Se Bateria foi um dos dois quesitos que não teve uma explosão de notas 10 com as novas regras de julgamento, o segundo quesito foi Samba-Enredo. As 27 notas 10 representam apenas uma a mais que as 26 de 2024, ou seja, nada estatisticamente importante. Porém a safra desse ano foi consideravelmente mais forte do que a do ano passado. Eu não sei se Isso tudo evidencia a aberração que foi a chuva de notas 10 ocorrida nesse quesito no ano anterior ou se foi simplesmente o prenúncio da catástrofe que será relatada abaixo.

Interessante notar que os cadernos de julgamento de Samba-Enredo este ano não tinham um espaço para que os julgadores escrevessem a nota de cada um dos sub-quesitos, apenas a nota global do quesito. Dessa forma, diferente dos outros anos, deixei de incluir junto a nota global, as notas dos sub-quesitos.

Módulo 1

Julgador: Alfredo Del-Penho

  • UPM – 9,9  
  • Imperatriz – 9,9 
  • Viradouro – 10
  • Mangueira  – 9,9
  • U. da Tijuca – 10
  • Beija-Flor – 10
  • Salgueiro – 9,9
  • Vila Isabel – 9,8
  • Mocidade – 10
  • Tuiuti – 9,9
  • Grande Rio – 10
  • Portela – 10

 

Que bom poder voltar a escrever que o Alfredo que eu senti falta nos últimos dois anos voltou. Justificativas claras, pertinentes. Em alguns casos até óbvias. 

Salgueiro? Quebras abruptas de melodia sem transições.

Imperatriz? Padrões melódicos recorrentes, especialmente na 1ª estrofe. Inclusive eu acrescento algo que ele não escreveu, esses padrões recorrentes em conjunto com a letra, de difícil dicção, causou um problema estrutural que dificultou o canto do samba.

Vila Isabel? Clichês melódicos a rodo e letra sem qualquer realce poético.

Ou seja, problemas nítidos e fáceis de notar, muitos deles bastante comentados na “bolha” no pré-carnaval.

Sempre é possível debater algumas notas e justificativas. O samba da Mangueira passar ileso em melodia (o desconto foi por letra solta e sem discurso poético) ou o desconto da UPM que, apesar de ocorrer por um problema real e recorrente na letra, qual seja a falta de encadeamento entre os versos sem uma conexão entre eles, poderia ser relevado pela beleza e qualidade da música em seu conjunto. Mas são questões normais que envolvem um julgamento subjetivo, pequenas divergências são normais.

Outro ponto de interessante discussão é a dosimetria. Mais uma vez ela está clara no caderno. Porém mais uma vez a insistência deste julgador em segurar o 9,7 pelo terceiro ano consecutivo talvez não tenha feito justiça no quadro geral, mesmo sabendo que o julgamento não comparativo deste ano gerou uma dosimetria por demais achatada em que todas as 11 escolas não chamadas Vila Isabel foram disposta em apenas dois grupões, quase divididos ao meio, um com nota 10 e outro com nota 9,9.

Se a Vila Isabel fosse puxada para o devido 9,7, talvez sobrasse espaço para uma melhor diferenciação, mesmo sabendo que tal diferenciação não pudesse ser comparativa.

Em suas observações finais, além de mais uma vez reiterar o pedido já feito ano passado por ele e também por esta coluna desde 2022 para que os julgadores possam fechar as notas na tranquilidade do hotel dos julgadores, Alfredo sugeriu que haja pelo menos 3 encontros entre os julgadores 2025 com a diretoria da LIESA, a diretoria das escolas e os compositores de samba-enredo para juntos analisar, discutir e propor melhorias para o quesito. Ainda ressaltou que ao menos um desses encontros deveria ocorrer antes da divulgação das sinopses de enredo.

Módulo 2

Julgador: Alessandro Ventura

  • UPM – 9,9
  • Imperatriz – 10  
  • Viradouro – 10
  • Mangueira  – 10
  • U. da Tijuca – 10
  • Beija-Flor – 10
  • Salgueiro – 9,9
  • Vila Isabel – 9,8
  • Mocidade – 9,9
  • Tuiuti – 10
  • Grande Rio – 10
  • Portela – 10

Simplesmente olhando o quadro de notas do julgador, já é dificil defender como, após achar oito notas 10 em 12 possíveis, incluindo os sambas polêmicos de Mangueira e Tuiuti, o julgador consiga achar um 9,9 para a UPM.

A dificuldade apenas aumenta ao ler a justificativa para esse 9,9 que diz que “atritos vocálicos observados na execução do samba contrariaram o princípio que preza pelo ‘entrosamento dos versos com os desenhos melódicos’… A alteração de propriedades das notas musicais (notadamente a diminuição da duração) se provou desfuncional e alijou o desfilante da possibilidade de canto”.

O julgador até tem um ponto. Realmente havia trechos do samba da UPM nos quais o canto não era dos mais fáceis. Ele inclusive acertou bem os trechos em que isso ocorria de forma mais nítida em sua justificativa.

Só que, para ser coerente, o julgador também precisava tirar pontos de pelo menos Imperatriz, Mangueira, Tuiuti que tinham problemas tão graves como esse da UPM e não o fez. Talvez não por coincidência, nessa brincadeira cairiam as duas notas 10 mais polêmicas do julgador. Sendo mais rígido, até a Portela poderia entrar nessa brincadeira.

Apesar disso tudo, para mim a justificativa mais complicada nem é esta da UPM, mas a do Salgueiro, que claramente saiu do quadrado do quesito Samba-Enredo e descontou por algo que só deveria ser julgado em outro quesito, Enredo. Transcrevo a justificativa inteira abaixo.

“A introdução da temática do cangaço na estrutura musical do samba, para além de ter tornado errante a temática da composição, se desviou igualmente do princípio da ‘adequação da letra ao enredo’ ao instaurar noção de gratuidade temática bem no cerne da narrativa. As linhas que versam sobre o sertão, Lampião e Moreno comprovam a guinada na estrutura da obra, em franco prejuízo ao fio condutor da narrativa. O desacerto impõe a subtração de 0,1 (letra)”.

Percebam que todo o campo semântico da escrita da justificativa é típica de uma justificativa de Enredo, não de samba-enredo. “Introdução da temática”, “gratuidade temática”, “cerne da narrativa” e “fio condutor da narrativa” são expressões típicas de se ler em uma justificativa de um julgador de Enredo, não de Samba-Enredo. Justamente porque elas se coadunam com a avaliação do “argumento ou tema, ou seja, a ideia básica apresentada pela Escola e o desenvolvimento teórico do tema proposto” ou com “a clareza, coerência e coesão (unidade lógica) na roteirização do Desfile, de modo a facilitar o entendimento do tema ou argumento proposto no desenvolvimento teórico”, que são critérios de julgamento do quesito Enredo.

É exatamente o que ocorre aqui. Quem for estudar o Livro Abre-Alas do Salgueiro, ou simplesmente olhar o desfile com o roteiro sintético disponível no aplicativo da Rio Carnaval, perceberá que esse “salto argumentativo” para o cangaço ocorre na própria explicação do enredo salgueirense. Ele é a mais pura e básica expressão do enredo na letra do samba.

Logo, a alegação de que a despontuação se baseia no critério de julgamento “adequação da letra ao enredo” não para em pé. Pelo contrário, esse salto, essa quebra do fio condutor é a mais perfeita tradução do enredo na letra do samba! O samba está fazendo o seu papel de em sua letra exprimir o enredo, inclusive com seus saltos e sobressaltos. Jamais poderia ser punida por inadequação da letra ao enredo.

Pior, não é a primeira vez que o julgador aprontou uma dessas. Ano passado ele já tinha feito algo bastante semelhante com a Unidos da Tijuca.

Infelizmente, esses problemas recorrentes reforçam uma suspeita antiga minha: os julgadores de Samba-Enredo não estão lendo as explicações do enredo no Livro Abre-Alas que é disponibilizado com dias de antecedência para eles justamente para isso. 

Por essa falha, grave a meu juízo, o julgamento do critério “adequação da letra ao enredo” está eivado de erros ao longo dos diversos cadernos nos últimos anos. O 40 que o samba do Hutukara levou é o exemplo mais gritante recentemente.

Já a justificativa da Mocidade também foi por falta de adequação da letra ao enredo por, entre outros motivos, a difícil compreensão dos nexos arbitrários dos versos sem qualquer referência a função denotativa, algo que é acentuação pelo uso excessivo de metalinguagem e baixa predicação dos versos. Aqui é uma justificativa mais aceitável dentro deste critério de julgamento porque, apesar da letra também refletir um problema típico de enredo, a letra não passa mensagem alguma o que é uma falha que tanto tangencia este critério de julgamento utilizado como tangencia o critério de “riqueza poética, beleza e bom gosto”.

Por fim, ambas as justificativas da Vila Isabel passam pelos mesmos problemas já apontados no módulo 1.

Porém, o caldo final é um caderno problemático em que metade das justificativas são, no mínimo, bastante discutíveis.

Módulo 3

Julgador: Igor Fagundes

  • UPM –  9,9
  • Imperatriz – 10
  • Viradouro – 9,9
  • Mangueira  – 10
  • U. da Tijuca – 10
  • Beija-Flor – 10
  • Salgueiro – 9,9
  • Vila Isabel – 9,8
  • Mocidade – 9,9
  • Tuiuti – 9,8
  • Grande Rio – 10
  • Portela – 10

Esse é daqueles cadernos que sequer sabemos por onde começar. O estreante julgador escreveu bastante. Todas as seis justificativas extrapolaram bastante o espaço destinado para cada escola e ocuparam inacreditáveis cinco páginas das observações gerais para serem completadas. Como ele só descontou 8 décimos, dá para notar o quão prolixo o mesmo foi, um verdadeiro marco nos 10 anos desta coluna.

O pior é que a impressão que me ficou é que esse exagero na escrita foi fruto de uma falta de confiança nos próprios argumentos utilizados, dessa forma ele escreveu de duas ou três formas diferente o mesmo motivo para o qual ele estava retirando o décimo. Só que, justamente por ter um núcleo fraco, o excesso de escrita apenas exacerbou os problemas nas justificativas.

Começarei por algo que reforça o que escrevi sobre a não leitura do Livro Abre-Alas pelos julgadores de samba-enredo. Um dos três motivos citados para o desconto da Viradouro são as “frequentes repetições de versos ao longo de toda a letra” que é “um recurso capaz de dinamizar o canto, sim, com a ressalva que em excesso pode levar à exaustão a própria música”. Até aqui, pode-se discutir a teoria do julgador mas aceita-se. Ocorre que a Viradouro justificou duas vezes na explicação da letra no Livro Abre-Alas o motivo dessa repetição, que se encaixa perfeitamente no enredo, de trazer essa estrutura de repetição de versos porque é uma estrutura característica dos pontos que invocam Malunguinho na jurema. O fato do julgador simplesmente ignorar o escrito pela escola para justificar o ponto atacado apesar do texto interminável só aumenta minha suspeita dessa não leitura do Livro Abre-Alas.

Reforçando esta suspeita, existe ainda uma das justificativas dadas ao Tuiuti por falta de adequação da letra do refrão final ao enredo que utilizando a linguagem trans “pajubá”, daria a entender que tal linguagem data da época da personagem Xica Manicongo. Se o julgador tivesse lido o Livro Abre-Alas, ou mesmo acompanhado o desfile ala a ala, saberia que este refrão final faz menção ao setor final da escola que fala justamente sobre a luta contemporânea do movimento trans, fazendo com que este refrão se adeque perfeitamente ao enredo.

Ainda na Viradouro, o 1º motivo citado para o desconto do décimo é que o verso “acenda tudo o que for de acender” não consegue ser discernido no canto, especialmente pela velocidade da melodia como a sequência de consoantes em “d” no verso. É sério que voltamos a essa exigência até de ficar alterando a letra consoante que são usadas nas palavras? Isso é uma regressão de uns 3 ou 4 anos de uma longa luta dos compositores contra esse tipo de justificativa.

Pior é a falta de coerência. Apesar da ligeira dificuldade de canto pela aceleração da melodia já dita, esse verso sempre teve dicção claríssima desde os primeiros ensaios na Amaral (que foram trágicos musicalmente por conta de outros fatores). Existem muitos trechos de entendimento mais difícil que esse que receberam a nota 10 do julgador. Darei três exemplos até clássicos no pré-carnaval: “Alá, majestoso em branco marfim / Consulta o ifá e assim / no odú, o presságio cruel” na Imperatriz, “Iya chamou oxalá preto rei pra sambar” na Portela e “pembelê, kaiango” na Mangueira.

Indo para a UPM, a régua do julgador estava extremamente exigente com a escola e até inventou cacófatos onde não havia. O julgador reclamou que a aceleração no trecho “vou voltar, mainha” fez parecer “vovó tá” ou “vô votar”. Sinceramente, eu fui a nada menos que 4 ensaios da UPM além do desfile principal, sem contar as incontáveis vezes que ouvi o álbum oficial e nunca passei próximo de ouvir isso. 

Mais uma vez usando a régua da mesma medida para todas as escolas, com esse nível de exigência, ele deveria descontar a aceleração do “Não ando sozinho” da Tijuca porque pode soar “Nando sozinho”. Ou o “inquice” da Mangueira que por muitas vezes poderia soar “ele” para ouvidos mais distraídos.

Mas, até de forma inacreditável, esse não é o pior “cacófato” inventando para a UPM. O julgador continuou justificando que no trecho “nunca andarei só” a audição tendia a tornar o trecho “nunca darei só”. A UPM e especialmente o Bruno Ribas tiveram o tempo inteiro o cuidado de enfatizar o “an”, mesmo em uma nota mais baixa justamente para evitar cacófatos.

Mais uma vez, se o julgador julgasse as letras de outros sambas com o mesmo grau de exigência que teve com UPM e Viradouro, umas quatro notas 10 dele cairiam e o samba da Mangueira, sem qualquer exagero, poderia beijar o 9,6 pelos vários problemas já ventilados nestes comentários e na justificativa bem feita do módulo 1.

Já na Vila Isabel, um dos dois décimos caiu simplesmente pelo emprego “impróprio” da palavra capitão. Ainda segundo o julgador, capitão é um líder de soldados e não pode ser “líder de um trem fantasma” porque “parece, ao contrário, lançar sua legião aos perigos, ao ‘bicho’”. Nem irei entrar no duplo sentido malicioso de bicho nessa justificativa, mas para onde foi a licença poética? E o direito do samba ser interpretativo, como ficou claríssimo na nova redação do manual? 

Fiquei até com uma sensação de um desconto por causa de um incômodo subjetivo do julgador na menção ao patrono da escola na letra.  Além disso, o que não faltava no samba da Vila era motivo para descontar, como foi bem exemplificado por outros julgadores do quesito.

Depois dessas, nem entrarei na eterna polêmica da justificativa da Mocidade pela recorrência de rimas pobres e excesso de exploração de verbos na 2ª conjugação porque, apesar da raiva dos compositores quanto a este critério de julgamento, ele consta de forma bastante nítida no novo Manual, de forma que é perfeitamente permitido ao julgador se balizar neste motivo.

Por fim, finalizando esse caderno extremamente complicado, é interessante notar que dos oito décimos retirados, nada menos do que sete o foram em letra. Mas não esperava absolutamente nada diferente a partir do momento que se chama um escritor para julgar samba-enredo. Inclusive isso foi previsto na live sobre as mudanças no julgamento feita deste Ouro de Tolo ainda em fevereiro.

Módulo 4

Julgadora: Ana Paula A. Fernandes

  • UPM – 9,7
  • Imperatriz – 9,9
  • Viradouro – 10
  • Mangueira  – 9,8
  • U. da Tijuca – 9,8
  • Beija-Flor – 10
  • Salgueiro – 10
  • Vila Isabel – 9,8
  • Mocidade – 10*
  • Tuiuti – 10*
  • Grande Rio – 10*
  • Portela – 10*

As quatro últimas notas estão com asterisco justamente porque esta foi a julgadora que esqueceu de colocar as notas de 3 escolas de terça-feira. A LIESA sequer disponibilizou o caderno de terça-feira dela, só consta no site os de domingo e segunda-feira. Acho que é até uma decisão sensata, já que como a julgadora não assinou o caderno, o mesmo não deve ser considerado. Sequer a nota 10 para a Grande Rio, única escrita, não deveria ser considerada pela falta da assinatura da julgadora. Uma discussão apenas teórica, já que a anulação desta nota faria a mesma ser substituída por outro 10 de igual valor.

Por mais que o caderno de terça não tenha sido divulgado, as informações que possuo dão conta que havia justificativas escritas para Mocidade, Tuiuti e Portela, as três escolas deixadas em branco, o que demonstra a intenção da julgadora em não dar 10 para nenhuma delas.

Entrando na parte do caderno que foi divulgada, é inescapável começá-lo pela justificativa que viralizou e quebrou a internet assim que foi divulgada: o desconto para a UPM por excesso de termos em iorubá que criou “trechos de difícil entendimento”.

É uma linha argumentativa com histórico de polêmicas no quesito samba-enredo. Tudo começa, mesmo que se forma não oficial por não existir justificativa no caderno de julgamento da época, com João Máximo tirando ponto do “legba bara ô ebo leg bara laia laiá” de Ratos e Urubus em 1989 e decindo o título por “falta de adequação ao enredo”, quando era o exato oposto. Depois, já em 2017, Alice Serrano em 2017 para descontou o Nzara Ndembu da Ilha e a Iracema da Beija-Flor. Inclusive isso gerou uma longa consideração final da julgadora explicando seu dilema moral em tirar ou não ponto do estrangeirismo ponderando até que ponto deve-se premiar o enriquecimento da letra e o despertar da curiosidade em buscar o significado desses termos estrangeiros e a partir de onde o prejuízo para a compreensão do samba deve ser despontuado.

Ao fim, a própria Alice ainda em 2017 concluiu que tentou achar um meio termo e despontou só quando houvesse um excesso. No caso da Beija-Flor, o excesso ficou por conta de palavras indígenas que foram jogadas na letra sem qualquer relação entre elas, não sendo possível criar algum nexo com o resto da letra ao serem traduzidas. Já no caso da Ilha, por se tratar de um ramo do candomblé que, apesar de origem em um povo bastante escravizado no Brasil, se perdeu com o tempo e logo é de baixo conhecimento popular na atualidade, a “régua” do excesso de palavras foi colocada em um patamar mais baixo para a retirada do décimo.

Se formos usar o pensamento da Alice, que acredito ser o mais acertado, a “régua” da UPM deveria ser um pouco maior, já que trata-se do candomblé de linha ketu, o mais difundido e popular no Brasil atual e o conhecimento de seus termos, especialmente dentro do mundo do samba, é razoavelmente difundido. 

Logo, dentro desta linha de raciocínio, discordo do décimo retirado da UPM, mas pondero que há um histórico de descontos semelhantes no julgamento.

Porém, criticarei a julgadora por falta de coerência ao não dar o mesmo desconto por excesso de termos em iorubá para a Imperatriz, que tinha quantidade de termos em iorubá no samba bastante semelhante e não foi descontada por isso (o desconto ocorreu pela dificuldade de compressão do canto por conta do entrosamento dos versos com a melodia em diversas partes, especialmente na 1ª estrofe). Ou mesmo o refrão final do Tuiuti também de “difícil entendimento” para quem não conhece o pajubá.

Ainda na UPM, outro décimo foi embora porque a julgadora entendeu que o trecho “vou voltar, mainha” deixa dúvidas sobre quem voltou para onde. Voltou para o Brasil ou para a África?

Até concordo que a julgadora tem um ponto aqui, porque realmente há essa dúvida. Mas mais uma vez fico com a suspeita que esse décimo só foi descontado por uma falta de leitura do Livro Abre-Alas, ou nesse caso, de simplesmente acompanhar a narrativa do desfile enquanto ele passava. Mais uma vez o samba-enredo é tão adequado ao enredo que reflete outro problema do enredo da escola: a narrativa para na revolta dos malês sem avisar da ida de Iyá Nassô para a África e retorna com uma Marcelina jogada de paraquedas já de volta ao Brasil. Por isso, mais uma vez acredito que seja um problema para os julgadores de Enredo e não de Samba-Enredo, por mais que entenda que neste caso específico a divisão é um pouco mais obscura do que nos casos anteriores citados.

Por fim, o último décimo da UPM é descontado por “encadeamento linear, sem maiores inovações” da melodia. Como ela repetiu justificativas genéricas semelhantes para a Unidos da Tijuca e para a Vila Isabel, é inescapável voltar aqui à crítica já tradicional da Justificando que uma justificativa genérica repetida a esmo passa a impressão que os décimos foram retirados ao bel prazer de vossa excelência o julgador “Rainha de Copas” por mero capricho pessoal.

Na Vila Isabel, além desse décimo da melodia, o outro décimo retirado foi pela letra “carecer de um fio condutor melhor desenhado” apesar “de ser perfeitamente adequado ao enredo”. Ora, se é perfeitamente adequado ao enredo, obviamente não cabe ao julgador de Samba-Enredo avaliar ou não o fio condutor da narrativa. Isso não está dentro do critério de julgamento “adequação da letra ao samba” que, como a própria julgadora admite, nesse caso estaria perfeita. Isso é algo para o julgador de Enredo avaliar dentro da coesão, coerência e recorte do enredo. Uma clara invasão de quesitos aqui.

A dosimetria do caderno foi clara, mesmo que discutível em alguns momentos, especialmente no desconto de dois décimos da letra da UPM. É possível discutir se não seria o caso de juntar os dois problemas para descontar apenas um décimo.

Por fim, mais uma vez uma grande curiosidade  minha não será contemplada. Como, em um julgamento criterioso com a letra como o demonstrado acima, a letra eivada de problemas da Mangueira passou em branco, já que os dois décimos descontados foram em melodia?

Escrevemos isso tudo de um caderno que só teve oito notas e cinco justificativas divulgadas, logo foi mais um caderno complicado para encerrar o complicadíssimo quesito Samba-Enredo.

No conjunto dos quatro cadernos, termino este texto com a sensação que, com a honrosa exceção do Módulo 1, analisando as justificativas dadas, a recorrente invasão do quesito Enredo, a incoerência recorrente de se descontar certos problemas e relevar os mesmo problemas em outros sambas e até a qualidade duvidosa de alguns argumentos apresentados, o julgamento do quesito Samba-Enredo foi calamitoso e a grande prejudicada desse desastre ao fim das notas foi a Unidos de Padre Miguel. 

Recomendações para LIESA em Samba-Enredo:

  • Tentar achar uma solução institucional para que os próprios compositores sejam chamados a discutir o julgamento do quesito com os julgadores, da mesma forma que os outros responsáveis pelos quesitos desde 2022.
  • Discutir em um seminário de forma aberta os rumos do quesito como um todo, discutindo com todos os interessados: julgadores, compositores e direção das escolas e da LIESA.
  • Discutir a manutenção dos dois novos julgadores no juri.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.