O Carnaval do Rio começa na próxima sexta-feira com o desfile das Escolas de Samba da Série A. Em dois dias catorze agremiações disputando uma única vaga para o Grupo Especial 2018.

O fato de estar envolvido na transmissão das apresentações dá alguns privilégios. Como, por exemplo, visitar todos os barracões e ouvir, dos próprios carnavalescos, as explicações sobre o desenvolvimento do enredo, setor a setor. Além de surpresas guardadas para os jurados. Estas, por ética e dever profissional, não posso revelar, é claro.

Mas é possível estimular a expectativa de vocês, leitores, para o que virá por aí.

Primeiramente, devo dizer que o tal “carnaval da crise” virou o carnaval da oportunidade. Como não era nenhuma novidade que a grana seria curta, todo mundo, de antemão, já se preparou para reciclar, aproveitar, criar, inventar. A grande maioria dos barracões estava em clima relaxado de conclusão de trabalho – ou mesmo já finalizado – a pouco mais de uma semana do desfile.

Também não é novidade para ninguém que o percentual de reaproveitamento de material na Série A é altíssimo. Do tecido das fantasias às esculturas. O índio de um ano vira o homenageado do outro, o cavalo vira sereia e por aí vai. O interessante foi notar uma preocupação bem maior dos carnavalescos em renovar as pinturas, retocar o que já passou na Sapucaí.

Em outras palavras, dar uma disfarçada das boas na peça. Isso se deve, creio, às notas recebidas por algumas escolas no ano passado. Houve, por parte dos jurados, a aplicação de perda de pontos quando o uso de esculturas recicladas foi, digamos, pouco discreto. E como disse o Migão mais cedo, o próprio regulamento manda penalizar nas Obrigatoriedades.

Obviamente, em alguns casos, a questão financeira se sobrepôs e tal disfarce será logo desmascarado pelos olhos mais atentos. Não citarei nomes, pelo já exposto acima.

Ao circular pelos barracões do pessoal do Acesso fica evidente a diferença de condições de trabalho para quem ocupa a Cidade do Samba. É premente, urgente a discussão séria sobre a construção de uma Cidade do Samba 2. Isso se as autoridades da cidade realmente tiverem um plano de médio e longo prazo para a sobrevivência das escolas de samba como elemento de divulgação das culturas carioca e brasileira. Não cabe tamanha distinção, tamanho abismo.

Voltando-se especificamente para o que veremos na avenida este ano, ao menos nos quesitos plásticos, dá para dividir o grupo quase que em duas metades. E isso não é segredo nem demérito para as escolas A, B ou C. Quem circula pelo mundo do samba, acompanha as notícias, gosta da festa, sabe que, como acontece em qualquer competição, há favoritos e azarões.

Se no Especial qualquer bolão para o Desfile das Campeãs inclui, a priori, algumas escolas, o mesmo se dá na Série A. Ainda que, no caso da segundona do samba, não haja Desfile das Campeãs, e da segunda à décima terceira colocadas todas acabem navegando no mesmo barco. Nem se afundam na Intendente, nem surfam a onda que as levaria para o Olimpo do Carnaval.

Essa comissão de frente de candidatas ao título tem, a meu ver, cinco escolas. Mais uma vez, ressaltando aqui que a parte plástica está sendo mais avaliada do que outros quesitos. Porém, há de se levar em conta enredo, samba e bateria nessa análise. Já evolução, harmonia, comissão de frente, casal ficam muito mais atrelados ao que vai rolar nos dois dias.

Sem ordem de favoritismo ou preferência destacaria numa aposta Unidos de Padre Miguel, Viradouro e Porto da Pedra, a Estácio de Sá e o Império Serrano.

Não há como negar que as alegrias e fantasias da Padre Miguel estão sendo muito aguardadas. A escola tem se notabilizado nesses quesitos. Mas ela é, por outro lado, a que carrega um enredo mais “pesado”, mais denso. O que pode pesar tanto a favor quanto contra. Vai depender dos quesitos de chão e de consertar pequenos erros de apresentações anteriores.

A Estácio tem a favor um enredo muito identificado com a comunidade, um carnavalesco experiente, uma passagem recente pelo Especial – o que dá confiança e uma certa folga nas finanças.

Viradouro e Porto da Pedra viveram uma gangorra pré-carnaval. Numa o dinheiro fluía e, de repente, se foi. De malas prontas para a outra, que readaptou um projeto mais modesto para algo mais grandioso. O quanto essa mudança de rumos será notada? Vai da arte e do talento de cada carnavalesco.

Já o Império quer ser, ele, a surpresa. Aparecer com nova roupagem, novos conceitos e, com isso, se mostrar moderno ao completar 70 anos.

Muitos podem e devem ter sentido falta do outro Império, o da Tijuca, na lista. Justa lembrança. A escola da Formiga é, sem dúvida, uma força da Série A nos últimos anos. Teve problemas no barracão, afetado pela queda de um telhado que causou danos em alegorias. Mesmo assim, Junior Pernambucano já mostrou seu talento e tem todas as condições de correr por fora e fazer um desfile de igual para igual.

Outra escola que costuma brigar lá em cima convive com problemas financeiros e precisará de muita força extra de seu contingente. Falo da Acadêmicos do Cubango. Em 2017, a verde e branco de Niterói terá que se superar para repetir carnavais que a credenciavam como postulante ao Grupo Especial.

Já outra Acadêmicos, da Rocinha, fará desfile bem superior ao de 2017, quando terminou no penúltimo lugar, sendo salva por um momento triste e desastroso da querida Caprichosos de Pilares. Arrisco-me a dizer que a escola da Zona Sul terá o maior salto de qualidade em termos de classificação final na comparação com o desfile passado.

A Inocentes de Belford Roxo credencia-se para o mesmo título informal – o de escola com maior subida de produção. O enredo dos vilões deve proporcionar ao desfilante, espectador e, espera-se, jurado, boas risadas, leveza, diversão e imediata identificação. O mesmo efeito que Santa Cruz e Curicica pretendem alcançar – com carnavais ligeiramente mais compactos e despretensiosos.

Há aquelas que, ao optarem pelas homenagens, vão na linha do tiro certeiro na emoção e respeito às homenageadas Zezé Motta (Sossego) e Beth Carvalho (Alegria da Zona Sul). E sem muitos recursos, mas com criatividade e um samba magistral, a Renascer de Jacarepaguá sabe que o papel terá que atravessar um mar bravio, escorando-se em quesitos que costumam garantir boas notas à escola.

Ao final de dois dias teremos, então, uma comunidade exultante por subir de grupo. E outra, triste e preocupada, por descer. Ah!, e uma terceira, aliviada e esperançosa por trocar o quase esquecimento total das ruas de Campinho pelos holofotes da Passarela do Samba.

Aconteça o que acontecer, parabéns a todos os carnavalescos e profissionais que tocam o duro dia a dia das escolas dos grupos de Acesso. Provarão, uma vez mais, que dá pra tirar da cabeça o que não se tem no bolso.

Imagens: SRZD, Carnavalesco e Arquivo Ouro de Tolo

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19 Replies to “Por Um (Só) Lugar ao Sol”

  1. Carlos Gil,

    Parabéns pelo bom texto. Sou de São Paulo, mas por paixão antiga sou Mocidade Independente de Padre Miguel (ela que, com o abre-alas com o feto no globo terrestre em 1991, então eu com 10 anos, me apresentou a esta arte chamada carnaval), mas acompanho bem o cenário carioca.

    Hoje sou Diretor de harmonia da Unidos de Vila Maria e aqui também temos nossa “série A” (aqui chamada de Acesso), onde temos escolas tradicionais, escolas emergentes, escolas que sobem e descem, escolas com bons sambas. As dificuldades em relação a estrutura já ocorrem no Grupo Especial e se intensifica no Acesso.

    No Rio, das escolas que você citou como favoritas, considero a Unidos de Padre Miguel uma fortíssima candidata. Ainda que pra mim ela já deveria ter subido a tempos, creio que a escola está mais amadurecida e pronta para o ascenso. Mas outras fazem com que o coração bata forte e as desejem no Especial. As escolas mais tradicionais fazem falta com seu chão e força da comunidade.

    Gostaria que aí o regulamento previsse que duas escolas subissem. Pode parecer um desejo nada prático (já que tradicionalmente por merecimento ou não as escolas que sobem, descem), mas que daria um novo gás principalmente para as escolas do Grupo A, que entrariam com motivação em dobro.

    Bom, enquanto isto não ocorre, prosseguimos admirando a capacidade de criação e desfile que essas escolas nos mostram a cada ano.

    Abraços!

    1. Concordo plenamente com o Ladislau. Duas escolas subindo do Acesso para o Especial, com a consequente queda de duas do Especial para o Acesso, com 14 escolas desfilando no Especial, seria excelente para os dois grupos. Com a redução do tempo de desfile no Especial para 75 minutos, seria bem simples de fazer isso, não precisaria sequer antecipar o início dos desfiles, basta voltar a ter o tradicional e saudoso desfile da última escola do dia ao amanhecer…

      1. Eu sinceramente acho 14 escolas no Acesso pouco. Poderiam ser 16 tranquilamente. Vale lembrar que os desfiles do Acesso este ano deverão se encerrar antes das quatro da manhã, o que é insólito – isso para ser generoso.

        Pior é que a tendência no futuro serão 10 no Especial e 12 no Acesso, querem apostar?

        1. Também acho Pedro. O Laíla falou sobre isso em algum pré-carnaval, de que ainda achava 12 escolas no Especial muito… Somando aos interesses da TV… Lembrando que mesmo com as mudanças, os desfiles de Tuiuti e Ilha somente terão sua transmissão iniciada lá pela metade, ou mais…

        2. Pedro, com 10 no Especial o “filtro” vai ser mais rigoroso e escolas de forte tradição ficarão de fora. Vejo isso com temor, pois temos exemplos de escolas tradicionais, ao cair para o Grupo A (sem desmerecer o grupo) não conseguiram ou tiveram uma demora maior para se recuperarem.

  2. Há uma questão simples de finanças aí. Quantas escolas atualmente no Grupo Especial não correm riscos de cair? Umas nove. Pelo menos. E como acreditar que elas aprovem, em plenário, um regulamento em que duas sejam rebaixadas? Claro que não. É confortável para a maioria ter doze (ou dez), saber que o bolo será dividido em menos fatias (e mais grossas, portanto) e que a queda de grupo está praticamente destinada a um pequeno grupo de escolas iôiôs. É isso e nada mais em relação ao Especial. Acho uma grande ilusão aventar a possibilidade, hoje, da volta às 14 escolas. Mais do que isso, então, impossível. As principais escolas não querem. Sobre o Acesso, eu discordo da proposta de 16 escolas. Cai muito a qualidade artística do espetáculo. A atual quantidade, 14, está de bom tamanho diante do tempo de desfile. Eu traria o B de volta à Sapucaí para diminuir esse abismo. E colocaria as crianças para desfilar na quinta, abrindo o carnaval.

    1. Concordo quanto ao Grupo B na Sapucaí, até para diminuir o desnível que há entre estes dois grupos hoje. E eu faria o Desfile Mirim no domingo anterior, como teste de luz e som.

    2. Carlos,

      Não surpreendente, mas triste, saber que a questão financeira e porque não política, acaba se sobressaindo sobre a vontade de ter um Grupo Especial mais atrativo.

      Isso só faz aumentar a admiração pelas escolas do acesso carioca. Motivar seus componentes e se auto-motivar sabendo que apenas uma escola sobe é muito complicado.

        1. Todo respeito aos verdadeiros artistas da Série A. Complicado é eles terem a “obrigação” e pressão até da Globo de apresentar um espetáculo razoável para ela transmitir.

          Aliás uma dúvida: existe subvenção da emissora para a Série A?

          1. Verdade Migão. Complicada essa realidade “…Este valor, hoje, supre cerca de 40% das necessidades de uma escola deste grupo para um desfile competitivo…”

  3. Para o Laíla achar que 12 escolas no especial é escola demais é muito fácil com o “Papai” injetando grana na escola dele ele defende até descenso de 6 escolas. Quero ver quando não tiver mais o “Papai”.

    1. E no meio dessa nossa conversa toda, desse encolhimento das escolas…os blocos crescem. Aqui em São Paulo elas têm um aumento exponencial e acabam “mordendo” a maior parte dos ganhos da festa.

      1. Qualquer hora irei abordar o assunto, mas hoje penso os públicos de blocos e escolas de samba serem totalmente diferentes

        1. Eu compartilho dessa opinião de diferença de público. O engessamento e regras impostas para um desfile, a dinâmica de uma quadra de escola de samba e alguns outros fatores influenciam. Quando você escrever opino meus pontos de vista.

          Valeu Migão!

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