Flávia Cirino, jornalista, salgueirense, sambista e messiânica. Assessora de imprensa do Acadêmicos do Salgueiro, é uma das pessoas responsáveis por este trabalho de divulgação do nosso carnaval e das nossas escolas.

Conheço a jornalista há mais de dez anos, desde os tempos da extinta lista de discussão por e-mail “Academia do Samba”. Além disso, somos unidos na Fé Messiânica e, ainda que às vezes distantes, sempre mantivemos contato.

Flávia Cirino é a entrevistada de hoje da coluna “Jogo Misto” deste Ouro de Tolo.

1 – Partindo do princípio. Como descobriu sua paixão pelo carnaval?

FC – Não houve descoberta… foi natural. Nasci e cresci nesse meio.

Meus pais eram passistas, ele da Mangueira, ela da Mocidade Independente e se conheceram nas quadras. A minha infância toda foi à base de sambas enredo, dia após dia. Lembro de nas aulas de história do colégio “mandar muito bem” nas provas recordando de célebres sambas para responder às questões.  E nas aulas de música eu era tachada de “fora de época” porque sabia muito de compositores que a turma desconhecia, o que logo me tornou xodó do professor.

2 – E pelo Salgueiro?

FC – Demorou um pouco!

Quando criança, eu era Portela. Amava a águia e chorava ao ver a azul e branca na avenida. Até entrar para a faculdade em 1992. Um colega de turma era ritmista do Salgueiro e me convidou. Fui e fiquei…

3 – Que caminho profissional seguiu até se tornar assessora de imprensa da escola?

FC – Já exercia o jornalismo subliminarmente antes mesmo do bacharelado. Fazia jornalzinho de condomínio, de fã clube, sempre fui muito curiosa.

Ainda durante a formação acadêmica, trabalhei no jornal DC News, em Caxias, a minha grande escola. E fiz uma prova para um jornal até então inexistente, que tinha o nome fantasia de ‘Jpop’. Somente após a aprovação soubemos que se tratava do então novato Jornal Extra. Recebia sempre convite da escola para atuar na assessoria de imprensa, mas eu era passista e não queria jamais deixar de sambar!

Recusei diversas vezes até que no finalzinho de 2003, já casada, meu marido me aconselhou a arriscar. Ele queria era me ver longe da ala de passistas…

4 – Você já esteve “do outro lado”, como repórter de carnaval do Extra e de outros veículos. Quais as principais diferenças entre um posicionamento e outro?

FC – A consciência do que é pertinente ou não para determinados públicos-alvo.

Acho bárbaro, na condição de componente e sambista, o interesse e a vontade de ver o samba verdadeiro nas páginas de jornais. Quem não quer exaltar o samba em sua essência, em detrimento de sambeiros e oportunistas?

Mas na condição de profissional, nos grandes veículos por onde passei, entendo que não é assim que a banda toca. Somo sim condicionados ao que é vendável, ao que o leitor quer – não apenas às vésperas do desfile. E por isso o sambista deve valorizar demais os veículos que existem atualmente, especializados em carnaval. Que venham mais e mais!

5 – A gente vem assistindo a uma invasão de “celebridades” nas escolas de samba. Como funciona esta aproximação entre a escola e a celebridade? Qual a sua função enquanto assessora de imprensa neste processo?

FC – Posso falar pelo caso específico do Acadêmicos do Salgueiro. Digo com propriedade que lá priorizamos “o nosso povo” (mesmo que se insista em dizer que não temos chão, comunidade, que a escola tem cor tal…).

Se um famoso quer desfilar, ele precisa ter um mínimo de afinidade com a escola. Não temos alas de artistas, camisas de famosos. Quem conosco desfila, tem que no mínimo frequentar os ensaios, inclusive os técnicos, onde não há flashes. Quem não se adeque, não fica. E dispensamos quem se convida…  [N.do.E.: não posso deixar de registrar minha surpresa: pelo menos neste último desfile o Salgueiro era um mar de camisas. Ressalte-se, também, que este não é um “privilégio” da vermelha e branca]

Eu sou repórter de entretenimento, atuo justamente no jornalismo de celebridades e por ter mais contato com esse meio acabo ajudando nisso – e fico responsável por elas. 

6 – Nota-se uma crescente mercantilização do posto de “Rainha de Bateria”. Qual o benefício que a escola ganha colocando uma pessoa de fora da comunidade no posto?

FC – Tivemos até hoje cinco rainhas de bateria: a primeira, não tinha ainda esse título, foi Roxinha, nos anos 60. Depois dela em 1990 o Pelé trouxe uma miss, Flávia Cavalcanti… Daí só voltamos a ter rainha no desfile de 2004, a Ana Claudia Soares. Nos dois anos seguintes, Carol Castro, que foi uma querida e permanence componente. Gracyanne ficou em 2007 e desde 2008 a Viviane Araújo reina absoluta.

Benefício, propriamente dito? Mídia. Mas depende da rainha… estar ali por estar é doído…

A Viviane manda muito bem seu recado, não tem rótulos e se identificou com a escola.

7 – E qual o benefício de uma rainha destas em pagar R$ 300 mil ou até mais pelo posto, como informado na imprensa?

FC – No Salgueiro não há esse comércio. A rainha não paga. E também não recebe. Elas arcam com suas fantasias.  

8 – O Salgueiro que conhecemos nos anos 60, 70 e 80 se orgulhava muito do seu lema: nem melhor, nem pior, apenas diferente. A escola fazia da garra da comunidade a sua marca registrada. O Salgueiro de hoje aparenta ser uma escola elitizada, sempre com muitos componentes e voltada para um público com pouca identificação com a agremiação. O Salgueiro pode até ser melhor, mas deixou de ser diferente. Por que essa mudança ocorreu?

FC – Para nós que estamos ali acompanhando de perto o dia a dia da escola, o lema está cada vez mais evidente.

Muitas vezes a olhos nus, no geral, os pré-julgamentos acabam nos impedindo de ver os detalhes, os pormenores. É claro que não podemos ser hipócritas e dizer que nada mudou. É preciso mudar, modernizar sem perder a essência! Há alguns anos estamos resgatando a comunidade e dando-lhes mais espaço em nossos desfiles.

Atualmente das 35 alas 23 são da comunidade. As diferenças estão aí sim, mas talvez não tão evidentes para quem está de fora. Mas devagar a gente chega lá. O estigma de escola elitizada se dá por recebermos muitas pessoas da Zona Sul em nossos ensaios e eventos. Isso não impede que sejamos sambistas e não saibamos separar o joio do trigo quando necessário…

Lugar de salgueirense é no Salgueiro, e não importa a sua origem. 

9 – Qual sua avaliação sobre o trabalho de assessoria de imprensa no carnaval como um todo?

FC – Estamos evoluindo cada vez mais, cada um ao seu modo; o importante é que o samba, o carnaval, está ganhando cada vez mais vez e voz.

Só acho que em algumas agremiações falta mais liberdade ao assessor para exercer seu trabalho. Felizmente não tenho esse problema, acho que um dos fatores é o fato de eu ser originalmente da escola. Mas vejo colegas dispostos e capazes de fazer muito mais, porem são tolhidos – talvez por falta de visão.

10 – Como funciona a relação com a emissora que detém os direitos de transmissão do desfile? Existe um roteiro de eventos pré-determinado? Como funciona a logística?

FC – Sem script. Matérias são marcadas, umas com mais antecedencia, outras, menos, e nós as realizamos. Não há nada pré-estabelecido.

Tem algumas coisas que mesmo que possamos imaginar que serão sempre as mesmas mudam sempre no operacional, como a gravação da vinheta. Eles sempre nos dão boas condições para que o trabalho seja bem realizado.

11 – Existe algum tipo de monitoramento ou acompanhamento sobre as declarações dadas por segmentos da escola?

FC – Não necessariamente monitoramento. Na gestão da presidente Regina Celi nos reunimos semanalmente para discutir assuntos diversos e sempre os assuntos relacionados a divulgação são colocados. Há um respeito muito grande na escola quanto a isso. Para divulgação de rádio conto com o apoio da incansável Regina Célia, uma parceira muito querida. E todo mundo ajuda.

12 – Qual sua avaliação sobre os rumos tomados atualmente pelo desfile das escolas de samba?

FC – Dá um pouco de tristeza ver que ainda há agremiação que se contenta em apenas passar na avenida. As condições, no geral, são dadas a todas para fazer um carnaval digno. Cabe a cada uma corer atrás do que acredita ser certo e do diferencial (financeiro, inclusive) que pretende… 

13 – O que pensa sobre a influência da internet e das mídias sociais sobre as escolas de samba?

FC – É assustadora! A vida moderna se pauta pela internet… Não se espera mais a notícia ser veiculada no jornal no dia seguinte.

E como citei anteriormente a existência de veículos especializados – o que não tínhamos há bem pouco tempo – colaborou muito. A nossa presidente Regina Celi se rendeu ao Facebook e é uma loucura! Ela está impossível e a repercussão tem sido impressionante.

14 – O que recomendaria a alguém que queira trabalhar com jornalismo e carnaval?

FC – Persistência e comprometimento.

15 – Como conheceu a Fé Messiânica? O que diria a uma pessoa que não conheça Meishu Sama?

FC – Através da Márcia Lage! [N.do.E.: uma das carnavalescas da escola, ao lado do marido Renato Lage]

Minha mãe faleceu em 2007, eu estava totalmente sem rumo, perdida, disposta a ir com ela. No dia seguinte ao funeral a Marcia viu meu auto-flagelo e me deu um “banho de luz”, como à época ela chamou o Johrei. Na manhã seguinte, eu caminhava sem destino pela rua, próximo a minha casa, e quando me dei conta, estava dentro de uma Igreja Messiânica.

Sem cobranças, sem questionamentos, sem exigências, me encontrei de imediato. E principalmente encontrei muitas respostas para a avalanche de sentimentos que pairava. A fé Messiânica mudou a minha vida em todos os aspectos. O altruísmo é a maior lição que aprendi. Servir é o mais importante. É o servir que dá vida e energia ao corpo espiritual.

16 – Um samba inesquecível. por quê?

FC – “E Por Que Não?”(1987, acima). Em nem era da escola, mas sempre amei esse samba, não sei explicar! Sempre brinco – e as pessoas me mandam calar a boca! – que quando eu morrer, quero que cantem no meu enterro!

17 – Um samba do Salgueiro inesquecível. Por quê?

FC – Apesar de não ser um sambão, “Parintins, a Ilha do Boi Bumbá – Garantido e Caprichoso” é um marco para os passistas da antiga, como eu. Nunca me diverti tanto e na época o grupo era unha e carne, não nos desgrudávamos. Ainda hoje nos ensaios quando os intérpretes cantam esse samba é a maior emoção.

18 – Qual o momento de maior realização vivido na função? Por quê?

FC – Eu não sou apenas assessora do Salgueiro. Na verdade, não considero trabalho, até porque sou componente da escola há dezenove anos, e há oito cuido da Comunicação, numa contrinbuição para mim natural diante do trabalho que exerço no dia-a-dia.

Sou correspondente internacional, trabalho para 18 revistas de Portugal, da Editora Impala. E coordeno a equipe do site O Fuxico aqui no Rio de Janeiro, onde também sou reporter. E sou sócia de uma Assessoria de Comunicação.  A minha maior realização é ser respeitada pela minha conduta profissional e ser reconhecida pelo meu trabalho.

19 – O que acha da literatura disponível sobre carnaval?

FC – Em expansão, salve Felipe Ferreira, Haroldo Costa,  Júlio César Farias, Helena Teodoro, Hiran Araújo… que venha mais!

20 – Livro ou filme? Por quê?

FC – Livro, sempre. Leio vários ao mesmo tempo. Sempre um deles messiânico. 

21 – Finalizando, com os agradecimentos do Ouro de Tolo, algumas palavras sobre o blog ou seu editor/autor.

FC – Migão é daquelas gratas surpresas que o samba nos proporciona. Na dele, chega como quem não quer nada e mostra a que veio. Ele não é tolo nem nada, aos poucos, mostra seu ouro…

P.S. – Em parceria com a Assessoria de Comunicação do Salgueiro faremos brevemente promoção de camisas da escola. Aguarde.