(por Marco Aurélio Capeluppi, ex-campeão brasileiro juvenil e júnior, atleta master)

Há três semanas, encerravam-se os Jogos Pan-Americanos para a natação brasileira e via-se uma certa euforia com a melhor campanha da história da modalidade, na qual igualamos o numero de ouros ao Pan de 2007, quando sediamos a competição, e também o total de medalhas conquistadas ao Pan de 2011 (10 ouros, 6 pratas e 10 bronzes), que havia sido o recorde histórico. Ou seja, tivemos a maior quantidade de ouros e o maior numero de mealhas em uma só edição e, ainda temos de ressaltar, que esta campanha histórica foi realizada em uma competição em que o Canadá levou sua equipe principal e os EUA contaram com nadadoras como Nathaly Caughlin e Allison Schimith (campeãs olímpicas), ou seja, um cenário com competidores fortes e bem diferente de edições anteriores. E tudo isso deixava uma expectativa muito grande para o principal objetivo da equipe no ano, que era o Mundial de Kazan, a se iniciar duas semanas após a competição em Toronto.

thiagopereiraPorém, encerrou-se no último domingo o Mundial de Natação em Kazan e a participação brasileira ficou muito abaixo do esperado. Nesta competição os brasileiros ganharam quatro medalhas: três pratas (Nicholas no 50 borboleta, Thiago Pereira nos 200 medley, Etiene Medeiros nos 50 costas) e um bronze (Bruno Fratus no 50 livre) e atingiram dez finais o, que em princípio, nem poderia ser analisado e encarado como um mal resultado se comparado ao Mundial de Barcelona, em 2013, quando saímos com dois ouros e três bronzes. Mas estamos a um ano dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e a expectativa era muito maior se levarmos em consideração os tempos obtidos em competições anteriores e a posição dos atletas nos rankings mundiais e, no próprio Pan-Americano, quando alguns atletas nadaram “pesado”.

Pra entendermos este termo “nadar pesado” é importante explicar um cenário que para alguns que estão fora do esporte possa ser mais difícil de entender: a natação é um esporte que exige muito treinamento e todos os resultados são baseados em estudos fisiológicos em que os treinadores montam ciclos de treinamento de 30, 40, 60 semanas, com várias fases de neste período, nas quais o pico de performance será no final deste ciclo e é justamente quando os atletas atingem seu ápice, o que para a maioria dos nadadores, nesta temporada, foi o Mundial.

Explicado isso, temos de salientar que muitas nadadoras brasileiras fizeram sua preparação para o Pan e “seguraram as pontas” em Kazan, porém, a maioria da delegação brasileira visou ao Mundial e deu apenas uma pequena descansada para nadar em Toronto. Portanto, tínhamos uma expectativa muito grande pra uma significativa melhora de tempos e posições visando a nadar muitas finais que nos propiciariam boa experiência em situações de pressão em grandes competições. Isso será, justamente, o cenário a ser encontrado em numa Olimpíada dentro de casa no ano que vem.

Vamos analisar neste artigo apenas as provas olímpicas, pois é o que nos interessa neste momento, e neste aspecto, saímos de Kazan ainda mais preocupados e com sérios questionamentos para próximo ano. Nestas provas tivemos apenas duas medalhas (prata do Thiago Pereira nos 200md e bronze do Bruno Fratus nos 50 livre), nadamos apenas 5 finais (100 livre com Chereguinni em quinto, quarto lugar do revezamento 4×100 livre masculino e sétimo lugar Henrique Rodrigues nos 200 medley) e garantimos 14 semifinais. Ou seja, o resultado ruim no número total de medalhas obtidas é apenas a consequência de não termos nadado um numero bom de semifinais e finais. É uma questão lógica: se você não está na disputa não pode ganhar e isso que é um fator que nos faz ligar o alerta vermelho neste último ano de preparação para os Jogos.

Esse cenário de poucas finais pode ser explicado, por um lado, pela proximidade de duas competições tão importantes como Pan-Americano e Mundial. Porém, isso não me convence muito pois como falamos, a maioria dos atletas brasileiros passou batido por Toronto visando a bons resultados em Kazan.

leodedeusPortanto vamos focar em alguns maus resultados individuais, como por exemplo Leonardo de Deus, de quem se esperava uma medalha na prova dos 200 borboleta e o resultado não passou de um amargo nono lugar, sem ao menos chegar à uma final. Se pensarmos que no Pan, nadando pesado, ele havia feito 1m55s0, e vinha como o quarto melhor tempo do ano, esperava-se dele um 1m54s baixo, o que lhe garantiria uma medalha no Mundial. Porém, ele não passou de 1.56 na semi final e, mesmo assim, ficou como o primeiro reserva. Já pensando em 2016, ele vai ter de crescer e melhorar muito pois teremos de volta Michael Phelps e Kozuke Hagino (o primeiro ausente por suspensão, e o segundo por contusão), Le Clos querendo o bi olímpico (já que foi criada uma rivalidade tremenda entre o sul-africano e o americano) e Lazlo Cseh cada vez mais focado nesta prova. Ou seja, um ótimo resultado daqui um ano seria uma final a não ser que recolha os cacos do Mundial caia na água e venha pra casa do 1m53s baixo porque Phelps acabou de fazer 1m52s no campeonato americano.

cieloOutra grande aposta de medalhas da natação brasileira nos últimos tempos, Cesar Cielo, sequer chegou ao fim do campeonato, sendo cortado por lesão (há algumas pessoas que não acreditam nesta versão mas não nos cabe neste momento questionar isso), após um sexto lugar na prova dos 50 borboleta. Porém, mesmo que estivesse bem, o que Cielo poderia fazer era brigar por uma medalha nos 50 livre e pouco ajudar no revezamento 4×100 livre pois faz tempo que ele despriorizou esta prova para se focar somente nos 50 livre. Ou seja, não devemos pensar em contar com Cielo para 2016 que não seja nos 50 livre. Uma pena pois Cielo é o recordista mundial dos 100 livre e poderia ajudar e muito o revezamento que tem boas possibilidades de medalha no ano que vem. Principalmente se Matheus Santana voltar achar o seu caminho e nadar para os 47s que todos esperam dele, mas falaremos dele mais adiante. Do Cielo se espera que honre mais a condição de campeão mundial e olímpico e recordista mundial e venha forte e brigando pelo ouro nas provas do 50 e 100 metros livre. Capacidade tem, falta vontade.

Outro que abriu mão de nadar uma prova que é medalhista olímpico foi Thiago Pereira, que abdicou dos 400 medley e hoje concentra todas suas forças na prova dos 200 medley. Pensando que ele foi medalha de prata nesta prova em Kazan poderíamos ficar animados, mas, convém lembrar que não tínhamos no Mundial três nomes importantes: Lazlo Cseh (que no Mundial priorizou os 200 borboleta foi campeão e não nadou a semifinal dos 200 medley no mesmo dia), Michael Phelps (cumprindo punição americana) e o japonês Kozuke Hagino (contundido). Todos esses tem tempo melhor que o brasileiro e o Thiago precisaria se superar para conquistar uma medalha nesta prova em 2016. Ao contrário, os 400 medley tem tempos mais próximos da realidade do Thiago e, hoje, ele estaria brigando com o japonês Daya Seto como os dois principais nomes da prova no mundo. Espero que após o Mundial ele mude de ideia, olhe os resultados e veja que esta prova está muito mais em aberto e resolva encarar os treinamentos para nadar os 400 medley no Rio de Janeiro.

etienePorém, não só de pessimismo e maus resultados saímos de Kazan. Etiene Medeiros ficou em nono lugar e nadou, mais duas vezes, para a casa dos 59 segundos na prova dos 100m costas. Pode parecer pouco mas até pouco tempo atrás, ela sequer nadava esta prova porque achava longa demais. Assim como a maioria dos nadadores velocistas brasileiros, ela tinha preguiça de treinar para algo maior e se concentrava só nas provas de 50. Mas o cenário mudou e agora parece que ela colocou na cabeça que tem grandes chances nesta prova e que em Jogos Olímpicos não há a prova de 50 costas, na qual ela já ganhou o Mundial de curta em Doha ano passado (com recorde mundial) e agora levou a prata na longa. Pode ser boa aposta.

Outra boa surpresa desta temporada Pan + Mundial foi Guilherme Guido, na mesma prova dos 100 costas. Ficou em 14º nadando pra 53 alto em Kazan mas no Pan chegou a fazer um 53s1 e é isso que nos enche de esperança. É outro que fugia da prova dos 100 metros e agora já encara como a esperança de estar nas Olimpíadas e brigar por algo maior. Acertando a cabeça e não sentindo a pressão em momentos importantes, como costuma fazer ,pode surpreender os favoritos dentro de casa.

Das boas promessas que podem se tornar realidade no ano que vem temos Matheus Santana, que ano passado ao vencer os Jogos Olímpicos da Juventude, com um tempo de 48 baixo nos 100 livre, foi alçado à condição de novo Cielo e grande esperança de medalha para o Brasil nas Olimpíadas do Rio. Porém, esta pressão não fez bem ao garoto que acumulou resultados medianos em 2015 e, apesar de ter ficado em nono no Mundial, não conseguiu sequer repetir o tempo da vitória do ano passado. Que este tenha sido um ano de aprendizado e que ele encontre o caminho no meio da pressão e venha forte para nos ajudar na prova individual e, principalmente, no revezamento 4×100 livre que, pra mim, é uma das chances mais reais de medalha pra 2016.

Outra esperança que vem construindo boa história na natação, mas que despontou efetivamente para o mundo competitivo internacional no Pan, é Brandon Pierre. O tempo de 4m14s nos 400 medley, que lhe deram inclusive a medalha de ouro após a desclassificação do Thiago, é muito bom e suficiente para credenciá-lo à briga para uma final no ano que vem. E, se pensarmos que ele vem em ascensão plena nos tempos, pensar em algo abaixo dos 4m10s não é utopia e com isso ele se candidataria a uma medalha. Daqui a duas semanas ele nadará o Mundial Junior e teremos uma amostra mais precisa do quanto ainda podemos esperar dele já para o ano que vem.

Temos a obrigação de citar nomes que vinham meio esquecidos neste ciclo olímpico e se recuperaram a tempo ou despontaram totalmente a ponto de surgirem como esperanças de disputar uma final no ano que vem como a Joanna Maranhão e os seus 200 e 400 medley, João de Lucca pela prova dos 200 livre do Pan, e até Manuela Lyrio com os 200 livre já consolidado na casa do 1.58 e que pode pensar no 1.57 e até 1.56. Não podemos esquecer, também, do não bom tempo do Felipe França nos 100 peito no Mundial mas que, pela temporada equilibrada que fez e por nadar várias vezes para 59 baixo, ainda pode evoluir a ponto de brigar por um pódio olímpico.

Analisando tudo isso, concluímos que teremos uma equipe mediana para os Jogos em casa, porém, mais a mais forte e coesa de todos os tempos. Não seremos a nova potência mas vejo chances reais de medalhas nos 50 e 100 livre masculino, 200 e 400 medley masculino, e revezamento 4×100 livre masculino. Podemos ter alguma esperança em provas como os 100 costas masculino e feminino e 100 peito masculino e até 200 borboleta masculino. Ainda temos um ano até os Jogos e muita coisa pode acontecer, porém, conquistar até cinco ou seis medalhas é possível, sete ou oito seria um resultado maravilhoso e grandioso, mais do que isso é sonhar demais.