Indo além da mera análise de julgamento, Comissão de Frente talvez tenha sido o quesito que mais sentiu este ano a mudança na regra do julgamento com o fim da comparação.
Nem tanto pelo aumento de notas 10, de 22, ou 45%, para 28, ou 58%, em consonância com a média dos outros quesitos, mas porque as próprias escolas acabaram se preocupando apenas em cumprir todos os itens do “check-list” do Manual e menos em inovar. O resultado foi uma pasteurização generalizada das comissões que resultou em praticamente 9 ou 10 comissões iguais na avenida, com a honrosa exceção da Mocidade e a duvidosa exceção da Portela, nas quais a comissão fazia uma dança no chão, no meio da coreografia subia uma escada para acessar o topo do tripé e lá aprontava o que seria a “surpresa” do ano, sendo que nenhuma das 12 nos surpreendeu em nada.
A pasteurização foi tão grande que, reparando com atenção, até o tamanho das 3 dimensões do tripé foi praticamente padronizado em todas para permitir uma visão de 360º da apresentação e não criar um paredão enorme em cima do casal apenas para cumprir o check-list do critério “a interação do elemento cênico com a apresentação da comissão de frente.”, uma escrita formal para o nosso apelidado “trambolhismo”.
Módulo 1
Julgadora: Paola Trocoli Novaes
- UPM – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 10
- Mangueira – 9,9 (concepção/indumentária 4,9)
- U. da Tijuca – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 10
- Mocidade – 10
- Tuiuti – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Grande Rio – 10
- Portela – 9,8 (apresentação/realização 4,8)
Com a quase padronização do gabarito de tamanho dos tripés, nenhum julgador descontou o “trambolhismo” esse ano. Mesmo Paola e Rafaela, que costumam ser as duas julgadoras mais atentas a esta parte.
Porém, apesar do caderno ser todo concentrado no subquesito apresentação/realização, já que mesmo o único décimo retirado no outro subquesito, o foi porque houve um problema na desamarração da indumentária de cabeça de um componente da Mangueira, engana-se quem acredita que ela se tornou uma mera fiscal de erros.
Até porque ela descontou a UPM e Portela por deixarem de “impactar positivamente o público”, o que no Manual é um critério do subquesito concepção/indumentária e na minha visão está descontado no subquesito errado, mesmo que não tenha feito qualquer diferença na nota final da escola.
Apenas a título de esclarecimento, a julgadora justificou que a elevação de Xangô ao final da UPM não causou impacto (eu acrescento, de fechamento) “a bela narrativa proposta e representada durante o ato”. Devo acrescentar que na altura dos camarotes dos julgadores, boa parte do corpo do ator representando o orixá ficou encoberto pela própria coroa para a qual ele foi elevado retirando certa dramaticidade da cena.
Já na Portela, a julgadora justificou, não sem razão, que o voo da águia-drone “não promove impacto e, consequentemente, não coroa o final da narrativa”. Sejamos sinceros que a águia surge do nada, não diz a que vem na coreografia e não causa qualquer sentimento nem no portelense mais aquilófilo que exista. O segundo décimo da Portela se foi por causa de problemas com a iluminação própria proposta para o tripé. O “raio de sol” que quase cegava a vista de quem o via praticamente não funcionou no 1º módulo de acordo com as imagens do vídeo que olhei.
Pior, ela foi a única julgadora que chegou a ver o voo da águia. Porque, ao sair voando deste primeiro módulo, ela se espatifou no chão de uma altura considerável e não mais alçou voo até o fim do desfile. Inclusive ela sequer apareceu em cima do tripé no último módulo.
Outra justificativa que pode ter discutido seu encaixe em subquesito é a da Unidos da Tijuca. Nela Paola relatou que o ato final da “coroação simbólica” de Logun-Edé merecia maior destaque cênico. A conclusão da narrativa ficou em um segundo plano ao acontecer concomitantemente com as cenas no super telão de LED do alto do tripé e após o ápice do efeito ocorrido no olho d’água.
Em um primeiro momento, lendo a justificativa, me pareceu um claro desconto de concepção coreográfica, de planejamento cênico da escola, logo descontável no subquesito concepção/indumentária no item “entendimento da mensagem”. Porém, lendo com mais atenção o Manual percebi que a LIESA cometeu um equívoco na redação do novo texto de Comissão de Frente e incluiu a “criatividade coreográfica” em apresentação/realização. Com isso, abriu-se mais um ponto de dubiedade no atual Manual que pode deixar o julgador na sincera dúvida em qual subquesito descontar. Na dúvida, a favor da julgadora, ainda mais porque não alteraria a nota final da escola.
Já no Tuiuti, o desconto se deu pela “falta de clareza no meio da narrativa, mais precisamente no momento sobre o tripé, quando Xica e o grupo de travestis são alvos dos perseguidores. A pluralidade de cenas neste ato não permite uma leitura clara de como ocorre a inversão dos papéis de vítimas e algozes e vitória sobre os transfóbicos.”.
Esta é outra justificativa que lendo parece estar no subquesito errado e deveria estar descontada em concepção/indumentária. Porém, vendo o vídeo da apresentação, fica claríssimo que está faltando algum efeito especial. Algo diferente era esperado, que provavelmente daria destaque a cena que deveria ser dada, e não ocorre. A julgadora deve ter tido a mesma sensação, percebeu que foi uma falha em algum dispositivo planejado para a apresentação e decidiu descontar como falha na apresentação.
Obs: realmente houve uma falha enorme: pois haveria uma cortina de fogos frios de artifício encobrindo a cena de fundo e dando destaque à cena de frente que não ocorreu na apresentação deste módulo.
Por fim, faço um elogio à julgadora pela sensibilidade de dar 10 para a comissão de concepção totalmente diferente e sem tripé da Mocidade. Havia algumas pontas soltas na montagem de algumas transições se for olhado com lupa? Havia. Porém, como sempre pontuamos na Justificando, o julgamento também molda o futuro dos desfiles e se, pelo 2º ano consecutivo, uma comissão que arrisca a vir sem um tripé recebesse os duros descontos que a Beija-Flor já havia recebido em 2024, seria praticamente a decretação da morte de qualquer tentativa futura de realizar uma comissão sem o apoio de um elemento cenográfico sobre um chassi.
Como essas pontas soltas não eram algo nem medianamente grave, é entendível a julgadora manter o 10 decidindo premiar a criatividade e ousadia da escola em conceber uma comissão bastante diferente do padrão que temos visto nos últimos anos e que inclusive nos exauriu de tédio neste Carnaval.
Módulo 2
Julgadora: Rafaela Riveiro Ribeiro
- UPM – 9,8 (apresentação/realização 4,8)
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 10
- Mangueira – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- U. da Tijuca – 9,8 (concepção/indumentária 4,9 e apresentação/realização 4,9)
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 10
- Mocidade – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Tuiuti – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Grande Rio – 10
- Portela – 10
Rafaela é outra julgadora com mais de 10 desfiles de experiência, sem contar o tempo que atuou na LIERJ de Deo Pessoa, com longo histórico de elogios nesta coluna pela completude em seu julgamento. Ainda sim, tal qual Paola, é outra julgadora historicamente mais criteriosa com as notas máximas e mesmo assim deu sete notas 10 neste ano. Mais uma prova que, mesmo a boa reforma reforma feita no Manual em Comissão de Frente, amplificando e detalhando os critérios de julgamento do quesito, não foi suficiente para impedir a proliferação de notas 10 causadas pelo fim da comparação.
Quanto às justificativas em si, longo tempo de apresentação na mesma ideia dos espíritos do orun, sem entendimento da mensagem para a Unidos da Tijuca, além do problema já relatado pela Paola. Também despontou o mesmíssimo problema com o adereço de cabeça que Paola despontuou na Mangueira.
Já tanto para Mocidade e Tuiuti o décimo foi embora por cenografia confusa, dificultando o entendimento da mensagem. Por fim na UPM o décimo foi embora por dois problemas pontuais ocorridos na apresentação. Até seria o caso de se perguntar se não seria possível juntar os dois para retirar apenas um décimo, mas o desconto aplicado é coerente com a dosimetria adotada pela julgadora no caderno.
Agora, depois disso tudo, a pergunta de ouro deste caderno é: ela entendeu alguma mensagem na Portela? Ela não reparou o drone que estacionado estava e estacionado ficou mesmo com todos os componentes esperando alguma coisa, no caso o seu voo, em um dado momento da apresentação?
A explicação, que nunca virá pois não há justificativa para a nota máxima, sem absolutamente nenhum impacto ou conceito coreográfico mais interessante, é uma das minhas maiores curiosidades desde o dia da apuração. Nem o tal check-list completo a Portela apresentou, já que, ainda mais sem a bengala do drone, não consigo imaginar como a Portela teria conseguido cumprir o “impactar positivamente o público” exigido nos critérios.
Módulo 3
Julgador: Raffael Araújo
- UPM – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 10
- Mangueira – 10
- U. da Tijuca – 10
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Mocidade – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Tuiuti – 10
- Grande Rio – 10
- Portela – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
Se julgadoras historicamente mais rígidas como Paola e Rafaela já soltaram sete notas 10 com a nova sistemática esse ano, não era de se imaginar que o Raffael Araújo, notório julgador “mão leve”, fosse fazer algo diferente das oito notas 10 distribuídas, com todas as outras quatro sendo 9,9.
Dos meros quatro décimos descontados, UPM e Vila Isabel o foram por meros erros ou problemas ocorridos durante a apresentação.
Na Portela ele retirou o décimo por falta de impacto, que apesar de ser absolutamente inegável a justificativa, enseja a mesma discussão teórica sobre a correta colocação da mesma em concepção/indumentária e não apresentação/realização já realizada no módulo 1.
A única justificativa que toca minimamente em algum debate sobre a concepção coreográfica é na Mocidade quando ele retira por “momentos de desarmonia na precisão dos movimentos, não sustentando por parte de alguns integrantes, a mesma temperatura/energia corpóreas, incorporadas ao ritmo”, mesmo que para mim não fique muito claro o que essa energia corpórea tenha a ver com algum dos critérios de julgamento do quesito após a reformulação.
De qualquer forma, a minha crítica central a este julgador nos últimos cinco anos se mantém intacta: há muito pouca, quase nenhuma, avaliação do núcleo do quesito, ou seja, concepção coreográfica e entendimento da mensagem. Mesmo com a reforma do Manual deste ano, que textualmente incluiu o entendimento da mensagem nos critérios de avaliação, não percebi qualquer alteração no foco de julgamento deste julgador. A nota 10 da Unidos da Tijuca, provavelmente a escola mais falha neste aspecto este ano como bem anotado pelas duas julgadoras anteriores, é um forte reforço a minha linha de argumentação.
Módulo 4
Julgadora: Raphael David Filho
- UPM – 9,8 (concepção/indumentária 4,9 e apresentação/realização 4,9)
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Mangueira – 10
- U. da Tijuca – 9,9 (concepção/indumentária 4,9)
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Vila Isabel – 10
- Mocidade – 9,8 (concepção/indumentária 4,8)
- Tuiuti – 9,9 (apresentação/realização 4,9)
- Grande Rio – 10
- Portela – 10
Não posso fazer nada diferente de mais um momento recordar é viver:
Justificando 2020 sobre este julgador: “Assim como no ano passado, minha grande crítica a este julgador vai para o excesso de apego ao bom acabamento, seja dos tripés ou das indumentárias, e a total falta de julgamento da concepção do projeto da Comissão de Frente.”
Justificando 2022 sobre este julgador: “Assim como nos dois últimos desfiles, minha grande crítica a este julgador vai para o excesso de apego ao bom acabamento, seja dos tripés ou das indumentárias, e a falta de julgamento da concepção do projeto da Comissão de Frente.”.
Justificando 2023 sobre esse julgador: “Quarto ano consecutivo que esse julgador praticamente só sabe descontar falta de bom acabamento nos tripés e nas indumentárias. As questões de dança, tamanho excessivo de tripés e a falha de concepção coreográfica da Imperatriz passaram completamente batidos.”
Justificando 2024 sobre esse julgador: “Quinto ano consecutivo em que, na prática, se julgou Alegorias e Adereços em Comissão de Frente.”.
Depois de um histórico robusto desse, alguém realmente acreditava que algo diferente ocorreria em 2025, mesmo com a completa reforma do Manual do Julgador no quesito? Claro que não.
Absolutamente TODAS as justificativas são uma avaliação ou do acabamento do tripé, ou no caso da Mocidade dos adereços de LED, ou da fantasia dos componentes!
O cerne do quesito, a concepção coreográfica, simplesmente passou longe deste caderno pelo sexto ano consecutivo! Como a Portela estava com as fantasias em ordem e o tripé, apesar de simples, estava passável e bem acabado, este 10 fica até fácil de explicar, mesmo que não se coadune em nada com os critérios a serem julgados. Afinal, este julgador também nunca se coadunou.
O que a LIESA está esperando para deslocar esse julgador para Alegorias e Adereços? Todos ganhariam: o próprio Carnaval com um julgamento mais adequado, o julgador que finalmente julgará o quesito que realmente ele gosta de ver e eu de não ter que reclamar dessa atrocidade todo ano.
Finalizando o quesito, a boa reforma dos critérios do Manual de Julgadores foram totalmente inoperantes para alterar os antigos vícios de julgamento de dois dos julgadores deste quesito.
Recomendações para a LIESA em Comissão de Frente:
- Reforçar com os julgadores a necessidade de realmente considerar no julgamento a concepção coreográfica das comissões de frente
- Deslocar a expressão “criatividade coreográfica” para o subquesito concepção/indumentária para deixar mais claro os comandos de divisão dos subquesitos.