Na última segunda feira, o Flamengo divulgou seu balanço patrimonial referente ao exercício de 2011, no prazo limite para a divulgação – que é de 30 de abril. E os números são bastante preocupantes, para se dizer o menos. O balanço pode ser visto aqui.
Claramente houve uma tentativa de se “melhorar” os números – algo que em Contabilidade se chama maquiagem – mas ainda assim os números apresentados demonstram uma série de problemas a curto prazo e que demonstram a (má) qualidade da gestão do clube. Apesar do Patrimônio Líquido ter se tornado positivo após uma manobra contábil, de validade duvidosa, a verdade é que se o Flamengo fosse uma empresa já estaria falido e fechado há bastante tempo.
Vamos a uma análise ítem a ítem.
Ativo e Passivo
Chama a atenção no Ativo Circulante a expressiva variação da rubrica “Contas a receber”. De acordo com as notas do balanço a diferença se refere a aproximadamente R$ 70 milhões a receber do novo contrato de televisionamento do Campeonato Brasileiro, firmado com a Rede Globo de televisão.
Como os valores anunciados à época foram de cerca de R$ 100 milhões, a ser verdadeiro este valor deduz-se que a diferença seja de empréstimos contraídos dando como garantia cotas da televisão. No passivo há um crescimento de empréstimos com o Banco BMG da ordem de R$ 32 milhões em números redondos, o que me leva à conclusão de que o clube pegou empréstimos dando como garantia, ainda que informal, esta diferença de cotas a fim de liquidar o empréstimo anterior de adiantamento com o Bicbanco.
Na prática, um adiantamento, mas de forma indireta. Vale lembrar que o Clube dos 13 não exerce mais este papel por ter sido implodido na recente negociação, e que a Rede Globo se negou a adiantar cotas do novo contrato – e segundo informações oficialmente este novo empréstimo não poderia ter como garantia as cotas futuras.
Há uma conta no ativo com o expressivo valor de R$ 32 milhões sob a rubrica “Despesas a Apropriar”. O balanço é omisso quanto à origem destes valores, se algum leitor conseguir descobrir do que se trata, agradeço.
Outra rubrica que não há detalhamento é no Ativo Não Circulante, “Contas a Receber”, no valor de quase R$ 270 milhões. Desconfio que tenham lançado os valores do contrato de televisão para 2013/14/15, mas também é uma inferência.
No Passivo a conta de impostos e contribuições a recolher aumentou de R$ 52 para R$ 75 milhões. De acordo com as notas do balanço este acréscimo se devem a juros de dívidas anteriores à chegada de Patrícia Amorim ao comando do clube, mas fica a pergunta: a administração atual não está pagando os juros?
Além disso quando se abre esta conta há coisas estranhas – a dívida com o INSS, por exemplo, dobrou de tamanho. Não me parece para este caso específico que sejam somente juros – e sim dívida nova.
Outro dado intrigante é a elevação de R$ 31 milhões nas despesas a pagar com fornecedores, que também não tem descrição. A que se refeririam? O clube ainda tem R$ 8,6 milhões em direitos de imagem a pagar – basicamente ao atacante Deivid – e R$ 2 milhões de luvas. O curioso é que pelo balanço a comissão à empresa 9ine pela intermediação do patrocínio com a Procter&Gamble não foi paga ainda – cerca de R$ 3 milhões.
Na parte de empréstimos, chama a atenção um valor de R$ 6,6 milhões referente a “Outros Empréstimos”. No balanço não há maiores detalhes, mas este dá para cravar a origem do credor: é a Federação de Futebol do Rio de Janeiro. Também há uma dívida de R$ 543 mil com a CBF.
Patrimônio Líquido
Quando se olham os números frios do balanço, vê-se que o que era um Passivo a Descoberto de R$ 101 milhões se transformou em um Patrimônio Líquido positivo de R$ 145 milhões. Isso é bom, não?
Não. O que ocorreu é que ao invés de inversão de capital o que houve foi um artifício contábil chamado “reavaliação patrimonial”, que na prática é um laudo que aumenta o valor declarado do ativo imobilizado do balanço. É algo que deve ser usado com parcimônia pois pode se transformar em uma maquiagem contábil.
O que ocorreu? Houve uma valorização dos ativos do clube absolutamente “espetacular”. O Centro de Treinamento, por exemplo, foi reavaliado em R$ 76 milhões, contra uma anterior de R$ 13 milhões. O Estádio da Gávea passou de R$ 98 para R$ 164 milhões.
E aí está o problema. Se hipoteticamente formos vender estes ativos, os valores alcançados não estão nem perto dos avaliados. O CT em Vargem Grande hoje tem pouca coisa mais que campos de treinamento e  containeres, e o Estádio da Gávea está em área cujo terreno original é uma concessão do Estado – ou seja, somente pode ser utilizado para aquele fim – seu valor de venda está próximo de zero.
Em que pese o acordo com Eike Batista ter sido fechado já em 2012 para a transformação do prédio no Morro da Viúva em um hotel, a reavaliação deveria ter levado isso em conta pois as tratativas estavam em andamento.
Na prática, foi um artifício contábil, alvo inclusive de ressalva no parecer de auditoria do balanço – os documentos que embasaram esta reavaliação não foram entregues à empresa que assina o parecer. Em “contabilês”, uma marreta – e grosseira.
Demonstração de Resultados do Exercício
Olhando-se os números frios, pode-se dizer que o clube teve um superavit operacional – antes das despesas financeiras – de R$ 33 milhões. O que seria bom.
Mas o leitor já deve ter percebido que diversos lançamentos do passivo parecem ser despesas que foram postergadas para 2012. Isso é até comum, mas não na magnitude encontrada aqui. Fica claro que os números não espelham a realidade das contas do clube.
Nas receitas, são R$ 95 milhões de televisão – e aí se incluem Carioca, Sul Americana, Copa do Brasil e Brasileiro – pouco menos de R$ 15 milhões de bilheteria, R$ 44 milhões de patrocínios diversos e R$ 6 milhões de receita de direitos federativos.
A receita somada da parte social e dos esportes amadores foi de cerca de R$ 16 milhões, contra uma despesa de R$ 36. Grosso modo pode-se dizer que a transferência de receita do futebol para as demais áreas foi de R$ 20 milhões – valor a meu ver alto mas menor do que se imaginava.
Entretanto, há uma queda nas despesas operacionais de R$ 11 milhões nas demais áreas contra um crescimento de R$ 24 milhões no futebol. Pelo que conheço de orçamento (trabalho com isso) suspeito de alguma mudança no rateio interno de certas despesas a fim de mascarar a transferência de recursos do futebol para os esportes amadores e o clube social, mas é uma suspeita somente.
Outro ponto é que o fluxo de caixa operacional do Flamengo foi negativo em R$ 11 milhões, o que mostra que o superavit operacional é muito mais fruto de expedientes contábeis que qualquer outra coisa. Foram necessários R$ 9 milhões de financiamentos novos para fechar o fluxo de caixa.
E fica claro o resultado da inação – para se dizer o menos – do marketing do clube. Descontando-se a receita de licenciamentos – a maior parte oriunda da venda de camisas, mérito exclusivo da Olympikus – o clube teve R$ 25 milhões, o que é muito aquém do potencial.
O prejuízo líquido final foi de R$ 12 milhões, o que, como vimos aqui, parece um número mais contábil que real.
Considerações Finais
O balanço indica pelas minhas contas uma dívida de cerca de R$ 350 milhões, o que dados os fatores de ser em maior parte dívida com o Governo (refinanciadas) e o potencial de geração de receitas do clube não parece ser algo desesperador. Entretanto, a gestão do clube precisa melhorar.
Só que minha avaliação é de que as demonstrações financeiras não espelham a realidade dos números do clube, pelos motivos já expostos. O próprio parecer dos auditores, com ressalvas, evidencia isso – e ainda indica que valores expressivos não foram contabilizados embora possam se transformar em dívidas a serem efetivamente pagas.
Há muitos pontos obscuros e mesmo contraditórios no balanço. Mas pode-se afirmar categoricamente que o superavit operacional e o patrimônio líquido positivo são muito mais resultado de manobras contábeis que saúde financeira real.
Este post é mais um ponto de partida que qualquer outra coisa. Esclarecimentos por parte dos leitores serão bem vindos.

4 Replies to “O assustador balanço patrimonial do Flamengo”

  1. Perfeita a análise. Realmente esta Administração é incompetente ao extremo e ainda chega a mascarar Balanço revelando total mau-caratismo.

  2. Parabéns pela análise fria e calculista. Balanços devem ser analisados desta maneira, com isenção de valores, mesmo você sendo um Flamenguista. Falta profissionalismo no Flamengo, chega de politicagem e administração por amor…

    Felizmente para se administrar uma empresa deve-se usar a RAZÃO e VISÃO PROFISSIONAL, O QUE NÃO ACONTECE NO FLAMENGO

  3. Admirei a análise feita… principalmente o comentário relacionado Em que pese o acordo com Eike Batista…

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