Semana passada acabou mais uma temporada de “Ta no ar”. Programa liderado por Marcelo Adnet e Marcius Melhem, expoentes dessa nova geração de humoristas. Casos raros dessa geração que faz humor com conteúdo e sem ofender.
Não foi um grande sucesso de audiência; normal nos tempos de hoje com tanta concorrência na tv e fora dela e em tempos que as pessoas tem preguiça de pensar e adquirir cultura. Mas o programa é um grande sucesso de crítica. Um dos maiores sucessos das redes sociais e colocou o humor em um novo patamar de discussão.
Ok. Nem tão novo assim, mas que estávamos desacostumados a ver. O humor sério.
Sim. Humor sério. Por mais contraditório que pareça esse tipo de humor ele existe. Além das gargalhadas, evidente, a expressão que o programa mais nos trouxe foi de incredulidade e a frase mais repetida “Não acredito que esses caras fizeram isso na Globo”.
Pois fizeram. Imitaram Silvio Santos na Globo. Imitaram Silvio Santos cantando jingle da Globo na Globo. Falaram mal da política, de religiões, dessa cultura preguiçosa de hoje em dia, de celebridades que fazem campanhas sociais apenas para aparecer na mídia, ironizaram anunciantes, programas policiais, o comando do carnaval, resumindo, “tocaram o zaralho” como diriam alguns.
Em todos os programas botaram um militante de esquerda que muito me lembra o dono desse blog e alguns colegas que criticavam ferozmente a Globo e os quadros apresentados no próprio programa. Tudo que o blogueiro dizia é o que boa parte de nosso grupo fala e a coisa foi tão genial que chegou a causar dúvida se a crítica era aos blogueiros de esquerda ou à própria Globo que era criticada e ria sem entender que a história era com ela, como os militares faziam em seu tempo de poder.
O auge veio no último programa, quando em meio a brincadeiras bem divertidas como colocar Antonio Fagundes imitando Menudo o programa tocou em temas como edição do debate de 89, ligação da Globo com os militares e com a Time Life. Coisas que nunca imaginamos que um dia seriam citadas na Globo. O programa acabou fazendo uma crítica forte à tv de hoje.
Esse é o humor sério. O humor crítico. Um tipo de humor que me prende muito atenção.
Evidente que não foram eles que inventaram esse tipo de humor. Quando penso em humor crítico lembro logo de Chaplin brincando com um globo terrestre imitando Hitler e sendo preso porque pegou uma bandeira perdida e colocou em cima do braço para devolver. Chaplin foi um crítico tão feroz que chegou um momento que não pôde mais entrar nos Estados Unidos.
No Brasil tivemos o Pasquim como ponta de lança da resistência contra o regime militar. Mais recentemente Chico Anysio com seu Justo Veríssimo e pastor Tim Tones. O humor muitas vezes deu voz a quem não tinha.
Não é um humor debochado pelo deboche, satírico pela sátira. É um humor oprimido, de quem está de saco cheio e usa a graça como forma de resistência. É um humor raivoso. Raiva do mundo como está, da injustiça, da intolerância e nessa situação o humor serve como arma. Não existe forma maior de desqualificar um opressor que rir dele. Fazer-lhe de chacota. O humor é a última resistência do oprimido. Quando não existe mais jeito de combater o sistema e o status quo ele é o bunker intransponível.
Até porque o opressor geralmente é um idiota que não sabe conviver com a liberdade de ação; então não tem a perspicácia de perceber que estão rindo dele. Seja um opressor fardado ou que se esconde atrás de um tubo de televisão. A Globo ainda não percebeu. Ainda bem.
Acompanho o Adnet faz algum tempo e sempre que ele tem liberdade para criar sai coisa boa. Nos tempos de MTV ele já fizera coisas geniais como o clipe parodiando “Roda Viva”, ironizando a tv. Quando foi engessado saíram porcarias como “O dentista mascarado”. Marcelo Adnet é um ser pensante, não pode ter amarras.
Suas entrevistas dizem isso. Recentemente vi uma dada ao amigo Rica Perrone em que ele falava tudo isso que está escrito aqui. Ele é um ser de opinião, crítico e em um mundo onde as pessoas preferem não opinar ou criticar para não se comprometerem ele faz porque não depende da fama para nada.
E que bom nós termos Marcelo Adnet para falar verdades e a gente rir.
A impressão que me dá é que antes dele ser humorista é um crítico. Um ser pensante e não é um humorista que usa seu dom para por dedo na ferida e sim um cara que insatisfeito com o mundo em que vive usa o humor para mostrar essa insatisfação. Se ele tivesse que escolher entre o riso e a crítica, acho que iria preferir a segunda. Por isso tenho curiosidade de vê-lo um dia em um drama político. Acho que sairia coisa genial dali.
Por enquanto torço apenas para que o programa tenha mais temporadas. Num país que vive numa “DaniloGentilização” congênita e adquirida é muito bom vermos vida inteligente.
Que o “Ta no ar” continue no ar.
Muito bom mesmo. Pode iniciar uma nova era na TV brasileira, não somente na parte de produção!