A essa altura, com a velocidade na circulação de informações, não sei se a Vila Isabel deve, pode ou vai falar de Miguel Arraes no próximo Carnaval. Lendário político pernambucano, avô do ex-governador e candidato à presidência da República Eduardo Campos, morto em acidente aéreo no ano passado.

Arraes, exilado político, “pai dos pobres”, socialista, populista. Seja o que for um dos mais influentes e importantes políticos brasileiros do século XX. Mas será que essas credenciais são suficientes para transformar Arraes em enredo de escola de samba? Esse é a típica pergunta cuja resposta, bem política, é…depende.

Depende da abordagem, do recorte, da “carnavalização”, da maneira que a história será desenvolvida. Mas este não é o tópico a ser abordado nesse texto. Nem mesmo tenho a pretensão de julgar se é válido ou não homenagear Arraes.

Seguindo a linha da semana passada, me vieram à memória alguns enredos em que política e samba caminharam – ou tentaram caminhar juntos. Descontando o período em que louvar figuras proeminentes da História era regra, ou seja, levando em conta apenas o passado recente, a escolha da Vila não é inédita.

Outro político com o rótulo de “pai dos pobres”, o ex-presidente (ou ex-ditador, se alguns preferem) Getulio Vargas passou na Sapucaí mais de uma vez. Salgueiro e Portela não foram muito felizes na quarta-feira de Cinzas depois de exaltar as conquistas trabalhistas da Era Vargas. Há exatos trinta anos, com “Anos Trinta, Vento Sul, Vargas”, a Academia misturou “lé com cré” e falou bem até do Estado Novo, período em que a Constituição foi revogada juntamente com direitos políticos e o Brasil se alinhou perigosamente com os regimes nazifascistas.

portela2000No Carnaval dos 500 anos, em 2000, o retrato do Velho foi colocado novamente no mesmo lugar e a Águia de Madureira repetiu o desempenho morno da coirmã da Tijuca. O gaúcho Getúlio não sacudiu a Avenida construída por um conterrâneo e correligionário.

Nos anos 80, durante o governo de Leonel Brizola, rivais da Mangueira provocavam, não sem uma pontinha de despeito: “depois que inventaram o Brizola, a Mangueira deita e rola”. Queriam atribuir os títulos de 1984 e 1986 da Verde e Rosa a uma suposta afeição especial do governador pela Escola. Em 1987, em outra conquista mangueirense, Brizola estava a poucos dias de deixar o Palácio Guanabara para dar lugar a Moreira Franco. Ao que me convém a relação Brizola e Mangueira nunca passou de pilha ou maledicência.

Fato é que só depois de morto Brizola foi homenageado no Carnaval. E não pela Mangueira, mas pela Inocentes de Belford Roxo, em 2009. Um belo samba não sustentou um desfile pobre plasticamente da Escola da Baixada no Grupo de Acesso A.

Outra política citada num enredo foi a também ex-governadora e deputada federal Benedita da Silva, a Bené. A Caprichosos retornava ao Grupo Especial em 1998 e cantava a raça negra num empolgante refrão (“Quem tem magia no pé, é Pelé/ Quem vem na força da fé, é Mandela/E a voz que veio de lá, da favela/ É da guerreira Bené, salve ela!”). Posições políticas à parte, um belo momento de Pilares abrindo os desfiles de domingo e se mantendo na elite do samba.

beijaflor2003eTambém de forma indireta, o ex-presidente Lula foi lembrado pela Beija-Flor em 2003. A escola levantou o caneco com um enredo que ia de Lampião a Tiradentes, passando pela Revolução Francesa e chegando ao momento político brasileiro em que o slogan “A Esperança venceu o Medo” até apareceu na gravação do samba de enredo (bom samba, aliás) daquele ano. Quem tem o CD ou áudio original pode conferir na voz do Neguinho, caso não tenha se dado conta.

Caso curiosíssimo – agora que já sabemos no que deu – foi o do enredo da Unidos de Cabuçu, em 1990. “Será que eu votei certo pra presidente?”. Mais do que uma dúvida era um canto de esperança. Fernando Collor de Mello havia sido eleito meses antes, no fim de 1989, e o povo não sabia no que ia dar aquele governo (tá certo, muitos podiam até imaginar…mas esse é uma outra história). Leiam a letra, ouçam o samba (que não é lá grandes coisas). É tragicômico passados 25 anos! Tem até referência à novela “Que Rei sou eu?”, um grande sucesso da época. O interessante desse enredo é que ele marca uma mudança em relação ao que vinha sendo feito em matéria de enredos com cunho político.

Nos anos anteriores, durante o processo de redemocratização, escolas como Caprichosos, São Clemente e União da Ilha, entre outras, vinham se notabilizando por críticas sociais. Naquele mesmo de 1990 a Acadêmicos de Santa Cruz fez merecida homenagem ao revolucionário Pasquim, jornal que desafiou os ditadores do Regime Militar. Santa Cruz e Cabuçu terminaram, respectivamente, em penúltimo e último lugar naquele desfile, sendo rebaixadas ao Grupo 1-B.

Nessa retrospectiva político-sambista deixei de lado, de propósito, alguns enredos visivelmente patrocinados por políticos que queriam se autopromover ou aqueles nitidamente bancados pelo dinheiro público com interesses eleitoreiros. Ninguém merece.

SERES UNIDOS DO CABUÇU 1990
“SERÁ QUE VOTEI CERTO PRA PRESIDENTE?”

Autores: Afonsinho, João Anastácio, Walter da Ladeira e Carlinhos do Grajaú

O sol da liberdade
No horizonte enfim raiou (bis)
Com rara felicidade
O povo livre votou

Vejam só
A ironia do destino está presente
Vejam só, parece mentira eu votei pra presidente
Era muita pilantragem
A mais grossa sacanagem
Uma Avilã, podes crer
Por trás de tanta lambança
Uma luz uma esperança
Firme em cada alvorecer

Eu votei
Se votei certo, só mesmo o tempo dirá
Peço a Deus sinceramente (bis)
Que ilumine o presidente
Desde agora, desde já

Proteção ao índio
À flora e aos pantanais
O ouro é nosso
Não deixe ser extintos os animais
Senhor presidente, pra essa miséria ter fim
Faça um governo capaz
Dê melhor vida amor e paz
O povão espera assim

O samba da Cabuçu em 1990

One Reply to “A política entra em cena”

  1. Sempre existe um preconceito com temas ligados a politica, então acho que só saberemos se isso vai dar samba no dia do desfile da Vila Isabel. Mas pela representatividade de Miguel Arraes para o estado, que sabe consigam tirar sacadas boas do político pernambucano.

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