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O julgamento de Fantasias continua sua lenta recuperação do corte generalizado de 2014.

Módulo 1

Julgadora: Regina Oliva

  • Porto da Pedra – 9,8 (realização 4,8)
  • Beija-Flor – 10
  • Salgueiro – 10
  • Grande Rio – 10
  • U. da Tijuca – 9,9 (realização 4,9)
  • Imperatriz – 10
  • Mocidade – 10
  • Portela – 9,9 (concepção 4,9) 
  • Vila Isabel – 9,9 (realização 4,9)
  • Mangueira – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Tuiuti – 9,9 (realização 4,9)
  • Viradouro – 10

Eis um caderno que me surpreendeu. O histórico de Regina Oliva nesta Justificando dispensa apresentações, só olhar a lista de situações altamente polêmicas que elenquei no texto e na live do ano passado.

Porém neste ano, não há tanto do que se reclamar. O único problema mais evidente é o erro na classificação do subquesito de despontuação do Tuiuti. Por mais que ela tenha retirado de realização, e assim o escreveu de forma explícita na justificativa, o motivo descrito é claramente um critério de julgamento de concepção. Quando ela retira ponto porque a indumentária da ala 21 não conseguiu representar o Marechal Deodoro com sua faixa presidencial como proposto, isso claramente se encaixa no critério “a concepção e a adequação das Fantasias ao Enredo as quais devem cumprir a função de representar as diversas partes do conteúdo desse Enredo”, que é um critério de concepção.

A correção desse problema não alteraria o resultado final, que continuaria sendo um 9,9 para a escola, só mudando o sub-quesito de punição, mas Regina Oliva tem mais de 10 carnavais de experiência como julgadora e deveria saber o correto enquadramento desta justificativa, assim como o fez para a Mangueira e Portela.

Aliás, é na Portela onde está o outro problema complicado deste caderno, pois a justificativa está incompleta. Ela escreveu que a ala 05 “possui um problema de concepção/execução, posto que os elementos plásticos apresentados no desfile tornaram a fantasia de difícil entendimento”. 

Entendemos que houve na visão da julgadora um problema de leitura da fantasia, mas qual foi o problema? O que ela não entendeu? O que ficou faltando? Ela simplesmente não diz, fica aquela justificativa incompleta que a própria escola não consegue saber em que errou.

Obs: a fantasia está perfeitamente descrita e defendida no Livro Abre-Alas e passou com todos os elementos descritos. Pelo longo histórico da julgadora, podemos desconfiar que mais uma vez faltou leitura do Livro Abre-Alas.

Já na Mangueira o décimo foi embora pelo mesmíssimo motivo que todos os quatro julgadores de Enredo já haviam apontado e três de fantasias também apontarão: o erro na caracterização das baianas do Senhor de Bonfim estando de verde e rosa, diferente do branco por preceito religioso exigido pela festa. 

Fora Portela e Tuitui, as justificativas estão bem escritas, com dosimetria facilmente entendível e todos os descontos são pertinentes ao quesito, tais como fantasias caídas, fios aparentes e má qualidade de materiais.

Ainda dado o histórico da julgadora, sempre ficamos naquela dúvida de quantos componentes significam o “algumas pessoas”, tendo em vista que ela já despontuou por apenas 1 ou 2 componentes estarem com problemas. Mas, sejamos honestos em dizer que se fosse um julgador qualquer isso não incomodaria nossos olhos.

Desta forma, não é exatamente um caderno bom pois é difícil conceber onde a julgadora teria achado algum problema na ala 05 da Portela, logo na única justificativa incompleta da mesma, e não dá para alegar o benefício da dúvida da inexperiência para uma julgadora com 10 carnavais de experiência para a inversão de subquesitos do Tuiuti. Mas é inegável que não chegou perto dos desastres escritos por ela em quase todos os anos de existência desta coluna.

Módulo 2

Julgador: Sergio Henrique da SIlva

  • Porto da Pedra – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Beija-Flor – 10
  • Salgueiro – 10
  • Grande Rio – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • U. da Tijuca – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Imperatriz – 10
  • Mocidade – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Portela – 10
  • Vila Isabel – 10
  • Mangueira – 9,9 (concepção 4,9)
  • Tuiuti – 9,8 (realização 4,8)
  • Viradouro – 10

Quarto ano do julgador e quarto caderno altamente problemático. Por mais que tenha havido uma ligeiríssima melhora em relação ao ano passado, pois não foram distribuídos notas 10 a rodo e dá para ao menos entender as justificativas escritas, o caderno deste julgador continua eivado de justificativas genéricas e incompletas.

Na parte da justificativa genérica, há duas ocorrências rotineiras. O julgador simplesmente tasca “faltou leitura” em inúmeras alas de várias escolas sem explicar de forma mínima qual foi o prejuízo de leitura sentido. Isso se repete na Porto da Pedra (ala 3), Tijuca (ala 8), Mocidade (alas 9 e 10) e Mangueira (ala 17). Ou seja, 4 das 5 justificativas de concepção escritas neste caderno.

Apenas a Grande Rio tem alguma explicação dos motivos da falta de leitura, mesmo que ainda possa ser contestável a explicação dada para a ala 4, “excesso de panos e material de difícil resolução”.

O mesmo ocorre com o apuro estético. O julgador simplesmente escreve “faltou apuro estético” sem qualquer outra explicação minimamente mais individualizada na Porto da Pedra (alas 1 e 7), Grande Rio (ala 7), Tijuca (alas 5, 13, 14 e 16), Mocidade (alas 1 e 7) e Tuiuti (alas 6 e 28).

No caso do apuro estético a situação ainda é mais grave pois, sem qualquer lógica aparente, em alguns momentos o julgador apontava essa “falta de apuro estético” como um problema de concepção, como na ala 3 do Porto da Pedra, na ala 6 da Grande Rio e na ala 16 da Tijuca, mas na maior parte das vezes o julgador apontava esse mesmo problema em realização, como em todas as outras situações citadas no parágrafo anterior e não incluídas na lista acima. Ou seja, ficou a impressão que o julgador colocava o “apuro estético” na casinha do subquesito que desse na cabeça dele na hora de forma aleatória.

Aqui, creio que não haja o que se discutir: apuro estético é problema exclusivo de realização como fica claro nos critérios de julgamento “a impressão causada pelas formas e pelo entrosamento, utilização, exploração e distribuição de materiais e cores” e “os acabamentos e os cuidados na confecção das fantasias que deverão também possibilitar uma boa evolução dos componentes”.

Além dessas justificativas genéricas aos borbotões, algumas das poucas justificativas que tem um pouco mais de originalidade também ficam incompletas. Por exemplo, na ala 7 da Grande Rio “ficou comprometida a escolha de material e parte cromática não tinha apuro estético”. 

Por que ficou comprometida a escolha de material? Qual o material que destoou negativamente no acabamento? E qual foi o problema no cromatismo que o julgador estranhou? Nada disso é descrito.

Na Tijuca, o julgador escreveu para a ala 14 que “o adereço de mão não teve boa resolução no tamanho”. 

Mas qual foi exatamente o problema? Ficou grande? Ou ficou pequeno? Ou o tamanho atrapalhava a evolução do componente? Continuamos sem saber.

Por último quanto às justificativas, a mais tétrica para mim. Na ala 13 da Mocidade “o adereço ‘arco e flecha’ foi substituído por um material diferenciado do original”. Entendemos que o arco-e-flecha presente no croqui do Livro Abre-Alas não apareceu na avenida e entrou um outro adereço em seu lugar. 

Mas qual foi o problema verificado pelo julgador no adereço que foi mostrado na avenida? Aqui no Rio de Janeiro os croquis são apenas para ajudar a referenciar o julgador no desfile, sem necessidade de ser reproduzido fielmente na avenida, logo o julgador precisa apontar o real problema do adereço apresentado, seja de má realização estética ou de falta de entendimento da fantasia ocasionada pela troca (o que sequer seria um problema de realização como apontado, mas de concepção). Eu diria até que essa é uma não-justificativa, ele simplesmente não apontou nada que seja passível de desconto.

Quanto à dosimetria, esse caderno também é uma bagunça. Salvo o Tuiuti, ele só retira um décimo de todas as escolas em cada subquesito, seja apenas um pequeno problema apontado ou por uma saraivada deles. É difícil perceber qualquer critério.

Pior ainda: lendo a justificativa dele para o Tuiuti até nos perguntamos o motivo que ele resolveu retirar o segundo décimo da escola, porque os problemas apontados pouco parecem distantes dos apontados em realização para a Tijuca. Mesmo que no Tuiuti haja 5 alas com problemas contra 4 da Tijuca, parece que a ala 14 da Tijuca tinha um problema duplicado que acaba aproximando-a do Tuiuti no cômputo geral.

Em suma, mais um caderno desastroso do início ao fim deste julgador que em todos os quatro anos de experiência ainda não foi capaz de nos apresentar um caderno sequer razoável. Reitero minha pensata do ano passado: talvez seja hora de pensar em uma substituição neste posto.

Módulo 3

Julgador: Wagner Louza

  • Porto da Pedra – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Beija-Flor – 10
  • Salgueiro – 9,9 (concepção 4,9)
  • Grande Rio – 10
  • U. da Tijuca – 9,7 (concepção 4,8 e realização 4,9)
  • Imperatriz – 10
  • Mocidade – 9,7 (concepção 4,8 e realização 4,9)
  • Portela – 10
  • Vila Isabel – 10
  • Mangueira – 9,9 (concepção 4,9)
  • Tuiuti – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Viradouro – 10

Outro bom caderno do julgador, mais uma vez bastante atento à concepção das fantasias e aos seus significados apontando vários problemas ocorridos nesse ponto.

Wagner também é uma prova evidente da importância de se manter um júri com diversidade, mas sem perder a qualidade do julgamento, pois seu olhar diferenciado percebeu problemas em certas representações que nenhum outro julgador prestou atenção.

Por exemplo, na Mocidade ele apontou que nas alas 4 e 5 os indígenas foram representados com perucas louras sem nenhum motivo aparente. Era um detalhe na fantasia, não era algo gritante, mas é um erro de representação difícil de aceitar em 2024.

Outro exemplo bastante interessante é que ele foi o único a apontar na ala 06 da Porto da Pedra que a figura do africano retratado ficou extremamente estereotipada e eurocentrada. Vou até mais além: olhando com calma, já após o desfile, digo até que não é tão fácil entender que aquilo representa um africano da África Negra,

Porém, dentro dessa visão, acredito que mais uma vez ele deslizou no exagero ao não compreender a carnavalização de uma ala para se adequar a própria escola. Ano passado disse isso em relação a Ala das Damas da Portela e neste ano acredito que o mesmo fato ocorreu na ala 07 da Mocidade. Justificou o julgador que “ao representar os ‘olhos de Tamandaré’ na cor verde, a escola reproduziu literalmente o olhar do ‘invasor externo’”.

Entendo o ponto do julgador – é exatamente o mesmo dos exemplos anteriores elogiados, porém neste caso sendo em uma escola que tem a cor verde na alma, poderia ser relevado considerando a adaptação necessária de um figurino para a carnavalização de uma escola como a Mocidade.

De resto, as justificativas foram quase todas muito claras, objetivas e completas, totalmente encaixadas nos critérios de julgamento.

O único porém fica por conta da justificativa do Salgueiro: “Apesar de algumas mudanças ocorridas, em termos de representação indígena, a escola perdeu um décimo, pois, de modo geral, o conjunto de fantasias ainda preservava estereótipos eurocêntricos da cultura indígena. A promessa do ‘abandono’ de um olhar ‘genérico’, conforme descrito na página 196 (Abre-Alas), não se concretizou em sua plenitude na avenida, A essência da cultura Yanomami poderia ter sido mais explorada”.

Aqui o julgador acabou caindo em duas armadilhas comuns das justificativas. Primeiro, a medida que ele diz “de modo geral” e não dá pelo menos alguns exemplos, a justificativa acaba ficando genérica. Nessas horas, mesmo não sendo o caso, pode passar a impressão para o público que foi um décimo tirado a bel prazer do julgador, sem um motivo plausível. Afinal, se ocorreu de um modo geral, os exemplos estariam espalhados pela escola, não deve ser difícil pinçar um ou dois. 

O segundo está no final, quando o julgador escreve que a “a essência da cultura Yanomami poderia ter sido mais explorada”. Esse tipo de texto acaba resvalando na impressão do “eu acho”, quando o julgador não tem que achar nada, deve julgar o que a escola se propôs a apresentar. Especialmente pela falta dos exemplos na primeira parte, essa impressão fica ainda mais forte na 2ª parte.

Quanto à dosimetria, também foi um caderno muito bom. Inicialmente, fica claro que ele teve o bom senso de não despontuar um problema ou outro isolado, o que é natural e de bom grado em se fazer quando se avalia um conjunto de 25 a 30 fantasias diferentes reproduzidas quase que 2000 vezes. Até por ser um julgador bastante atento, ele apontou vários problemas para se tirar um décimo. Nenhuma escola perdeu décimo por problemas em menos de duas alas. Ao mesmo tempo percebeu-se exatamente porque Mocidade e Tijuca perderam dois décimos em concepção, pois a monta de problemas de ambas foi bastante superior as demais.

A única discussão passível de se fazer em dosimetria é quanto à concepção da Mocidade. Os problemas apontados para a Mocidade são tantos, sete ao todo, e três deles de gravidade considerável que pode-se discutir se ela não estava em um patamar até inferior ao alcançado pela Unidos da Tijuca. Mas é outra situação limítrofe em que ambas as respostas são possíveis.

Ao fim, de um modo geral foi um bom caderno pelo segundo ano consecutivo, em um quesito que realmente estava precisando de uma melhoria urgente na qualidade do julgamento.

Módulo 4

Julgador: Paulo Paradela

  • Porto da Pedra – 9,8 (realização 4,8)
  • Beija-Flor – 10
  • Salgueiro – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Grande Rio – 9,9 (concepção 4,9)
  • U. da Tijuca – 9,7 (concepção 4,8 e realização 4,9)
  • Imperatriz – 10
  • Mocidade – 9,6 (concepção 4,7 e realização 4,9)
  • Portela – 10
  • Vila Isabel – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Mangueira – 9,9 (concepção 4,9)
  • Tuiuti – 9,8 (concepção 4,9 e realização 4,9)
  • Viradouro – 10

Novamente o sorteio colocou o julgador que tem o olho de lince mais refinado no último módulo. Isso é fatal para os décimos de realização, e neste ano ele até tirou mais de concepção. O mais interessante é que juntando os quatro julgadores de enredo e os quatro de fantasias, ele foi o único a não apontar a baiana verde-e-rosa da Mangueira na ala 15.

Aliás, Paradela também foi o único a escrever na justificativa algo incômodo na Vila Isabel: todos os costeiros do setor dos orixás eram praticamente iguais, só mudando as cores para representar cada um deles. Em relação a repetição de soluções, ele também retirou do excesso de capas usadas pela Unidos da Tijuca nas alas 11, 13, 24, 26 e 28. Foram as únicas justificativas sobre soluções iguais neste ano em todo o quesito.

Também é interessante que Paradela foi o único julgador a apontar e explicar, com seu requinte de detalhes característico, os problemas de transmissão de mensagem em algumas alas da Grande Rio, que pretendiam trazer muito mais informação do que é possível em uma fantasia – o que acabou comprometendo a leitura. Por mais que o julgador do módulo 2 também tenha descontado a Grande Rio em concepção, sua justificativa ficou genérica como já explicado acima.

De resto, pouco há o que se comentar neste caderno. Paradela escreve suas longas e detalhadas justificativas de praxe e detalha cada um dos vários problemas encontrados, todos pertinentes e dentro dos critérios do quesito.

Também a dosimetria é muito fácil de ser identificada. Assim como Wagner, teve o cuidado de não punir nenhuma escola por problemas isolados e nenhuma escola foi punida por menos do que dois problemas. O 4,8 da Porto da Pedra em realização é perfeitamente entendível, pois a escola apresentou, na visão do julgador, muito mais problemas que as outras, assim como o 4,8 da Tijuca em concepção. Aliás, Paradela acabou fazendo a diferenciação que propus acima no caderno do Wagner e, comparando com os problemas de concepção da Tijuca, tirou um décimo extra da Mocidade pois verificar quatro alas inteiras sem absolutamente nenhuma leitura que identificasse a fantasia com o enredo é um problema gravíssimo que justifica a perda de um décimo extra.

Caderno irretocável mais uma vez do julgador.

Recomendações para a LIESA em Fantasias:

  • Rediscutir a subdivisão do quesito em concepção e realização, tendo em vista que tal divisão muitas vezes dificulta a dosimetria do julgador e para evitar de dar notas mais baixas do que o inicialmente pensado, alguns julgadores estão literalmente ignorando os subquesitos em algumas justificativas.
  • Clarificar no Manual do Julgador, no quesito Fantasias, se a despontuação por soluções similares em alas deverá ocorrer em concepção, por falta de criatividade, ou em realização, pela impressão causada pelas formas e cores.
  • Permitir a utilização do critério comparativo nas justificativas, desde que o julgador deixe claro o que “faltou” na comparação das escolas que perderam ponto em relação às que receberam 10, com exemplos se possível.
  • Clarificar no Manual do Julgador se uma escola deve ser descontada por “falta de tempo necessário para avaliar” a ala em virtude de uma evolução acelerada da escola.
  • Clarificar no Manual do Julgador que deverá haver maior complacência com o excesso de cores da própria escola.

Imagens: Pedro Migão/Blog Ouro de Tolo