Hoje entraremos nos quesitos plásticos, normalmente aquele no qual as escolas costumam ser mais punidas.
Seguindo a ordem do ano passado, vamos a fantasias, no qual muitas vezes o problema nem é do carnavalesco que concebeu o protótipo mas do responsável por reproduzir em massa o protótipo pensado pelo primeiro.
Este é mais um quesito dividido igualmente em subquesitos: concepção e realização, ambos variando de 4.5 a 5.
Módulo 1
Julgadora: Regina Oliva
Notas
- Estácio – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
- União da Ilha – 9.8 (realização 4.8)
- Beija-Flor – 9.8 (concepção 4.8)
- Grande Rio – 9.9 (realização 4.9)
- Mocidade – 9.9 (realização 4.9)
- Unidos da Tijuca – 10
- Vila Isabel – 10
- Salgueiro – 9.9
- São Clemente – 9.9 (realização 4.9)
- Portela – 10
- Imperatriz – 10
- Mangueira – 9.9 (concepção 4.9)
Oliva é julgadora antiga, com algumas notas polêmicas que tinha sido afastada e retornou na completa mudança do ano passado, no qual fez um excelente trabalho.
Infelizmente esse ano ela voltou a namorar com a polêmica.
Para começar, talvez a justificativa mais polêmica do ano: o Salgueiro perdeu um décimo porque estava muito vermelho e branco, as cores da escola. A julgadora canetou a falta de variação nas cores.
Que péssima justificativa para o carnaval! Agora as escolas sequer podem vestir suas cores em paz? Na melhor das hipóteses, mais uma insensibilidade gigante da julgadora com a escola e a própria festa do carnaval.
Os componentes gostam de vestir as cores de sua escola. Eu amo desfilar de azul na Portela, o Ivo adora desfilar de vermelho no Salgueiro, assim como tenho certeza que se o Fred Sabino pudesse escolher uma fantasia na sua Mangueira ele escolheria uma verde e rosa.
O Salgueiro tem a felicidade de escolher um enredo que pede para abusar do vermelho e nisso todos ficam felizes, menos a julgadora pelo visto…
Não é a primeira vez que uma justificativa dessas aparece. Há alguns anos atrás outro julgador já escreveu que tirou ponto da Mangueira por excesso de verde e rosa. Essa justificativa apenas reforça que já passou da hora da LIESA colocar no manual para o julgador não despontuar o “excesso” de cores da própria escola nas fantasias, para evitar novas polêmicas desnecessárias.
Outra justificativa complicada é da Beija-Flor. A julgadora retirou dois décimos de concepção da escola alegando a falta de elementos identificatórios nas fantasias e assim começou a elencar os defeitos ala a ala, uma ótima forma de justificar.
Ocorre que em dois momentos ela mesma se contradiz. Na ala 11, “Bacharel em Direito” ela reclama que só “visualizou… duas balanças, uma em cada ombro da fantasia”. Mas as duas balanças são o principal símbolo do Direito, como não há elemento de identificação?
Já na ala 31 “poeta imortal”, a julgadora associou a fantasia a Academia Brasileira de Letras, e reclamou de não visualizar referências. Claro que ela não visualizou, a fantasia em momento algum se refere a ABL! O poeta imortal é por sua obra artística, que ficou de herança para a eternidade, não pela ABL. Até porque o Marquês de Sapucaí morreu em 1875 e a ABL só foi fundada em 1897.
Aqui claramente faltou a leitura do livro Abre-alas, que em momento nenhum cita a ABL e deixa claro o propósito da fantasia. Erro complicado.
Ela ainda deixou a justificativa da Ilha um tanto quanto genérica ao dizer que “algumas fantasias estavam descolando ou descosturando”, mas sem citar nenhuma ala na qual ela viu isso.
Na São Clemente também é possível que se considere que houve uma rigidez excessiva, porém aqui é até justificável. Ela tirou ponto pois a fantasia do palhaço de cara branca não tinha o rosto pintado de branco. Não é necessário pintar o rosto de branco para ilustrar tal palhaço, pode haver elementos na própria fantasia que cumpram o serviço, nem o Livro Abre-alas dá a entender que ala viria de cara pintada. Ao mesmo tempo, a fantasia não tinha nenhuma referência a cara branca do palhaço, o que justificaria o desconto.
De resto justificativas de detalhes problemáticos em alas específicas fizeram as escolas perderem ponto.
Mais um caderno complicado, mostrando que nem sempre o bom julgamento de um ano é garantia de qualidade no ano seguinte.
Único 10 da Vila Isabel no quesito.
Modulo 2
Julgador: Paulo Paradela
Notas
- Estácio – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
- União da Ilha – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
- Beija-Flor – 10
- Grande Rio – 9.7 (concepção 4.9 e realização 4.8)
- Mocidade – 9.7 (concepção 4.8 e realização 4.9)
- Unidos da Tijuca – 10
- Vila Isabel – 9.8 (realização 4.8)
- Salgueiro – 9.9 (concepção 4.9)
- São Clemente – 10
- Portela – 10
- Imperatriz – 9.8
- Mangueira – 10
O que mais me incomodou nesse caderno foi a enorme quantidade de vezes que ele justificou que a ala tinha “excesso de elementos que poluíram a fantasia, prejudicando a transmissão da proposta original”. Ele usou essa mesma justificativa para penalizar a Grande Rio (ala 9), Mocidade (alas 5 e 35), Salgueiro (alas 15 e 20) e Imperatriz (ala 09 e 31).
A poluição excessiva da fantasia não deixa de ser um erro e deve ser punida. Mas ao mesmo tempo não é um erro tão comum para se repetir a esmo em tantas fantasias diferentes de variadas escolas, ainda mais em ano de crise financeira. Inclusive, se há um excesso de elementos, é possível detalhar o que está conflitante e poluente, o que o julgador não faz em nenhum dos casos. Particularmente não percebi tantas poluições.
Ele também usa a mesma outra justificativa, no caso a difícil leitura da fantasia, para penalizar mais escolas: Estácio (alas 18 e 22), Ilha (ala 10), Grande Rio (alas 12 e 22), Mocidade (alas 02, 08, 21, 28 e 31) e Salgueiro (ala 7). Aqui até é plausível e entendível, pois realmente o problema de difícil leitura é comum no carnaval e fica difícil justificar muito além do genérico, justamente pela falta de elementos. Ainda sim, ressalte-se que os dois problemas foram responsáveis por quase a totalidade dos descontos de concepção.
Quanto a realização, problemas pontuais bem pertinentes foram levantados. Apenas quanto a Grande Rio fica a ressalva de que pela quantidade grande de problemas encontrados 2 décimos apenas em execução ficou barato. Se tirasse 3 não haveria reclamação.
Único 10 da Beija-Flor no quesito.
Módulo 3
Julgadora: Helenice Gomes
Notas
- Estácio – 9.8 (concepção 4.8)
- União da Ilha – 9.8 (concepção 4.8)
- Beija-Flor – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
- Grande Rio – 9.7 (realização 4.7)
- Mocidade – 9.9 (realização 4.8)
- Unidos da Tijuca – 10
- Vila Isabel – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
- Salgueiro – 10
- São Clemente – 10
- Portela – 10
- Imperatriz – 9.9 (realização 4.9)
- Mangueira – 10
De forma geral um bom caderno com justificativas pertinentes e notas coerentes. Apenas achei que quanto a dosimetria, a julgadora foi rígida demais com a Estácio e a Ilha, talvez até por falha na justificativa.
Na Estácio os dois décimos foram embora por causa de 4 alas (12, 26, 27 e 28) com elementos representativos repetidos e por “algumas fantasias carecendo de maior apuro estético”. Aqui acho que fica incompleto. Quantas e quais alas estavam sem apuro? Por que?
O mesmo quanto a Ilha: houve um problema claro quando o camarão gigante ofuscou o jet ski na ala 10, mas também ela reclamou que “houve uma mudança no estilo do desfile no que diz a fantasia a partir do 3o setor. Uma diferença na criatividade.” Mudança de onde para aonde? O que isso interferiu no quesito? Também não fica claro. Esse aprofundamento só virá no próximo módulo.
De resto, justificativas coerentes e bem explicadas com uma crítica à excessiva volumetria das fantasias que prejudicam a visualização dos detalhes na Beija-Flor (sem especificação de alas), Grande Rio (ala 12) e Vila Isabel (alas 05, 06, 11, 19, 21 e 23).
Modulo 4
Julgadora: Desirée Bastos
Notas
- Estácio – 9.7 (concepção 4.9 e realização 4.8)
- União da Ilha – 9.7 (concepção 4.8 e realização 4.9)
- Beija-Flor – 9.8 (concepção 4.9)
- Grande Rio – 9.9 (realização 4.9)
- Mocidade – 9.8 (realização 4.8)
- Unidos da Tijuca – 10
- Vila Isabel – 9.9 (realização 4.9)
- Salgueiro – 9.8 (concepção 4.8)
- São Clemente – 10
- Portela – 10
- Imperatriz – 9.9 (realização 4.9)
- Mangueira – 10
“Se todos fossem no mundo iguais a você…” Mais um trabalho primoroso de julgamento e justificativa de Desirée Bastos. É impressionante sua atenção aos detalhes e a concepção artística que combinado com um conhecimento cultural altamente vasto resultam em justificativas que são aulas de história das artes. Até por isso suas justificativas são bem longas.
Porém, ao mesmo tempo, ela consegue ir a fundo nos problemas apresentados, deixando clarividente os motivos dos descontos, especialmente em concepção.
Por exemplo, na Estácio: após longa explicação da representação da cultura pagã de bem x mal, ela reclama que com a escolha das cores preta e vermelha, na cultura ocidental, é impossível dizer quem é o bem e quem é o mal.
Logo depois ela é a única julgadora a observar um detalhe que eu também reparei no desfile: a ala 14, que representava a Catalunha, estava com roupas típicas da Andaluzia! Erro clássico de realização.
Já na Ilha ela descreve minuciosamente o problema que fora apenas pincelado pela Helenice no módulo 3: “Todo o trabalho que se inicia desde o primeiro setor até o meio da escola em termo de desenvolvimento cromático, conversa com a alegoria ao fundo, volumetria e preocupação em como essas imagens interferem no desenrolar do enredo.”
Aqui há uma pequena perda de coesão do texto na virada da página, mas a ideia fica clara com o texto que se segue “desaparecem já no setor 4, aonde se vê fantasias mais secas, próximas ao corpo, com desenvolvimento de cores menos interessantes e muitas vezes caindo no clichê das cores da agremiação sem que isso fizesse parte de um desenho cromático, desenvolvido para dar seguimento ao setor.”
Outra justificativa muito interessante é a do Salgueiro, que só é entendida por quem realmente conhece o musical Ópera do Malandro: “Os personagens do bando de Max Overseas possuem funções muito específicas na ‘empresa’ de importação e são associados aos elementos os quais ‘importam’. No entanto, o desenvolvimento visual das fantasias é pouco carnavalizado, com elementos que mal se viam a distância e que, por isso, não comunicam.”
Além disso ela reclamou da falta de carnavalizção da ala 6 e da falta de elementos que caracterizem o SAARA (centro de comércio popular do Rio de Janeiro) na ala 5. Após ler as justificativas eu fiquei completamente convencido da nota, da qual eu havia reclamado na quarta-feira de cinzas.
Para não dizer que não reclamei, tendo em vista a dosimetria de realização da Estácio e da Mocidade, em virtude dos 4 defeitos apontados na Grande Rio, era possível penalizar a escola de Caxias em um décimo a mais.
Se a Regina fosse homem, os Salgueirenses dariam um corretivo (se me façam entender) nela. Foi a pior justificativa que li em anos, talvez na vida. Deve empatar com a justificativa do 9.9 no samba-enredo da Viradouro na Série A.
Quanto ao Paradela, excesso de elementos que poluíram a fantasia, prejudicando a transmissão da proposta original é o nariz dele. Como ele encheu o saco com essa desculpa.
Os outros dois acompanho o relator.
Extremamente estranho ninguém penalizar a Portela no quesito. Passaram baianas de extremo mau gosto… as piores que eu já vi, diga-se de passagem.
O leitor não viu as baianas da Grande Rio vestidas de saco de lixo de 100 litros em 2013, viu?
Alessandro, sei que sou portelense, logo suspeito para opinar, mas achei a fantasia das baianas da Portela uma bela sacada artística.
O resultado não ficou feio e a ideia claríssima de forma muito criativa. É verdade que quem estava no nível da pista e nas frisas não viu o efeito (mas identificou a imagética da fantasia imediatamente), mas os julgadores não só entenderam a fantasia com facilidade como ainda viram o efeito túnel do tempo no girar das baianas, pois eles ficam do alto.
Fantasias de modo geral, baianas incluídas, não são apenas plumas e luxo, elas são também concepções artísticas e nisso a fantasia das baianas da Portela se encaixou perfeitamente dentro dos critérios de julgamento da LIESA. Eu também não tiraria ponto.
Quem defende o contrário pode acabar defendendo de forma indireta uma penalização para a Beija-Flor em 89 por causa das fantasias maltrapilhas de mendigo, acho que não é o que ninguém quer.
No Histórias do Sambódromo é mostrado que a polêmica nota que puniu a Mangueira por “excesso de verde e rosa” foi em 2006, no desfile sobre o Rio São Francisco, em conjunto, um 9,5 de um cidadão que achou o verde e rosa “comum”… Como não tinha descarte, a escola perdeu meio ponto só num absurdo desses, ficando em 4º lugar, sendo que foi exatamente essa a diferença em relação a campeã Vila Isabel. Fazer o que, coisas do Carnaval…
Sobre esta nota, veja bem… Melhor deixar pra lá
Concordo quanto à Grande Rio. Mas não foi apenas nas fantasias que merecia ter sido mais despontuada.