Bateria foi um dos poucos quesitos este ano a não sofrer com uma explosão de notas 10 com as novas regras. Também pudera, a marca anterior de 75% já era extremamente alta e discrepante dos outros quesitos, a manutenção dos mesmos 75% apenas serviu para que outros quesitos chegassem mais perto de Bateria, que antes surgia como uma aberração na tabela.
Módulo 1
Julgador: Rafael Barros Castro
- UPM – 9,9
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 10
- Mangueira – 10
- U. da Tijuca – 10
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 10
- Mocidade – 10
- Tuiuti – 9,9
- Grande Rio – 10
- Portela – 10
Não há muito o que falar sobre justificativas quando há dez notas 10 e apenas dois 9,9. Ambos os descontos estão muito bem justificados. No caso da UPM um desenho rítmico de tamborins na parte “xirê que mantenho no meu caminhar” e precipitação na execução da bossa “reggae” do Tuiuti em “vim da África, mãe eh oh”.
Porém, em algo que será uma tônica por toda a Justificando 2025, minhas maiores curiosidades continuarão sem respostas porque a nota dez não é justificada.
Como ocorreram as notas 10 para as baterias de Viradouro e Salgueiro? A Viradouro teve problemas de equalização em todo o desfile, que serão inclusive abordados por outros julgadores.
Já a bateria do Salgueiro teve problemas em seu início, mas pode ser que tenha acertado isso ao passar, já com mais de 15min de desfile, no módulo 1. Inclusive foi uma bateria nota 40.
Como já tem virado tradição, Rafael Barros Castro fez questão de nas considerações finais registrar os maiores destaques em sua visão de cada uma das 12 baterias. Aqui mais uma vez tomei um susto ao ele elogiar a “cadência e afinação” da UPM.
A UPM teve problemas gravíssimos de mudança súbita de cadência, especialmente após a volta de bossas. Era algo que estava ocorrendo com frequência já nos ensaios de rua, perceptíveis até para ouvidos mais leigos, tamanha era a diferença, e se repetiu a esmo na avenida.
Por fim, o julgador ressalta “a importância do andamento do samba ao longo do desfile, da largada até o encerramento, a fim de permitir uma cadência regular favorecendo toda a escola no percurso, o ajuste de andamento no decorrer prejudica seu movimento orgânico”.
Aqui eu entendi o julgador, ele não pode julgar tal ajuste pois não ocorre em frente ao módulo como ordena o Manual do Julgador, mas ainda sim faz esse alerta importante. Só que isso apenas aumenta meu espanto com o escrito sobre a bateria da UPM.
Módulo 2
Julgador: Ary Jaime Cohen
- UPM – 9,8
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 9,9
- Mangueira – 9,9
- U. da Tijuca – 10
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 10
- Mocidade – 10
- Tuiuti – 10
- Grande Rio – 9,9
- Portela – 10
Neste caderno de cara já aparece o problema da súbita oscilação de andamento da bateria da UPM mencionada nos meus comentários ao módulo anterior. O outro décimo da UPM foi embora pelo sempre polêmico “a única convenção apresentada no módulo poderia ter sido mais complexa”. Porém o novo Manual de 2025 claramente permite essa avaliação do julgador ao colocar que o julgador deverá considerar o “arranjo musical da bateria, tal como a criatividade, a versatilidade e o grau de dificuldade da execução”.
Sei que historicamente nesta coluna eu pedia que o julgador colocasse alguma forma de comparação, alguma forma de balizar essa falta de criatividade ou complexidade. Inclusive essa é a maior crítica que fazia a este julgador em específico. Porém, com a nova diretriz não-comparativa do julgamento, isso ficou impossível e até ilógico. Não obstante, o julgador ainda tem como tarefa analisar a criatividade, a versatilidade e o grau de dificuldade da execução. É uma tarefa hercúlea ser obrigado a fazer isso sem ter como comparar.
Na Viradouro, o julgador entra em uma seara polêmica, que deixarei para desenvolver no módulo 4 onde a justificativa dada teve mais repercussão, decidindo o título do Carnaval. Mas ele descontou porque o som da alfaia utilizada na convenção ficou baixa demais comprometendo o resultado sonoro da mesma. O próprio julgador escreve que acredita que o volume do carro de som tenha contribuído para isso, mesmo que não fique claro se o julgador acreditou que foi uma baixa microfonagem da alfaia ou o mero volume normal do retorno do carro de som.
De qualquer forma, conforme o próprio Livro Abre-Alas da Viradouro, foram usadas 2 míseras alfaias na convenção e considero justo o desconto pelos motivos que explicarei no módulo 4.
Obs: para quem não conhece, a alfaia é um tipo de tambor característico dos maracatus pernambucanos cujo cilindro tem como base a madeira e a corda. Isso dá a ela um som diferente e mais abafado em relação aos surdos clássicos das baterias do Rio de Janeiro, com sua estrutura toda feita em metais.
Já a justificativa da Mangueira é um pouco mais interessante. Ele escreveu que “pelo arranjo musical e a quantidade de caixas, senti a falta de volume no ritmo, somando também o não favorecimento dos carreteiros (tamborins) no arranjo”. Pelo que entendi, ele sentiu falta de massa sonora quando a bateria está tocando “reto”, em ritmo normal sem convenções. Opinião do julgador, ele tem um ponto e está dentro dos critérios de julgamento.
Por fim, na Grande Rio, ele justificou que “na última convenção apresentada, ainda no módulo do julgador no final da bateria com os atabaques, a resposta das caixas sugeriu uma imprecisão com efeito de flam”. Aqui também é preciso um pouco de atenção para compreender o argumento, mas provavelmente essa imprecisão de caixas, que é possível ocorrer se tiver caixa “sobrando”, tocando fora do tempo correto, gerou um toque que parecia desencaixado, como se duas notas tivessem sendo tocadas simultaneamente ou quase.
Afinal, o flam nada mais é do que ter duas batidas simultâneas ou quase simultâneas gerando duas notas musicais diferentes. Isso não necessariamente é um erro, como sempre gosta de pontuar o Mestre Casagrande, é um recurso bastante utilizado por bateristas renomados do rock mundial. Porém, na maior parte das vezes, em uma bateria de escola de samba essa 2a nota acaba atravessando o som de outro naipe.
Pelo visto, o julgador reparou que essa 2ª nota emitida pela caixa da Grande Rio, “sujou” o som saído do atabaque.
Dosimetria simples e clara no caderno.
Por fim em suas observações finais o julgador passou as seguintes sugestões às baterias:
- Observar que o andamento acelerado compromete o resultado final dos naipes leves e médios tocados em ritmo, transparecendo um som final “espremido” dentro do binário tirando a beleza dos toques.
- “Que seja observado um excesso de arranjo percussivo dos leves que, embora quase sempre de bom gosto, não priorizem o somatório com o ritmo e principalmente quando se pensa em reduzir a quantidade dos médios”
- “Atenção com as convenções sobrepostas com uma fechada tardia, confrontando com o samba, sugerindo um resultado anti-musical”
Módulo 3
Julgador: Phillipe Galdino
- UPM – 9,9
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 9,9
- Mangueira – 10
- U. da Tijuca – 10
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 9,9
- Mocidade – 9,9
- Tuiuti – 10
- Grande Rio -10
- Portela – 10
Outro julgador que anotou a oscilação brusca de ritmo da UPM. Na Viradouro, ele apontou exatamente o problema do equilíbrio sonoro que particularmente senti quando a bateria passou por mim (entre os módulos 2 e 3): as terceiras estavam conflitando com os agudos. Outro problema recorrente nos ensaios de rua, e pela justificativa do julgador “calou” os agogôs, comprometendo o resultado do arranjo.
Na Vila Isabel, ele repetiu a justificativa dada em 2023 e descontou a retomada acelerada além do normal após a bossa da parte do samba do “silêncio”. Mesmo motivo do desconto da Mocidade, no caso na retomada após a paradona.
Dosimetria simples e clara no caderno.
Agora, nas observações finais, mais uma vez fica evidente as limitações do julgamento não comparativo. Após escrever que a bateria da UPM não mostrou todo seu potencial no módulo e elogiar bastante os mestres da Mangueira, ele escreve que “gostaria de ter apreciado as bossas mais complexas da Furiosa em frente ao módulo. Sonoridade muito boa e destacada das 3as”.
Se a bateria do Salgueiro não apresentou as bossas mais complexas, ela não deveria ser descontada pelo “grau de dificuldade” que está escrito no Manual para ser avaliado? Mas como avaliar os diferentes graus de dificuldade sem algum nível de comparação? Atenção LIESA, ainda é hora de voltar ao que sempre havia sido!
A mesmíssima observação serve para a Mocidade que recebeu a mesma observação do julgador.
Por fim, o julgador mais uma vez ressaltou em suas observações finais que é necessário ter um cuidado redobrado nas retomadas quando as baterias estiverem com o andamento mais “pra trás”. A aceleração excessiva no retorno do ritmo é anti-musical e compromete a cadência. O mesmo julgador deixa claro que alguma aceleração é natural, mas precisa ser orgânico para não extrapolar o limite do aceitável.
Módulo 4
Julgadora: Geiza Carvalho
- UPM – 9,9
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 10
- Mangueira – 10
- U. da Tijuca – 10
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 10
- Mocidade – 10
- Tuiuti – 10
- Grande Rio – 9,9
- Portela – 10
Os julgadores estreantes de modo geral já costumam distribuir notas 10 de forma mais generosa. Uma julgadora estreante logo em bateria não chega a ser surpresa as dez notas 10 dadas. Não me surpreende o 10 para o Tuiuti, pois, apesar da correria, os vídeos mostram que as bossas conseguiram inacreditavelmente serem executadas em movimento. Só o 10 da Viradouro é mais um que ficarei querendo entender as circunstâncias.
O desconto da UPM ocorreu por um “desencontro” do naipe de chocalhos e falta de sustenção da cadência da bateria, como já explicamos nos módulos anteriores. Acredito que se a julgadora além da falta de sustentação do ritmo percebeu esse problema nos chocalhos, a dosimetria mais apurada seria um 9,8. Mas não é algo grave.
Agora, sem dúvidas a nota desta julgadora que mais gerou burburinho, exponenciada por uma mancada administrativa enorme da LIESA na divulgação do mapa de notas, foi o 9,9 para a Grande Rio que, na prática, decidiu o título soberano da Beija-Flor e não um caneco dividido.
Como todos vocês já devem saber; pois essa justificativa se alastrou como pólvora ns redes sociais e foi alvo de uma, sendo educado, deselegância da Grande Rio no Desfile da Campeãs; a julgadora descontou o décimo da bateria da escola porque os curimbós da bossa soaram baixíssimos.
A escola colocou a culpa em um erro de microfonagem da avenida que fez com que os curimbós não soassem como deveriam e tentou anular esta nota, dividindo o título, tal como o precedente aberto pela Mocidade em 2017.
Em minha opinião, não resta qualquer dúvida da correção da julgadora ao notar este problema, que faz parte de dois critérios de julgamento do quesito: “a adequabilidade e a perfeita execução das eventuais bossas e paradinhas que sejam executadas” e “a perfeita conjugação dos sons emitidos pelos vários instrumentos”.
Por sua vez, não creio que haja qualquer razão da Grande Rio em sua reclamação. Justamente por ser de conhecimento amplo que o som da Sapucaí é uma problema antigo, conforme corretamente reclamado pelo próprio Mestre Fafá em entrevista ao YouTube deste Blog Ouro de Tolo, o Manual do Julgador é claro em determinar que o julgador não deve considerar “o desempenho da Bateria em qualquer outro ponto da Sapucaí, a não ser aquele que está no campo de visão e audição direta do julgador, quando as caixas de som da avenida são desligadas para a apresentação no módulo” (grifos nossos).
Essa determinação, que restringe consideravelmente a possibilidade de atuação do julgador de Bateria e em minha opinião é uma das principais explicações à chuva de notas 10 que se tornou característica deste quesito nos últimos anos, foi posta com um propósito muito claro e óbvio: blindar as escolas e os mestres de bateria em relação a influência dos problemas eternos e recorrentes de som da Sapucaí na avaliação de seu desempenho no julgamento.
Ou seja, ele existe para que a bateria da escola de samba tenha a possibilidade de trabalhar com calma, sem se preocupar que problemas técnicos do som, alheios a qualquer responsabilidade da agremiação, possam influenciar seu desempenho e para que o resultado da massa sonora da bateria para avaliação seja perceptível ao julgador sem qualquer necessidade de interferência do sistema de sonorização.
Inclusive, esse é o principal motivo, além da obrigação regulamentar, que as baterias sejam compostas por entre 250 e 300 integrantes, uma quantidade de duas a três vezes maior de componentes do que qualquer ala normal de uma escola de samba.
Outro motivo para existir essa situação é justamente exigir que as escolas de samba tenham que fazer trabalhos mais complexos de formação de um contingente de ritmistas com boa base musical e acompanhem todos o ritmo de uma bateria pertencente ao Grupo Especial. Porque, se fosse apenas uma questão de microfonar os instrumentos “certos”, a bateria não precisaria ter 300 integrantes. Bastaria 3 surdos, 3 ou 4 caixas e mais uns 2 ritmistas de cada um dos naipes agudos, microfonaria todos esses 15 ou 20 ritmistas de elite e o sistema de sonorização faria o resto.
Por isso, acredito que a Grande Rio errou em seu planejamento básico quando decidiu arriscar uma bossa que colocava em uma Sapucaí, uma obra colossal de concreto com uma acústica que faz o som das percussões se “perderem” facilmente no ambiente, com apenas 3 curimbós e 3 maracás, segundo o dado existente no próprio Livro Abre-Alas.
Obviamente, sem um apoio muito coordenado do sistema de som, o som desses pouquíssimos instrumentos, que não tem a ressonância dos instrumentos característicos das baterias, ficaria irreconhecível no meio de 270 outros instrumentos de percussão potentes. Ou seja, a Grande Rio, por livre e espontânea vontade, abriu mão da blindagem “anti-defeito do sistema de som” que o Manual do Julgador proporciona às escolas.
Conforme já conversei com profissionais da área, uma bossa com os curimbós e maracás para não depender do sistema de sonorização da avenida deveriam contar com algo entre 20 a 30 instrumentos de cada um dos naipes, ou seja de sete a dez vezes mais instrumentos do que os levados efetivamente pela Grande Rio.
Inclusive, a LIESA deveria estudar a possibilidade de proibir em regulamento qualquer microfonagem específica e deliberada de qualquer instrumento das baterias, permitindo apenas a captação de som ambiente, justamente visando à impedir o fenômeno da “elitização” dos componentes dos diversos naipes como explicado acima.
A mesmíssima explicação dada aqui, serve para as míseras duas alfaias da Viradouro.
Eu também me recuso aqui a individualizar a culpa no Mestre Fafá ou no Mestre Ciça porque uma escola de samba é uma obra coletiva e havia outras pessoas em outros cargos importantes que tinham como missão intervir e interpelar os artistas Fafá e Ciça sobre o risco que suas criações artísticas tinham para o conjunto da escola.
Inclusive, no caso da Viradouro, me espanta uma escola que gosta de primar pelo tecnicismo e por evitar riscos desnecessários em relação ao julgamento, não ter intervido em relação a bossa com apenas duas alfaias.
Finalizando o quesito, devo dizer que em um geral o julgamento de bateria foi interessante pois, com o novo regulamento, pareceu que finalmente os julgadores ficaram mais à vontade para avaliar o núcleo do quesito, ou seja a cadência, a manutenção do ritmo. Algo que estava em falta nos outros anos.
Por fim, espero que no conjunto do caderno as escolas entendam o clamor de uma volta ao básico. A bateria não precisa apresentar bossas malucas, com instrumentos “alienígenas” em pouca quantidade apenas para tentar demonstrar criatividade. Ela precisa voltar a focar em cadência, manutenção de ritmo, levada, com os instrumentos característicos de uma bateria de escola de samba. Inclusive há inúmeras possibilidades de convenções criativas usando apenas esses instrumentos básicos que foram pouco utilizados, como o Rafael Barros Castro sugeriu em suas observações finais de 2020.
Recomendação para a LIESA em Bateria:
- Tentar resolver o eterno problema do som da Sapucaí. 2025 foi um dos piores anos nesse aspecto.
- Verificar a necessidade da volta do critério comparativo para a aplicação correta dos novos critérios de julgamento criados em 2025.
- Discutir a situação da microfonagem de instrumentos específicos