Bateria é sempre um quesito difícil para avaliar. A enxurrada de notas 10 é tão grande que muitas vezes nem há base para se fazer uma real avaliação do trabalho do julgador. Ao mesmo tempo, também sabemos que os julgadores muitas vezes “pisam em ovos” para julgar as baterias porque muitas vezes elas são atrapalhadas por fatores externos, como som vazando de camarotes e erro da equipe de som da Sapucaí em relação ao desligamento da caixa de som na passagem da bateria. Nessas horas, o prudente é, na dúvida, dar nota 10.

Módulo 1

Julgador: Rafael Barros Castro

  • Império – 10
  • Grande Rio – 10
  • Mocidade – 10
  • U. da Tijuca – 9,9
  • Salgueiro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 10
  • Portela – 10
  • Vila Isabel – 10 
  • Imperatriz – 10
  • Beija-Flor – 10
  • Viradouro – 9,9

Rafael Barros Castro foi um julgador com bons julgamentos em seus dois primeiros anos, tendo inclusive uma quantidade considerável de descontos neles. Porém, nesse ano, só deu apenas duas notas 9,9. Não posso culpá-lo, realmente o nível no módulo duplo foi altíssimo neste ano e foi difícil descontar escolas. 

No fim, ele só descontou a Unidos da Tijuca por pouca exploração dos timbales, o que teria prejudicado o equilíbrio entre os naipes e a Viradouro porque “apresentou sua bossa com poucos elementos criativos”. Ele ainda arrematou a justificativa da Viradouro escrevendo que “O arranjo musical careceu de elementos para valorizar a boa cadência mantida pela bateria do Mestre Ciça”. Apesar do desconto por “falta de criatividade” sempre ser polêmico porque acaba sendo um tanto genérico e subjetivo, acredito que toda a justificativa escrita acaba mostrando que ele sentiu uma certa falta de ritmo ou cadência na bateria da Viradouro e que, na prática, esse foi o motivo do desconto. 

Também é interessante notar que em suas observações finais o julgador fez questão de ressaltar “aspectos que considerei relevantes em algumas apresentações” e fez considerações individuais sobre nada menos que sete escolas. Na prática, essas considerações acabam funcionando como uma justificativa da nota 10, mesmo que de forma oblíqua, as quais vejo com muita simpatia. Aliás, para o Império Serrano ele ressaltou o “desenho rítmico dos agogôs”.

Por fim, ainda nas considerações finais,  o julgador escreveu que “iniciar com o andamento muito acelerado para ‘depois’ ajustar pode ser um risco que torna o desfile tenso, por isso deve haver uma atenção redobrada quanto à cadência desejada.”. Talvez seja um recado indireto para a Unidos da Tijuca.

Módulo 2

Julgador: Ary Jayme Cohen

  • Império  – 9,9
  • Grande Rio – 9,9
  • Mocidade – 10
  • Tijuca  – 10
  • Salgueiro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 10
  • Portela – 10
  • Vila Isabel – 10
  • Imperatriz – 10
  • Beija-Flor – 10
  • Viradouro – 9,9

Ary, além de ter um histórico de pouquíssimos descontos mesmo em anos em que houve consideráveis problemas, também se notabiliza por deixar incompletas grande parte de suas justificativas. Esse ano não foi diferente, duas das três justificativas não deixam claro o problema percebido.

No Império “a convenção rítmica apresentada no módulo no cruzamento de alguns naipes sugeriu um desconforto sonoro.”. Primeiro, que convenção? A Sinfônica apresentou mais de uma convenção em frente a este módulo. Segundo: quais naipes se cruzaram? Terceiro: que desconforto sonoro foi esse? O resultado é uma justificativa completamente genérica, que não delimita, sequer de forma esmaecida, o eventual problema percebido.

Ainda no Império: “Em determinado momento, o ritmo sugeriu uma desaceleração em relação ao canto.”. Que momento? Sem essa delimitação, fica impossível a própria escola identificar o problema, quiçá nós. Até porque eu não percebi problema algum desse tipo na apresentação (e nem o outro julgador do módulo duplo).

Por fim na Viradouro: “Na convenção rítmica apresentada no módulo na entrada do último refrão com a bateria se deslocando e sem a marcação dos surdos, houve um desajuste ao som chegado na cabine do naipe de caixa”. Aqui ao menos houve a exata delimitação do momento, “entrada do último refrão” e da origem do problema “naipe de caixa”. Mas ainda sim “desajuste no som” ainda fica um tanto genérico. Existem inúmeras formas do som das caixas estarem desajustadas. Senti falta de um maior detalhamento do problema, mesmo que o problema aqui fosse nítido até para ouvidos leigos.

A única justificativa bem clara das três foi a da Grande Rio: “Na finalização da convenção rítmica no bis do refrão do meio com a bateria em evolução deixando o módulo, alguns ritmistas do naipe de chocalhos executaram o ataque de forma desigual.”.

De qualquer forma, é um julgador que já justifica pouco e ao longo dos anos deixou várias justificativas incompletas. Ainda teve o 9,9 para o Tuiuti na última cabine no ano passado para uma bateria que naquele momento simplesmente não era um conjunto musical. Não é um histórico elogiável.

Módulo 3

Julgador: Phillipe Galdino

  • Império – 10
  • Grande Rio – 10
  • Mocidade – 10
  • U. da Tijuca – 9,9
  • Salgueiro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 10
  • Portela – 9,9
  • Vila Isabel – 9,9
  • Imperatriz – 10
  • Beija-Flor – 10
  • Viradouro – 10

Philippe é outro julgador que sempre fora mais rígido nos descontos, ao menos para os padrões totalmente diferentes de Bateria, mas que tanto em 2022 como neste ano foi bastante econômico. Acredito que isso seja mais um argumento no sentido de que o nível está muito alto e cada vez mais está ficando difícil descontar décimos das baterias do Grupo Especial.

Das três justificativas, Portela e Vila Isabel são facilmente entendíveis e o problema em ambas teria sido o mesmo: aumento súbito de pulsação da bateria (ou seja, do andamento, dos famosos BPMs) durante a execução de bossas. É uma daquelas “armadilhas” em bateria, que um descuido pode ocorrer na apresentação para um dos módulos. Afinal, de modo geral, todas as baterias tendem a dar uma acelerada em determinados tipos de convenção se não estiverem atentas.

Apenas senti um pouco de falta de palavras na justificativa da Unidos da Tijuca: “Pequeno desencontro rítmico no final da bossa após ‘quem conduz é o pai maior’.”. Acredito que o julgador poderia dar um pouco mais de detalhes sobre esse desencontro rítmico. Explicar melhor quais naipes conflitaram e os efeitos causados.

O julgador escreveu longa consideração final que julgo importante a ponto de transcrevê-la quase por inteira.

“Não posso deixar passar em branco o ocorrido com o carro de som da Unidos da Tijuca que largou com 164 BPM!!! Pensei que iam tocar frevo ao invés de samba. Não consigo entender esse tipo de decisão. Tão logo a ‘Pura Cadência’ entrou, o andamento ‘despencou’ subitamente para aproximadamente 150 BPM, gerando um resultado totalmente anti-musical. É necessário que as escolas repensem essa prática, empolgação não precisa ser correria. O samba agradece.

Tal como a co-irmã tijucana a ‘NEMQ’ (Não Existe Mais Quente) largou muito acelerada, sacrificando o naipe das caixas e comprometendo a execução da levada. Totalmente desnecessário e fora das características da bateria da Mocidade.

Gostaria de deixar registrado que houve problema sério no som da avenida nos desfiles da Unidos da Tijuca e do Salgueiro.

É necessário os mestres terem um cuidado especial no trabalho de manutenção do andamento na execução das bossas. Mudanças súbitas são anti-naturais e quebram o fluxo musical. (…)

Gostaria de destacar as terceiras da Furiosa, as terceiras da Tijuca, naipe de tamborins da Mangueira (…), naipe de chocalhos da Tuiuti e um destaque também para a Swing da Leopoldina pelo conjunto do trabalho.”

Módulo 4

Julgadora: Mila Schiavo

  • Império – 10
  • Grande Rio – 10
  • Mocidade – 10
  • U. da Tijuca – 10
  • Salgueiro – 10
  • Mangueira – 10
  • Tuiuti – 10
  • Portela – 10
  • Vila Isabel – 10
  • Imperatriz – 10
  • Beija-Flor – 10
  • Viradouro – 10

Já no dia da apuração, saltou aos olhos o fato de que Mila Schiavo foi a primeira julgada desde Roberto Scaramboni em 1998 a dar nota 10 para absolutamente todas as escolas. Por coincidência ou não, Scaramboni também fora julgador de bateria.

Obviamente, não há qualquer justificativa para se comentar ou dosimetria para se discutir. Mas a julgadora, tal qual no ano passado, escreveu considerações gerais longuíssimas e acredito que algumas delas sejam úteis para a coluna.

Inicialmente, Mila relatou no Império que “o agogô estava muito alto no mix de som na avenida, abafando o som”. Interessante notar que Mila estava no mesmíssimo módulo da julgadora de Harmonia que retirou ponto do Império por excesso no som do agogô. 

A julgadora tem longo currículo na área de percussão e conhece bem a característica do agogô do Império Serrano. Logo, algum problema específico no som do fim da avenida deve ter havido. Porém, se foi apenas no fim da avenida, tudo indica que é um problema do som da Sapucaí e não da escola, logo o desconto em Harmonia continuaria discutível. Ao mesmo tempo, o julgador está incomunicável na cabine e não tem como saber que foi um problema isolado naquele ponto. Como já escrevi em Harmonia, é uma questão de muito difícil solução.

Ela também reclamou da queda abrupta de andamento de Mocidade e Tijuca, mas indicou corretamente que não descontou porque não ocorreu em frente ao módulo.

Mila também foi mais uma julgadora a relatar problemas com o som da Sapucaí. Além de reforçar o problema notado no som da Tijuca pelo julgador do módulo 3, ela também reclamou que, no módulo 4, as caixas de som do lado esquerdo não foram desligadas durante as apresentações das baterias de Vila Isabel e Imperatriz. Acrescento que esse não desligamento prejudica o julgamento e o julgador muitas vezes fica sem saber se realmente houve um problema na bateria ou se é reverberação da caixa de som. Na dúvida, o correto é evitar o desconto.

Por fim, a julgadora escreveu que “O julgador acredita que o manual de bateria deveria ser revisto, de forma a trazer novos desafios a todos os participantes.”. Para bom entendedor, ficou claro que a julgadora não ficou satisfeita de dar 10 para todo mundo, mas como avaliou que todas as baterias cumpriram todos os critérios de julgamento, não teve outra opção. É o mesmo dilema das comissões de frente grandiosas de Salgueiro e Beija-Flor esse ano.

Mas penso que o desafio dessa reformulação dos critérios de bateria é fazê-la de uma forma que impeça uma penalização injusta por problemas que na verdade são do som da Sapucaí, ainda não confiável conforme o relatado pelos dois últimos julgadores.

Recomendação para a LIESA em Bateria:

  • Tentar resolver o eterno problema do som da Sapucaí. Nos últimos anos sempre está havendo julgadores reclamando que problemas no som dificultaram o trabalho de avaliação das baterias. A interferência da caixa de som, que não reproduz as batidas no mesmo tempo, na audição das baterias pode impossibilitar a avaliação do julgador e pode até levar a um desconto injusto para alguma escola
  • Controlar melhor o vazamento de som dos camarotes.
  • Permitir a utilização do critério comparativo nas justificativas, desde que o julgador deixe claro o que “faltou” na comparação das escolas que perderam ponto em relação às que receberam 10, com exemplos se possível. Isso talvez facilite o trabalho de julgamento das baterias.