Na noite de ontem, o Flamengo enfrentou o CSA em Brasília, pelo Campeonato Brasileiro. A vitória por 2 a 0 deixa o time dentro do G4 da tabela, antes da pausa para a Copa América. 

Contudo, outro fato deixou os torcedores do clube em polvorosa na partida de ontem: a presença do Presidente Jair Bolsonaro, do vice Hamilton Mourão, dos Ministros da Justiça Sérgio Moro e da Economia Paulo Guedes e do deputado mais votado pelo Rio de Janeiro, Hélio Lopes – mais conhecido por “Hélio Negão”. 

A princípio, a presença de autoridades em uma partida de futebol não deveria despertar maiores reações. São pessoas públicas e que tem direito a seus momentos de lazer como qualquer cidadão. Ok. 

Só que este movimento de ontem, decididamente, não é normal. Por uma série de aspectos. 

Primeiro: vejam a foto no alto do post, do Jornal O Globo. Lá está o presidente acenando alegremente, enquanto é fotografado por torcedores e a imprensa. Em outra imagem, do portal Uol, ele quase beija o escudo do clube. 

O presidente, segundo consta, é torcedor do Botafogo e do Palmeiras, e o gesto parece mais uma tentativa de gerar mídia positiva em um momento onde o governo enfrenta problemas de todos os lados. 

O mesmo pode se aplicar ao Ministro da Justiça, notório torcedor do Athletico-PR. Este, enredado no que se convencionou chamar de “Vaza Jato” (vazamentos de informações que comprovam o que muitos, inclusive este escriba, vem alegando há tempos sobre a Operação Lava Jato), deixou-se ser fotografado na mesma imagem, vestindo uma camisa do clube ao lado de Bolsonaro. Tal qual o presidente, parece uma tentativa de desviar as atenções para o furacão (com trocadilho) onde está imerso. 

Notem os leitores que, na imagem, aparecem apenas os dois e o deputado Hélio Negão, que é quase uma sombra do presidente. O vice-presidente Hamilton Mourão (em tempo, até onde consta o único torcedor do Flamengo entre os citados) e o Ministro da Economia Paulo Guedes mantiveram-se discretos no evento. 

Ou seja, mais uma vez o futebol sendo utilizado como forma de distrair a atenção das massas. Nada como uma partida do clube de maior torcida do Brasil para distrair a atenção dos inúmeros e sérios problemas que o governo enfrenta hoje. 

Contudo, há mais. A postura da direção do clube. 

O perfil oficial do Flamengo no Twitter publicou uma foto (ao lado, em print) de dirigentes rubro negros – um deles, o vice-presidente de futebol Marcos Braz – ao lado do presidente, do Ministro da Justiça e do citado deputado, saudando as suas presenças. No perfil oficial. 

Ou seja: minha análise é de que a diretoria do clube se sentiu à vontade não somente para registrar a presença como, de certa forma, endossar os poderes constituídos. A leitura generalizada foi de que “o Flamengo apoia o governo Jair Bolsonaro e seu Ministro da Justiça”. No momento em que escrevo, não houve desmentido oficial do clube quanto a isso, o que seria um detalhe importante. 

Importante por quê? 

Por ocasião da passagem do último aniversário do Golpe Militar de 1964, alguns sócios do clube fizeram homenagem ao ex-remador do clube Stuart Angel, torturado e assassinado pela ditadura militar. Originalmente a homenagem foi divulgada pela imprensa como um ato oficial do clube. 

Pois bem, o que fez a direção do clube? Se apressou a soltar uma nota oficial onde diz: 

“Em relação à nota publicada nesta segunda-feira na coluna Ancelmo Gois – do jornal O Globo – o Clube de Regatas do Flamengo esclarece que, por ser uma verdadeira Nação, formada por mais de 42 milhões de torcedores das mais diversas crenças e opiniões, não se posiciona sobre assuntos políticos. 

A homenagem citada na nota foi realizada diretamente por um grupo de sócios e torcedores do Clube, sem nenhuma participação da instituição – algo que, inclusive, é estatutariamente vedado.” 

Ou seja: na prática, a homenagem foi repudiada pela diretoria do clube. Note que o Flamengo foi um dos clubes que não emitiu manifestação condenando o Golpe Militar na ocasião, ao contrário de outras equipes. 

Conclusão: homenagear um torturado pela ditadura, com ideologia de esquerda, “fere o estatuto”. Confraternizar e deixar a imagem do clube ser utilizada pelo governo, com matiz ideológica de extrema direita, não tem problema e não fere o estatuto. 

Uma outra pergunta se impõe: caso Haddad fosse o presidente a postura do Flamengo seria a mesma ontem?  

Estas são as questões. 

Sabemos que individualmente a maior parte da diretoria do clube tem posições ideológicas conservadoras. Basta lembrar a famosa foto nos protestos contra a então Presidenta Dilma Rousseff, do hoje Presidente da Comissão de Finanças do CODE Cláudio Pracownik com a babá (acima). 

Entretanto, há uma diferença entre posições pessoais dos dirigentes e a oficial do clube. A diretoria inteira apoiar o governo e seus ocupantes é um direito de cada um. 

Levar o clube a apoiar ou, no mínimo, não se importar com a imagem do Flamengo sendo utilizada politicamente pelo governo é outra. Até porque o estatuto proíbe, como a nota oficial transcrita acima mostra. 

Ou seja, o Flamengo deveria ser um “clube sem partido”. E na acepção exata do termo, não como vem sendo utilizada por setores conservadores (“sem partido de esquerda”). 

Pessoalmente, lamento bastante os acontecimentos. O Flamengo é de todos e não de correntes políticas A, B ou C. E o clube mais a sua direção deveriam respeitar isso.  

Nota: o Ouro de Tolo continuará se abstendo de abordar assuntos políticos neste espaço, embora o futebol também seja um tema. A questão é que este artigo seria minha coluna para o site “Redação Rubro Negra”, mas os responsáveis do site avaliaram que não seria adequado “pois o site não fala de política”. Tendo em vista isso, encerro minha colaboração com o referido site e publico aqui. 

Imagens: O Globo, Extra e Reprodução/Twitter