E os temiminós, por onde andariam?
Dois anos depois, os temiminós retornaram mais vingativos, comandados por seu chefe, o índio Martim Afonso Araribóia – nascido em 1524 na ilha de Paranapuã, Ilha do Governador e depois batizado pelos portugueses como Martim Afonso de Sousa. Nesse contexto, o auxílio dos temiminós foi de grande importância para a colonização portuguesa, que enfrentava os franceses e os tamoios pela posse do território. Como recompensa pelos serviços prestados aos portugueses na expulsão dos invasores franceses, de acordo com Maria Regina Celestino de Almeida, Araribóia acabou agraciado com o Hábito de Cavaleiro da Ordem de Cristo, com o posto de capitão-mor da aldeia de São Lourenço além de uma pensão de 12 mil-réis e casas na Rua Direita – atual Rua Primeiro de Março – no centro do Rio de Janeiro, onde morava a nata da sociedade colonial da época. Era prática comum que os portugueses valorizassem os feitos dos indígenas, com títulos, favores, patentes militares, entre outras concessões. Foi oferecida a ele uma porção de terras situadas onde hoje se localiza a cidade de Niterói. O aldeamento de São Lourenço foi a porção escolhida, sendo este considerado o primeiro polo de fundação do município de Niterói.
Segundo Vivaldo Coaracy,
“(os temiminós) não se instalaram de novo na Ilha de que haviam sido expulsos. Estabeleceram-se, a princípio, junto aos mangues de São Diogo, na Aldeia de Martinho, donde se transferiram para as terras que, do lado oposto da baía, Antônio de Marins cedeu a Araribóia, que nelas fundou o aldeamento de São Lourenço” (COARACY, 2008)
Atualmente esta região localiza-se no entre São Domingos e Gragoatá, em Niterói. É importante destacar, contudo, o papel que Araribóia teve como agente intermediário entre duas culturas distintas, sendo fundamental para a ajuda da colonização da Baía de Guanabara, desfrutando de grande prestígio junto aos portugueses.
Mas não bastava a pacificação dos tamoios e a expulsão dos franceses. Era preciso povoar a cidade do Rio de Janeiro.
Sucederam-se dois combates dos temiminós contra seus encarniçados inimigos tamoios. No primeiro, nenhum tamoio saiu com vida. E no segundo, no mesmo ano de 1567, no mês de janeiro, os portugueses participaram de um episódio de grande importância para a consolidação de sua vitória contra os tamoios e franceses. Foi o entrincheiramento de Paranapuai – ou “paliçada de Paranapuã”. Entende-se por paliçada uma espécie de arquitetura militar, de defesa, formada por um conjunto de estacas de madeira, fincadas verticalmente num terreno, visando criar obstáculos junto ao inimigo. Cada paliçada defendia uma aldeia. Uma paliçada dos índios tamoios localizava-se numa ponta do Galeão. Outras quatro aldeias estavam espalhadas ao longo da Ilha. Com a destruição da paliçada da ponta do Galeão, tinha início a destruição dos aldeamentos tamoios naquelas paragens. Tropas de Mem de Sá atacaram a paliçada e escravizaram cerca de mil tamoios. Os tamoios que não foram escravizados, morreram em combate. Podemos destacar, contudo, não mais a predominância de rituais antropofágicos que antes ocorriam após a morte do inimigo. Consideramos, portanto, a influência cristã, graças à catequese dos jesuítas, exercida junto aos temiminós.
Outra questão que merece especial atenção diz respeito à retomada do povoamento dos temiminós na região, após derrotarem os tamoios. Graças à interferência de Mem de Sá, que fizera convite aos temiminós para que ficassem, foi possível a reocupação e povoamento do Rio de Janeiro novamente. A instalação dos temiminós, após a vitória contra os tamoios e franceses, porém, ainda é motivo de análise de muitos historiadores, já que muitos temiminós permaneceram na aldeia da Conceição, na capitania do Espírito Santo. Um dos fortes argumentos seria que o vínculo dos temiminós, pelo lado de Araribóia, talvez não fosse tão forte, a ponto deles retornarem ao Rio e após a vingança contra os inimigos, quisessem permanecer por aqui.
Um dos legados dos Maracajás foi a denominação feita pelos portugueses, que passaram a chamar a ilha de Ilha do Gato. Entretanto, como o então governador Salvador Correia de Sá reservara para si uma parte da localidade, disposto a cultivar uma lavoura de cana-de-açúcar, erguendo um engenho para tais fins, a ilha mudou novamente de nome, passando definitivamente a ser conhecida como “Ilha do Governador”.
Segundo Vivaldo Coaracy,
“Dias depois do assalto a Uruçumirim, plausivelmente ainda em Janeiro, foram tomados os últimos redutos dos franceses na ilha de Paranapecu (hoje do Governador) e definitivamente dispersados. Tamoios e Franceses que escaparam retiraram-se para o interior. Dos franceses pode-se presumir que muitos tenham buscado as paragens de Cabo Frio onde teriam sido recolhidos pelos seus compatriotas que ali continuaram ainda por muitos anos a vir contrabandear pau-brasil.” (COARACY, 2008)
Por fim, Maria Regina Celestino de Almeida ressalta muito bem a importância do estudo e análise mais apurada sobre os temiminós:
“A trajetória dos temiminós revela uma realidade bem diferente. Em vez de desaparecerem, reelaboraram culturas, memórias e identidades que lhes permitiram sobreviver por três séculos como índios da aldeia de São Lourenço. Esta identidade, sugerida ou imposta pelos colonizadores, foi por eles apropriada e amplamente utilizada, como demonstram as petições dos líderes que enfatizam a procedência do grupo a partir do estabelecimento da aldeia e da doação de terras. Esses documentos são mais uma evidência de que os índios da Colônia não desapareceram, nem deixaram de ser agentes da História.” (ALMEIDA, 2008)