O vídeo do programa está aqui:
Infelizmente, creio que ainda não foi esse ano que o quesito Alegorias e Adereços se livrou do fantasma de 2017 e novamente o julgamento de concepção artística não foi feito com o detalhamento desejado, com uma honrosa exceção.
Talvez a impossibilidade de usar o critério comparativo nas justificativas aliado ao trauma ainda persistente dos acidentes de 2017 estejam no cerne desse antigo problema do não julgamento de concepção em Alegorias e Adereços.
Módulo 1
Julgador: Madson Oliveira
- Império – 9,6 (concepção 4,9 e realização 4,7)
- Grande Rio – 9,8 (realização 4,8)
- Mocidade – 9,8 (realização 4,8)
- U. da Tijuca – 9,9 (realização 4,9)
- Salgueiro – 10
- Mangueira – 9,8 (realização 4,8)
- Tuiuti – 10
- Portela – 9,8 (realização 4,8)
- Vila Isabel – 9,9 (realização 4,9)
- Imperatriz – 10
- Beija-Flor – 9,9 (concepção 4,9)
- Viradouro – 10
Madson sempre fora um julgador que, mesmo tendo praticamente esquecido de julgar concepção desde os acidentes de 2017, manteve um caderno coerente e dentro dos limites do quesito. Porém, para mim, este ano ele destoou de seu histórico.
Inicialmente, apenas 2 descontos de concepção, ambas com justificativas problemáticas, em um mar de descontos de realização. Como sempre quando isso ocorre, o julgamento se torna uma grande “fiscalização de erros”, tirando pontos do costeiro que caiu, da iluminação que falhou, do carro que ficou torto etc.
O décimo de concepção do Império foi descontado porque “o conjunto alegórico… mostrou-se irregular, considerando as alegorias 02 e 05 em relação às demais.”. Mas por que o julgador as considerou irregular em relação ao resto? Faltou acabamento, tamanho, ou outra coisa? A justificativa não explica e por isso ficou incompleta.
Na Mocidade ele escreveu que o “conjunto alegórico desfilou em conformidade à defesa do tema”, o que por si só é uma afirmação polêmica, mas aceitaremos aqui a margem subjetiva inerente a qualquer julgamento de Carnaval.
Já na Portela ele justificou que a alegoria 3 “emperrou em frente ao módulo julgador, dificultando sua condução/manobra”. Ocorre que a dirigibilidade da alegoria nunca foi critério de julgamento deste quesito. O mero fato dela ficar parada ou ter dificuldades para ser manobrada não deve ser considerada em um quesito meramente plástico, artístico e por isso não faz parte de nenhum dos critérios de julgamento existentes no Manual do Julgador. Fiquei até de certa forma espantado de ler isso no caderno de um julgador experiente.
Ao menos, o resto do escrito para a Portela, no limite, justifica por si só a perda de dois décimos, o que arrefece um pouco as consequências da situação acima exposta.
Por fim, o desconto de concepção da Beija-Flor foi pela irregularidade do tamanho das alegorias e tripés, especialmente as pequenas dimensões das alegorias 1 e 6 e por problemas de iluminação da alegoria 2 (a parte danificada pelo incêndio). Oficialmente o abre alas da agremiação era o quadripé com o nome da agremiação, à frente do cortejo.
Aqui há um problema inicial claríssimo: a divisão dos subquesitos foi jogada para as calendas, porque problema de iluminação é algo que deve ser descontado em realização, não em concepção, como o próprio julgador fez na justificativa da Grande Rio.
Outra discussão que esta justificativa traz é que ela acaba reforçando a necessidade da grandiosidade das alegorias a partir do momento que ele desconta a pequenez das alegorias 1 (o quadripé) e 6. Ou seja, a justificativa, da forma como está escrita, dá a entender que quem trouxer carros pequenos será descontado de qualquer forma, mesmo estando bem feito e acabado artisticamente. Essa é uma polêmica antiga na discussão do julgamento de Carnaval, mesmo que nada haja contra tal nos critérios de julgamento.
Em favor do julgador diga-se que, especialmente a alegoria 06 (assim como os dois últimos tripés, não citados pelo julgador), não destoava do resto do conjunto apenas pelo tamanho, mas pela má forma e acabamento e realmente causou má impressão até em leigos.
Essa última justificativa também é um bom exemplo do porque a LIESA precisa rediscutir a divisão do quesito em sub-quesitos, porque, seguindo o Manual o julgador, ele seria obrigado a dar uma nota 9,8 para a Beija-Flor, o que destoaria do padrão da dosimetria utilizada pelo julgador para nivelar as escolas.
Módulo 2
Julgador: Soter Bentes
- Império – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
- Grande Rio – 9,9 (realização 4,9)
- Mocidade – 9,9 (realização 4,9)
- U. da Tijuca – 9,8 (realização 4,8)
- Salgueiro – 10
- Mangueira – 10
- Tuiuti – 10
- Portela – 9,8 (realização 4,8)
- Vila Isabel – 9,9 (realização 4,9)
- Imperatriz – 10
- Beija-Flor – 9,9 (realização 4,9)
- Viradouro – 10
Um mísero décimo retirado em concepção da 1ª escola e mais nada. O resultado foi mais um “fiscalizador de erros” e nessa fiscalização algumas escolas que apresentaram trabalhos bem díspares no quesito acabaram tendo a mesma avaliação.
Talvez nesse ponto a maior discrepância tenha sido Mocidade e Grande Rio receberem o mesmo 9,9. Porém, na visão do julgador, a Mocidade apenas apresentou uma emenda evidente na escultura da rainha no carro do xadrez e uma iluminação verde por dentro das esculturas amarelas do carro abre-alas que não valorizou o contraste de cores. Os outros inúmeros problemas de acabamento nos carros da Mocidade passaram batidos. Provavelmente isso explique a nota majorada para as alegorias da Mocidade, a maior do quesito.
O resultado é que, sem qualquer avaliação sobre concepção e uma “fiscalização de erros” falha, a Grande Rio, com um conjunto alegórico claramente superior a Mocidade, ficou com a mesmíssima nota da verde e branco da Zona Oeste porque a porta de trás da alegoria 2 e do tripé 2 estavam abertas e porque “na alegoria 2 a forma pouco trabalhada não definindo bem a proposta das nuvens representada pelos balões”. Para situar os leitores, a alegoria 2 é a fatídica alegoria de São Cosme e Damião.
Inicialmente, eu até elogio o julgador pela sensibilidade de não cair na tentação de usar o fácil subterfúgio de descontar a falta de iluminação em uma alegoria tão criativa e bela cuja falta de iluminação pouco afetou sua beleza e singeleza.
Porém, devo apontar o fato de que o julgador achou de alguma forma que os balões na alegoria representavam nuvens. Além de não estar escrito em lugar algum, muito menos no Livro Abre-Alas, eles eram todos coloridos com as cores tradicionais de São Cosme e Damião e quem já frequentou os bolos e festas dados no dia 27 de setembro em homenagens aos santos sabe que esses tipo de decoração é comum nesses locais.
Mas eu realmente quero chamar a atenção para uma justificativa da Vila Isabel: “No início do carro alegórico 1 apresentou uma abertura grosseira na lateral expondo o motorista lá dentro”. Ressalte-se, em desagravo ao julgador, que o rasgo na lateral do setor ímpar do abre-alas é realmente muito maior do que normal e ficou inclusive mal-acabado, dando a impressão que foi rasgado de última hora na hora do desfile.
Porém, lembro que após os acidentes de 2017, a LIESA disse que iria recomendar aos julgadores a serem mais tolerantes com as aberturas para os motoristas para evitar acidentes. De lá para cá não houve qualquer alteração no Manual do Julgador para incluir tal recomendação e acredito que seja algo que precisa ser melhor discutido. É sim preciso ter alguma tolerância com “buracos” para a visão do motorista, mas qual é o limite desta tolerância? Um motorista totalmente exposto pode ser tolerado? E qual o “limite” do rasgo aceitável? É aceitável ter um motorista exposto para não correr o risco de rasgos gigantes serem feitos de última hora?
Acredito que essa tolerância precisa ser melhor conceituada, dando um pouco mais de objetividade a ela e incluída no Manual do Julgador.
Módulo 3
Julgador: Fernando Lima
- Império – 9,6 (concepção 4,8 e realização 4,8)
- Grande Rio – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
- Mocidade – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
- U. da Tijuca – 9,7 (concepção 4,8 e realização 4,9)
- Salgueiro – 9,9 (concepção 4,9)
- Mangueira – 9,7 (concepção 4,7)
- Tuiuti – 9,8 (realização 4,8)
- Portela – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
- Vila Isabel – 9,9 (realização 4.9)
- Imperatriz – 10
- Beija-Flor – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
- Viradouro – 10
Fernando Lima continua sendo a exceção do quesito, sendo bastante criterioso, especialmente na nota 10 (apenas 3 em 3 anos de julgamento), e sendo o único julgador a analisar com propriedade a concepção dos carros. Não à toa, dos 17 décimos retirados de concepção em todo o quesito, nada menos que 12 foram retirados por este julgador.
É verdade que o julgador não deixa claro nas justificativas o que ele considera concepção e o que considera realização, de forma que em alguns momentos fica-se na dúvida onde ele encaixou cada desconto. Mas, o mais importante é que ele fica atento a certos detalhes fundamentais de construção da alegoria que realmente deveriam ser observados, especialmente na construção volumétrica da alegoria, e só ele costuma apontar tais problemas nas justificativas.
Por exemplo, no abre-alas da Grande Rio, tamanha foi a quantidade de informações colocadas nas alegorias que umas encobriram as outras. Isso ficou perceptível para quem teve um olhar mais atento, mas passou batido pelo módulo duplo (o 4° julgador também se atentará a isso mais abaixo).
Outro exemplo de problema claríssimo de concepção ocorreu na Unidos da Tijuca, no tripé em homenagem aos heróis da Guerra de 1823. As bandeiras representando os heróis homenageados passaram fixas, inertes, sem serem desfraldadas, o que impossibilitou a alegoria de fazer o que pretendia. Só Fernando justificou esse problema na perda de décimos.
Por fim, foi comentário geral o design e acabamento duvidoso dos dois tripés finais da Beija-Flor, mas só Fernando escreveu sobre isso na justificativa, especialmente do arco traseiro do último chassi.
Outro fato interessante, é que em alguns momentos ele justificou que alguns problemas acarretaram a perda de “0,05”. É sabido que o regulamento não permite notas quebradas em centésimos, mas não há problemas aqui. É um recurso relativamente comum usar dois pequenos problemas para, juntos, justificar a perda de um décimo. Inclusive isso não deixa de ser uma forma de fazer justiça para avaliar corretamente os diferentes problemas apresentados de acordo com sua gravidade. Mas é interessante notar que no Império Serrano e na Vila Isabel, que apresentaram número ímpar de problemas de 0,05, ele decidiu arredondar ambas as notas para baixo. Aqui não há certo ou errado, desde que o julgador mantenha o padrão para todas, o que ele fez neste caso.
Dentro do que foi justificado e considerando todo o trabalho realizado pelo julgador, não vejo problemas de dosimetria em seu caderno.
Mais uma vez acredito que Fernando tenha se destacado positivamente no quesito.
Módulo 4
Julgador: Walber Ângelo de Freitas
- Império – 9,7 (concepção 4,9 e realização 4,8)
- Grande Rio – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
- Mocidade – 9,8 (realização 4,8)
- U. da Tijuca – 9,8 (realização 4,8)
- Salgueiro – 10
- Mangueira – 9,9 (realização 4,9)
- Tuiuti – 9,9 (realização 4,9)
- Portela – 9,8 (realização 4,8)
- Vila Isabel – 10
- Imperatriz – 10
- Beija-Flor – 9,9 (realização 4,9)
- Viradouro – 10
Como sempre ressalto, Walber é um julgador de longo histórico que tem profundo conhecimento sobre as alegorias e sua volumetria, mas que estava pecando na falta de avaliação de concepção de alegorias nos últimos anos.
Nesse ponto percebi uma melhora neste ano pois, se não chegou ao detalhismo do julgador do módulo anterior, os dois décimos retirados em concepção foram muito bem retirados por motivos claros, quais sejam, a concepção volumétrica praticamente igual de todos os carros do Império (uma procissão de caixotes) e o excesso de informações nos carros da Grande Rio, especialmente no abre-alas. Dessa forma, creio ter havido uma evolução nesse ponto.
Mesmo em realização, algumas justificativas foram feitas com base em boas análises e foram além da mera fiscalização de erros, especialmente na Unidos da Tijuca onde ele percebeu o que o conjunto da volumetria de pouco impacto com o uso de pinturas chapadas empobreceu artisticamente o resultado final.
Também considero um ponto alto do caderno dele o 9,9 dado a Mangueira porque foi o único julgador que entendeu a proposta estética da escola que precisava ser adaptada à temática do enredo e por isso um resultado mais “naif”, mas bem feito, estava adequado e não merecia ser despontuado, mesmo que não esbanjar riqueza ou detalhismo. O décimo retirado foi retirado por causa do tripé do trio elétrico que, convenhamos, realmente estava mal feito e merecia perder ponto, não há proposta estética que o salvasse.
Por fim, acredito que o único problema em relação à dosimetria deste caderno esteja na nota da Portela. Para a quantidade considerável de problemas apontados em praticamente todas as alegorias, dentro da própria lógica de julgamento deste caderno acredito que a nota correta seria 9,7, retirando 3 décimos em realização. Afinal, a quantidade e gravidade de problemas apontados para a centenária escola foi consideravelmente superior à quantidade de problemas apontados para o Império e a Unidos da Tijuca, as outras duas escolas a perderem dois décimos em realização neste caderno.
De qualquer forma, acredito que tenha sido um dos melhores julgamentos de Walber desde 2017, especialmente considerando a qualidade e o apuro técnico nas percepções expostas nas justificativas, algo que ele já havia demonstrado anteriormente e cuja falta estava sendo sentida em alguns julgamentos mais recentes dele. Torço para que este caminho continue sendo seguido e que ele volte a ter um olhar bastante criterioso para o julgamento de concepção como ele tem toda a capacidade de fazer.
Recomendações para a LIESA em Alegorias:
- Reforçar a necessidade de se julgar o subquesito “concepção” no quesito. Desde os desastres de 2017 esse subquesito praticamente parou de ser julgado. Uma ideia é incluir o esmero artístico ao critério de julgamento da criatividade no Manual do Julgador.
- Rediscutir a subdivisão do quesito em concepção e realização, tendo em vista que tal divisão muitas vezes dificulta a dosimetria do julgador e para evitar de dar notas mais baixas do que o inicialmente pensado, alguns julgadores estão literalmente ignorando os subquesitos em algumas justificativas.
- Permitir a utilização do critério comparativo nas justificativas, desde que o julgador deixe claro o que “faltou” na comparação das escolas que perderam ponto em relação às que receberam 10, com exemplos se possível.
- Retirar do Manual do Julgador a ordem de descontar em Alegorias a não apresentação de alguma alegoria ou tripé previstos no Livro Abre-Alas.
- Clarificar no Manual do Julgador se uma escola deve ser descontada por “falta de tempo necessário para avaliar” a ala/alegoria em virtude de uma evolução acelerada da escola.
- Explicar de alguma forma no Manual do Julgador os limites de tolerância com a visão do motorista nos carros alegóricos.
(Imagens: Blog Ouro de Tolo)