No último final de semana chuvoso no Rio passei a noite de sábado no Now, serviço disponibilizado pela operadora de TV a cabo Net e que coloca conteúdo sob demanda dos canais disponíveis no lineup da operadora.

Um destes conteúdos é uma série de documentários da Espn chamada “30 for 30”, com diversos aspectos da cultura esportiva americana. Entre outros estão disponíveis “Once Brothers” – do qual já falei nesta revista eletrônica – e “When the Garden is a Eden”, sobre o time dos Knicks campeão em 1970 e 73. Mas neste sábado o documentário a que assisti foi outro: “Broke”.

Realizado em 2012, “Broke” estuda os motivos que levam 60% dos jogadores da Liga Americana de basquete (NBA) a estarem quebrados após cinco anos de aposentadoria e 78% dos jogadores de futebol americanos sofrem com problemas financeiros após três anos de sua retirada. Com depoimentos de vários ex-jogadores, jornalistas e consultores financeiros, o documentário elenca os motivos que levam a este quadro de dificuldades financeiras não somente pós-aposentadoria como ainda durante a carreira.

Alguns dos fatores elencados são os seguintes:

. Gastos em Excesso/Ostentação: despesas em excesso, em coisas como roupas, carros, noitadas e joias. Sentimento de sempre querer competir com o colega e se achar/estar melhor que ele via consumo – significava status;

. Falta de Preparo Financeiro: no sistema universitário americano os jovens saem da faculdade, onde não recebem remuneraçãom para assinarem contratos muitas vezes milionários nas grandes ligas. Não há um preparo destes jovens para lidar com a mudança repentina da realidade.

. Ascensão Muito Rápida: o esporte é visto como ascensão social e financeira de jovens muitas vezes pobres que, quando assinam seus primeiros contratos, ficam meio sem saber o que fazer. Um dos casos citados é a do jogador de baseball que recebeu um cheque de US$ 1 milhão como primeiro pagamento e o emoldurou ao invés de fazer o desconto;

. “Parentes Serpentes”: de uma hora para outra o jogador se sente obrigado a sustentar um monte de parentes e “amigos”. Autoexplicativo.

strahan divorce. Divórcio: caros divórcios também são apontados como razões de bancarrota financeira de atletas. Muitos destes atletas não fazem pactos pré-nupciais e depois sofrem as consequências quando de separações, muitas vezes nada amigáveis;

. Filhos e Pensões Alimentícias: muitos filhos, com mulheres diferentes, tendem a gerar pensões alimentícias como “ralo” de dinheiro. Outro ponto é que após o final da carreira normalmente não se pede uma revisão das pensões de forma a haver a adequação à nova realidade financeira do agora ex-atleta;

. Investimentos Ruins: muitas vezes, os atletas acabam investindo seus rendimentos em negócios que prometem retorno alto mas que muitas vezes são verdadeiras arapucas. Algo que não se percebe é que o talento dentro dos campos e quadras dificilmente se reflete em outras áreas, como a de negócios – algo exacerbado pela inata característica competitiva destes;

. Falta de Aconselhamento Financeiro: colocar a administração das finanças nas mãos daquele primo metido a entendedor ou ainda no agente que negocia o contrato não necessariamente significa uma boa gestão de recursos;

. Consultores Desonestos: esta é autoexplicativa. Consultores financeiros que lesam os clientes de forma sub reptícia;

. Contusões: especialmente no futebol americano, as contusões são bastante frequentes e muitas vezes podem encerrar de forma prematura a carreira. Até 2012 a indenização nesse caso era praticamente inexistente, mas de lá para cá estão se estabelecendo regras (especialmente na NFL) a fim de minorar esta questão;

gettyimages-4903318701. Duração da Carreira: há a expectativa de uma carreira duradoura ou longeva, mas por exemplo na NFL a média de carreira dos atletas é de pouco mais de três anos. Além disso, supersalários não são a regra, e sim exceção. Mesmo os atletas mais bem sucedidos nas grandes ligas raramente excedem uma década em suas trajetórias esportivas profissionais;

. Imposto de Renda e Valores Garantidos: os valores anunciados com estardalhaço pela imprensa ainda sofrem descontos de imposto de renda (que podem chegar a 50% do valor em alguns estados). Além disso, os valores garantidos que cada atleta recebe são inferiores aos anunciados;

Estes são os principais fatores, mas obviamente há outros que também influenciam no quadro apontado pelo documentário. Vale ressalvar que há iniciativas como a da NFL e da NFLPA (a associação de jogadores), que fazem um trabalho com os calouros a fim de conscientizar os novos jogadores aos aspectos financeiro e de marketing – neste link, o encontro de 2014.

O documentário trata da realidade americana, mas não é algo muito diferente do que ocorre aqui no Brasil, especialmente no futebol. Sabemos de muitos casos de jogadores do nosso futebol que pouco após a aposentadoria aparecem em dificuldades financeiras, pedindo ajuda ou mesmo se adaptando a um padrão de vida bem diferente dos tempos áureos de dinheiro e fama. Ou seja, o que está listado acima é bastante semelhante ao que vemos aqui no Brasil, podendo ser tomado como um guia do que não se fazer.

Guardadas as devidas proporções, esta é uma situação que também ocorre nas escolas de samba. Os valores envolvidos são bem menores em média, mas aqueles que têm bons salários são uma minoria neste mercado. Vale lembrar o caso de Joãozinho Trinta, que ao morrer sequer plano de saúde tinha e dependeu da boa vontade do governo maranhense em seus últimos anos de vida. Ou ainda o grande Aroldo Melodia.

Ao final, “Broke” dá algumas dicas de investimento e confecção de portfólio aos esportistas, bem como algumas regras comportamentais e de poupança/gasto racional de recursos – bem como mostra “voltas por cima” e outras nem tanto dos ex-atletas que deram depoimentos. É um bom panorama da realidade do setor – demonstrando que o “conto de fadas” dos esportistas se restringe a uma minoria.

Não pesquisei se está disponível no Youtube, mas no Now está como gratuito para os assinantes da ESPN. Recomendo a todos que gostam de esportes e especialmente de gestão esportiva.

Imagens: Espn, New York Post e Getty Imagens

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