Na sexta-feira, dia 11 de dezembro, o amigo colunista Walter Monteiro publicou, aqui mesmo neste blog, texto interessantíssimo sobre quatro cenários inusitados (mas não impossíveis) para o desfecho da crise política brasileira.

Apressei-me em ir construindo esta coluna sobre uma quinta hipótese. E fui sendo sucessivamente atropelado pelos fatos. Afinal, qualquer coisa escrita no Brasil de hoje pode virar pó amanhã pela manhã. Não garanto que isso não venha a acontecer entre a redação final e a edição desta coluna.

Uma das virtudes do texto original é nos fazer imaginar os desdobramentos múltiplos da situação, despertando uma nova vertente para cada cenário, ou várias. O autor começa reconhecendo que as duas hipóteses iniciais são as mais óbvias: Dilma fica e nada muda; Dilma sai e Temer segue, com as mudanças imagináveis. Acrescenta – e lembra que a limitação do espaço é o que estabelece este número – mais quatro cenários, a saber: Dilma segue, mas o PT não (Dilma fora do PT); evangélicos chegam ao poder; Judiciário no comando e; intervenção militar. A linha da coluna é, no todo, bastante pessimista. E não sem razão, eu complementaria.

dilmarousseff2015Eu sou levado e crer que o desenho de cenários mais ou menos estanques também se deu por um fator espacial e lógico. O Walter é imaginativo o suficiente para saber que o céu é o limite e a realidade, seja ela qual venha a ser, provavelmente será encontrada no mix de soluções políticas. E foi com este espírito que eu peguei a soma de elementos característicos dos quatro cenários pessimistas para construir uma quinta hipótese que, por incrível que possa parecer, é otimista (ou, pelo menos, otimista pela luz das minhas convicções).

Antes, vamos estabelecer quais são os atores desta tragédia. E quais podem assumir (ou manter) o protagonismo. A Presidenta Dilma Rousseff. Seu vice e atual antagonista Mimimichel Temer, primeiro na linha sucessória. Eduardo Cunha, Presidente da Câmara Federal e segundo na linha sucessória. A Câmara Federal. O Senado. Renan Calheiros, Presidente do Senado e terceiro na linha sucessória. Os partidos políticos (em especial, o PT, o PMDB e o PSDB). O STF, vulgo Supremo. Ricardo Lewandovsky, Presidente do Supremo e quarto na linha sucessória. A imprensa. As instituições que têm efetiva representatividade política e social, tais como OAB, ABI, CUT, MST, FIESP. Aquilo que é chamado de “as ruas”, com suas vertentes. Aquilo que é chamado de “mercado” e o cenário econômico como um todo. As Forças Armadas brasileiras. Governadores e prefeitos, independentes de partido ou posição. Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República. Sérgio Moro, juiz. Ciro Gomes, ex-ministro e ex-governador, candidato a ministro, herói, Presidente, bombeiro, incendiário, avatar-de-Brizola ou qualquer papel que possa lhe caber e pareça interessante. José Eduardo Cardozo, o dúbio Ministro da Justiça de Dilma. Lula, pelo simples fato de ser Lula.

Para traçar cenários futuros é preciso olhar um pouco para o passado recente e para o momento atual. Vamos partir da premissa de que esta crise política tem um marco inicial, apesar de sabermos que a História é um continuum. E vamos estabelecer este marco na noite de 26 de outubro de 2014, mais precisamente o momento exato em que o sorriso vencedor de Aécio se transformou em um cenho fechado de decepção pela virada de Dilma na contagem de votos. Este momento detonou uma série de outros acontecimentos, percepções, oportunidades, riscos e ambições correlatos e interativos, até chegar ao seu ápice, uma tempestade que conjuga fatores.

era-vargas-resumo-getulio-vargasVale lembrar a frase de Carlos Lacerda sobre Getúlio Vargas em 1950: “O Sr. Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”

A frase estabelece uma verdade histórica da direita brasileira sobre governantes minimamente comprometidos com uma agenda progressista. De tempos em tempos, este espírito antidemocrático volta a atormentar nossas vidas. No momento em que o sorriso vencedor de Aécio se transformou em decepção pela derrota inequívoca, este espírito foi novamente conjurado.

Aconteceria com qualquer candidato eleito por um PT vencedor de uma eleição presidencial pela quarta vez seguida. Aconteceria se o candidato fosse de esquerda, ou pelo menos progressista, sendo ou não do PT. Aconteceria sem dificuldade econômica alguma. Aconteceria sem a formação da bancada mais corrupta, conservadora e retrógrada do Congresso nas últimas décadas. Aconteceria sem a presença, em posições-chave da República, de um conjunto único de pilantras do mais alto gabarito. Aconteceria sem a cintura dura de Dilma para a negociação política. Aconteceria mesmo sem a inapetência total do governo e de sua líder para a comunicação. Aconteceria sem o fato de Dilma ser mulher, rígida e ex-guerrilheira. Aconteceria sem a arrogância e o voluntarismo da cúpula petista. Aconteceria sem uma crise econômica global. Aconteceria sem uma escalada de conquistas sociais e trabalhistas que passou a limitar as causas da formação e manutenção do fosso social brasileiro. Aconteceria sem a política internacional soberana, sem o crescimento da importância dos BRICS no cenário mundial, sem o protagonismo diplomático brasileiro recém-conquistado. Aconteceria sem o pré-sal e a gestão nacionalista de recursos estratégicos. Aconteceria sem a paúra de setores da elite econômica brasileira que têm calafrios a cada vez que sai uma nova lista de delatados nas operações da Polícia Federal.

Com Dilma e todas as suas circunstâncias, citadas acima, ergueu-se o altar perfeito para que o tal espírito golpista fosse conjurado. Por outro lado, para o bem e para o mal, Dilma não é Getúlio. Tampouco é Jango ou Collor. Nem o PT e todo o aparado à sua volta se assemelham às bases de sustentação dos presidentes citados. Principalmente depois de mais de uma década no poder. Derrubar Dilma não é, não está sendo, nem jamais será uma tarefa fácil.

Michel TemerSão estas as circunstâncias que me levam a desenhar uma quinta via, a ser somada às quatro hipóteses desenhadas aqui pelo Walter. Continua mais provável que Dilma simplesmente fique; ou que, se não ficar, um governo Temer faça as vezes da guinada esperada pela direita nacional.

Ora, é justamente esta expectativa de uma guinada à direita, desde antes do pleito de 2014, que mina as condições de governabilidade do Brasil, e mesmo reforça as agruras dos impactos da crise econômica globais sobre nosso dia-a-dia. Cada vez mais, setores mais amplos da sociedade se dão conta disso. As manifestações recentes, nas ruas e nos gabinetes, mostram isso. Ou é Dilma, ou é a capitulação ao golpe. E, cada vez mais, fica claro que a oposição a Dilma, venha como vier, será percebida exclusivamente como golpe. Com todas as consequências para a formação histórica do País, reflexos para a democracia por várias décadas, reações esperadas vindas de vários setores e desmoralização internacional.

Portanto, a aposta é que, em caso de endurecimento da campanha golpista a qualquer preço, fiquem fechadas todas as portas para a reconciliação nacional. Neste caso, assumir um lado seria inevitável para todos os players deste jogo. E a retomada da normalidade na vida econômica, social e política do Brasil só se daria pela eliminação do lado perdedor.

É sintomática a posição tomada pelo STF sobre as manobras do Cunha na Câmara ao tentar pautar sob sua vontade pessoal as regras do processo do impeachment. Ao negar esta possibilidade, o Supremo tende pela legalidade, sinaliza com alto grau de clareza que não olhará passivamente um golpe passar por debaixo de seu nariz. É cedo para ter certeza das reações dos juízes sob circunstâncias mais duras, mas eu começo a apostar que serão guardiões da ordem democrática.

Diante desta reação do Supremo, as alas mais radicais do golpismo já declararam que “partirão para a ignorância”. Este é um cenário definitivo de rompimento da normalidade democrática e da necessidade de tomada de posições duras em contrapartida. Caso isso realmente ocorra, eu começo a apostar naquilo que estamos aqui chamando de “quinta hipótese”, ou seja, a soma das forças que poderiam ser agrupadas em torno da governabilidade e da estabilidade.

Por Victor Soares/ABrUm personagem fundamental neste agrupamento de forças é o ex-Presidente Lula porque, afinal, tudo se resume não apenas à possibilidade de que as políticas públicas progressistas continuem por mais três anos, mas também por uma sequência posterior previsível de mais dois mandatos de Lula (ou um, se mudarem as regras). O desgaste de Lula, colocado também como alvo prematuro da oposição, é evidente. Para todos os lados envolvidos, um armistício político precisa do silêncio de Lula para ter sucesso. Por um período, que seja.

Como bom negociador que é, Lula deveria propor sair de cena por, pelo menos, dois anos. E só voltar ao protagonismo caso o projeto progressista corra riscos no próximo pleito. Isso não só abriria espaço na agenda de governo, como descolaria o governo da campanha de 2018.

Num cenário assim, Dilma poderia sair do PT sem que isso significasse uma afronta ao partido, apenas a sinalização de que a saída para a conciliação deixaria o campo partidário e abraçaria os campos social e político. Tomada aqui a palavra “política” como a expressão das forças da sociedade que não estão engessadas por bandeiras eleitorais, mas que constroem o pensamento nacional. Dilma, fora do PT, poderia formar um ministério sem políticos. Ou com personalidades, políticos ou não, que representassem mais do que suas camisas partidárias. Ciro seria o nome central, e seu “sucessor” escolhido tacitamente. Isso equilibraria o jogo entre direita e esquerda em torno deste ponto central, diminuindo o extremismo.

Este modelo seria blindado pelo Supremo. Em troca – não sejamos ingênuos – de um grande naco de poder aos juízes. A votação sobre as manobras de Cunha já indicaram claramente que há Gilmar Mendes, sempre disposto a barrar qualquer coisa que se assemelhe ligeiramente à luz, ao progresso, à Justiça; e, de outro lado, dez juízes mais ou menos volúveis a qualquer tipo de proposta, inclusive algumas das melhores delas. Não é difícil imaginar que este corpo de juízes possa se afeiçoar à ideia de dispor de todo poder real por mais três anos, deixando ao Executivo a gestão das questões cotidianas.

Isso imobilizaria a tendência obscurantista do atual Congresso, protegendo os direitos conquistados e que são, de maneira geral, matéria simpática aos homens de toga. A sinalização seria a de que este tipo de matéria seria judicializada caso a caso, freando a onda conservadora.

quem-e-silas-malafaia-2Por outro lado, há uma tendência em muitas denominações religiosas de não se unirem a esta onda, senão que por receio da formação de uma outra onda oposta, a da liberalização de costumes que eles julgam excessiva. Cumpriria ao Supremo, neste pacto, também a missão de, por assim dizer, congelar a conquista de liberdades além do que já foi conquistado.

Apaziguadas estas questões, caberia ao Executivo cumprir uma agenda que garantisse a retomada do crescimento num ambiente menos conturbado. Dilma ficaria, portanto, restrita a uma área em que, apesar das polêmicas naturais, ser a da sua formação pessoal. Se uniriam a ela o empresariado interessado no crescimento nacional, que é politicamente fraco no Brasil, mas não é minoria numérica. Este empresariado, hoje atacado pelos setores da Justiça que se uniram ao golpismo, seria blindado pelo STF.

As Forças Armadas seriam contempladas com uma agenda de defesa de questões relacionadas à segurança nacional, com a garantia da continuidade dos programas militares. Salários e equipamentos poderiam completar o pacote.

A oposição teria a escolha entre fazer o seu papel de oposição democrática, votando as matérias segundo suas convicções, mas engessada na vontade golpista. Prepararia, portanto, sua agenda para 2018, com um projeto que se confrontasse com o projeto de governo. O mesmo poderia ocorrer com o PT, uma vez que não fizesse formalmente parte do governo.

Quanto aos radicais, como bem lembrou Dilma, não resistem a uma pesquisa no Google. Como quase todos, incluídos aí os nomes de destaque como Cunha, Aécio e Temer, respondem ou poderiam facilmente vir a responder a processos, os juízes apontariam permanentemente a adaga da lei sobre suas cabeças.

Alguns desses nomes, dentre os quais dezenas de deputados, senadores, prefeitos, governadores e dirigentes partidários, de todas as vertentes e ideologias, poderiam ser imolados numa grande fogueira da limpeza política. Cada parte daria a cabeça de alguns dos seus, aplacando a sede de sangue da opinião pública, dando ao País a sensação de moralização da coisa pública e sinalizando um desfecho legitimado e infeliz para todos os que se opusessem à nova ordem.

Idealmente, algumas agendas em atraso, como a reforma política, poderiam ser cumpridas por judicialização. Ou seja, a quinta hipótese é a manutenção formal da Presidenta Dilma, com transferência de parte considerável do poder ao Supremo e esvaziamento do poder do Congresso, para formação de um novo quadro político-partidário e um recomeço em 2018.

Improvável? Sim, eu continuo apostando na primeiríssima hipótese: Dilma fica e ponto final. Mas a democracia pede alternativas viáveis que não passem pela rendição ao golpismo, em caso de endurecimento do quadro.