile do carnaval, abriu um buraco gigante e ficou em nono), acho que eles perderam a irresponsabilidade, sei lá.
A partir dali, a queda de investimentos no carnaval foi visível e terminamos todos os carnavais com problemas que não tínhamos antes, mesmo conseguindo patrocínios grandes como em 2011 e em 2013.
Acho que faltou um choque de realidade, pois não havia mais dinheiro para fazer tudo que se queria. Faltou entender que poderíamos ter projetos menores, sem perder qualidade em nada. Algumas vezes implorei para que fizéssemos um carro a menos (sete carros ótimos e um ruim, perde ponto !!! Sete carros ótimos, não perde !!!), mas era sempre taxado de pessimista e apavorado, pois no final tudo, até 2014, dava certo, geralmente mascarado pela genialidade dos artistas.
A maior perda daquela diretoria não foi o trágico desfile e sim a saída do Tinga, Rosa, Rute, Julinho e Marcelo Misailidis… Fiquei um tempo mal com isso e ainda sofro ao pensar. Desde a administração do Bocão construímos uma equipe de ouro, com gente apaixonada pela Escola, que foi sendo lapidada e entrosada.
Quem viveu aqueles anos sabe: eles não tiveram culpa nenhuma da saída. Muito pelo contrário, foram heróis, e se fosse pela grana já teriam saído bem antes. Os atrasos eram constantes e as propostas sempre foram superiores ao que recebiam por aqui. Acho que nunca mais formaremos um grupo tão coeso e comprometido com a bandeira. O Laíla sempre me fala: a Vila seria por uma década, a Escola a ser batida.
No carnaval 2014 eu estava enojado. Não faríamos o samba, só fizemos porque comunicamos à direção que estávamos fora, e houve um dramático apelo para que participássemos.
Segundo eles, independente do resultado da disputa, nossa ausência seria a gota d’agua em tudo que a escola estava passando. O samba foi feito sem alma, reconheço, ou pior, com a alma machucada, pois além de tudo, a Escola arrastava uma dívida de 3 anos com a gente. Todo o direito autoral de um dos sambas e partes de outros não foram pagos…
Ou pior: eram pagos parcelados, geralmente com cheques que voltavam. Alguns de nós com sérios problemas financeiros, e a Escola, campeã, com megapatrocínio, nos dando cheque sem fundo…
Quando terminou a disputa de 2014, mesmo vencendo, optamos por não participar do carnaval 2014. Na verdade, só pisamos de novo na Vila na virada do ano, quando nos falaram do caos que ia ser. Acho que conseguimos diminuir um pouco o caos; a coisa ia ser muito pior, acreditem.
Portanto, não havia mais clima para eles continuarem, pois além da perda de nosso “Dream Team” ainda teve aquilo do desfile mais vergonhoso da história da nossa Escola. Voltei a falar que tinha que tirar um carro. Pedi pelo amor de Deus para tirar 20 fantasias de cada ala.
Depois, faltando algumas horas para entrarmos na avenida, e muitos já tinham desistido de desfilar, fui ao atelier e falei para fazer só 30 roupas de cada ala que estivesse faltando, para salvar os pontos do enredo, conjunto e da fantasia… Continuei sendo ridicularizado.
Saí do barracão faltando 20 minutos para Vila entrar na avenida. Sujo, barbado, envergonhado e esculachado, pois nessa hora, quem fica é quem escuta, mesmo sem culpa.
23 – No mundo do samba se comenta de forma insistente que a Vila Isabel lhe devia dinheiro de direitos autorais. A dívida procede e é reconhecida? Há previsão de pagamento, caso proceda?
AD – Existe a dívida e ela não é pequena. Na verdade, a dívida começa com uns ‘caraminguados’ que todo ano a diretoria não nos repassava. Mas ela cresceu com o samba de 2011. Simplesmente não recebemos naquele ano. De lá para cá, a Escola pagou um quinto disso.
No meio do ano passado fui procurado pela nova direção para que assumisse um cargo no carnaval da Escola. Infelizmente não pude aceitar, pois minha esposa estava prestes a dar a luz à nossa filha. Depois voltamos a falar de dívida.
Não nego que houve uma mistura de sentimentos, pois enquanto uma pessoa em quem sempre confiei e conhece meu caráter faz tempo, disse que não ia pagar, pois “não sabia se a Escola devia isso mesmo”, uma outra, que acabou de me conhecer, pediu para que aguardasse, reconheceu a dívida e pediu paciência, pois é o momento de reerguer a Escola e que a Vila precisava desse dinheiro agora.
Se é para ajudar a Vila, que assim seja feito. Me parece que a Escola já pagou quatro milhões de dívidas e renegociou outras, torço para que nossa parceria esteja na parte da renegociação. (risos)
No outro dia disseram para mim que “a Vila já pagou, pois eu ganhava muito dinheiro com a ala no fim da Escola” (rs).
Realmente, havia uma ala paga no fim da Escola sob minha responsabilidade. Era um valor simbólico para que meus alunos, na maioria adolescentes, pudessem desfilar. Esse dinheiro era TODO revertido para pagamento de músicos do carro de som.
O salário mensal deles, em média 1 mil reais a partir de novembro, era pago diretamente por mim com esses recursos. Acho que a pessoa que divulga uma imbecilidade destas deveria ter um pouco de dignidade e perguntar aos músicos como recebiam (Gera, Gustavinho, Tinguinha, Victor Alves, Douglas, Davi Sambaí, Guilherme, Rodrigo do Cavaco, Rodrigo Gauz, Salgueiro, Pepe Niterói).
Em 2014, esta ala não sairia, pois eu temia receber a grana dos alunos, repassar aos músicos e não receber as fantasias. Em princípio, abandonamos a ala. Quando vimos o caos, vendemos 100 roupas a 200,00. Inclusive algumas para o Arlindo. Resultado: comparamos algum material paras fantasias que estavam atrasadas, pagamos o sapateiro e demos alguma grana para alguns profissionais que não recebiam, de locutor a diretor de bateria.
Pois bem: a fantasia não ficou pronta e os otários aqui ficaram no prejuízo, pois fiquei fazendo cheques meus para devolver a grana de quem não desfilaria. Depois eu, Arlindo, Bocão e Leonel rachamos o prejú… Mas não me arrependo.
24 – Na disputa do ano passado na Vila, quando você participou e venceu, apenas oito sambas participaram. Na desse ano, quando você já havia avisado que não iria compor, o número mais que dobrou. Na sua visão, essa sua sequência de vitórias prejudicou de alguma maneira a ala de compositores da Vila Isabel?
AD – Seria melhor para a ala que a Vila tivesse sambas inferiores aos que venceram? Acho que a ala ganhou prestígio com os sambas que ganhamos, e sim teve gente que desanimou, pois sabe que a tendência é que nosso samba seja bom e não vamos dar mole no trabalho. Como tudo na vida, lado bom e ruim.
25 – Uma preocupação geral no mundo do samba é com a renovação, principalmente entre os compositores. As vitórias de jovens parcerias no Especial e na Série A são um sinal de que a situação está mudando? Ou são “comprositores”?
AD – Não sei.
26 – Como você avalia o resultado final da junção de sambas de Luiz Carlos da Vila feita pelo presidente e compositor Gusttavo Clarão na Viradouro (acima)? Como acha que o samba vai se sair na Avenida?
AD – É difícil para alguém que conhece o samba do Luiz Carlos original não se incomodar. Acho que o samba vai bem na pista e bem na avaliação, acho que é o melhor do carnaval, mas eu prefiro sem a junção.
27 – Nos últimos anos, muitas parcerias famosas do Rio tem colocado sambas em disputas em São Paulo, as vezes até levando alguns compositores paulistanos para disputas no Rio. Você pensa em voltar a compor para as escolas de São Paulo? Algum compositor paulistano tem chamado sua atenção?
AD – De vez em quando sou chamado para fazer em São Paulo. Fiz bons sambas lá, mas nunca ganhei. Quando faço, geralmente é por insistência de alguém. Conheço pouco o carnaval de são Paulo e suas escolas.
Tem que conhecer mais de lá para fazer melhor para lá. Não digo que dessa água não beberei, mas não é uma coisa que me atraia. O compositor que mais admiro no carnaval de São Paulo é o Márcio Pessi.
28 – Pretende um dia ser Presidente da Vila Isabel?
AD – Não passa pela minha cabeça. Acho, que se eu tivesse essa vontade, já teria sido.
29 – O André Diniz professor de história sentiria vontade hoje de colocar um samba em uma disputa do Grupo Especial pela primeira vez, como fez há mais de 20 anos? Qual o samba de sua autoria de que mais gosta?
AD – Olha, quando vejo minha vida. A profissão que tenho e o prazer que me dá. A relação que tenho com o povo da Vila. Minha esposa, filha, família, alunos, amigos, fé… Acho que faria tudo igualzinho para tentar diminuir o risco de dar um resultado diferente.
Os que mais gosto são os que perderam.
30 – Qual sua avaliação sobre a educação brasileira hoje? E sobre o ensino de História?
AD – A maior decepção que tive com o PT foi essa. Mesmo que entendamos que Educação básica é obrigação de Municípios e Estados, era para ter revolucionado a educação no país, já teve tempo para isso.
Sobre o ensino da história, vejo com tristeza a perda de espaço da disciplina nos concursos vestibulares, que acabam ditando tendências. Como vamos ter jornalistas, políticos, pedagogos,
advogados e economistas competentes, se há desconhecimento do que já se tentou e os resultados de cada tentativa na nossa história ?
31 – O que pensa sobre o momento político atual brasileiro? Percebe diferenças com 1954 e 1964? Acha que corremos algum risco de impeachment ou golpe de Estado?
AD – Nunca vi a grande imprensa brasileira jogar tão sujo. Acho que nem na eleição do Collor. A eleição já acabou e as matérias continuam tendenciosas e escolhidas a dedo. Só um lado é denunciado.
Cadê o helicóptero? Cadê a pressão para julgar o mensalão mineiro? E o mensalão do Dem? E as denúncias de São Paulo?
Então acho que o cidadão deve procurar pluralizar ao máximo suas fontes de informações para diminuir um pouco o poder de manipulação.
Golpe de Estado? Acho que no mundo não há mais espaço para isso, mas não nego que tenho ânsia de vômito quando vejo alguém defender a ditadura ou o Bolsonaro e me assusto com o aumento de seus simpatizantes.
32 – O que acha das alianças políticas feitas pelo governo na composição para o novo mandato da Presidenta Dilma Rousseff?
AD – Não gosto nem das composições políticas e muito menos de boa parte das medidas econômicas que foram tomadas. Só não entendo o pessoal da oposição não gostar. Eram para estar vibrando e apoiando a presidenta.
Aí que a gente vê que é torcida, né? Igual futebol… é o antipetismo.
33 – Como o Editor Chefe do Ouro de Tolo, você é membro há muitos anos da Igreja Messiânica, inclusive casado com uma Ministra (sacerdote). O que pensa sobre o momento atual da instituição?
AD – Acho que a fase de purificação está passando. Durante duas décadas, em minha modesta opinião, colocamos em segundo plano o que temos de mais importante, o Johrei, a assistência religiosa e dedicação. Estar do lado da pessoa que precisa, quando ela mais precisa, essa é nossa cara. Hoje sinto no ar, independente de nomes, uma chama de vontade da retomada do caminho.
34 – Por que as unidades da Igreja, em média, andam vazias?
AD – Este é o resultado que verdadeiramente deve ser observado. Todo o resto, número de outorgas… É abstrato. O concreto na fé é a felicidade, e por mais que ela seja invisível, ela reflete na quantidade de pessoas que frequenta nossas Igrejas. Que todos, dos reverendos ao membros recém outorgados, voltemos aos hospitais, orfanatos, centros de tratamento de dependentes… e mãos de Johrei à obra !!!
35 – Finalizando, com os agradecimentos do Ouro de Tolo, qual seria sua mensagem ao leitor desta revista eletrônica?
AD – Quero mandar uma mensagem de bom carnaval para todos e, para os componentes da Vila em especial, gostaria de pedir que…
Entrem na avenida de cabeça erguida. Não é favor nenhum estarmos no Grupo Especial. Os desconhecedores e os pseudoconhecedores desta festa insistem em dizer que fomos beneficiados em 2014, e em âmbito geral, erga a cabeça, não fomos !!!! Sim, os jurados foram mais do que benevolentes em nossas notas de fantasias e alegorias, mas por outro lado, nossas notas de harmonia, evolução, bateria e samba foram para lá de injustas e compensam o que nos ajudaram. Nosso lugar era aquele mesmo. Não caíamos nós !!!
Hoje, quando se fala de barracão, o carnaval está equilibrado e vai ser decidido no chão. Na nossa voz, na nossa dança, na nossa raça são inigualáveis… Então , se fizermos o que sempre fizemos, ninguém segura a Vila.
Imagens: O Globo, SRZD e Arquivo Pessoal do Editor
Ótima entrevista. E essa útima resposta me chamou a atenção porque eu também concordo que a Vila deveria ter ficado. Só que em 11º.
A meu juízo seria Vila e São Clemente décimo a décimo
Pra mim a São Clemente foi pior em um conjunto.
Desculpe, mas discordo, se sou um dos “desconhecedores” ou “pseudoconhecedores” então sou, pq era lamentável a situação da Vila na Avenida…
Entrevista bastante interessante. Ele finalmente resolveu falar algumas coisas, mesmo que com ressalvas. Mais um ponto alto do Ouro de Tolo neste pré-carnaval.
Ótima entrevista. Os temas abordados fazem a gente conhecer um pouco mais do entrevistado.
Muito boa a entrevista. Parabéns!
Não conheço o André pessoalmente, mas já é a segunda entrevista dele que acompanho (a primeira foi um video feito naquela Feira de Carnaval que ocorreu há algum tempo) e achei suas colocações bem lúcidas e fundamentadas. Parabéns pra ele e pro Ouro de Tolo pela iniciativa e pelas perguntas.
Uma senhora entrevista ! Parabéns ao Ouro de tolo (arrebentando mais do que nunca nesse pré-carnaval) e ao entrevistado pela sua franqueza.
Obrigado, Nathan