Volta e meia uma discussão permeia o bar onde assisto jogos: por que é tão caro ter TV por assinatura? E que tal dar um pulinho ali na fronteira com o Uruguai (sim, para quem mora em Porto Alegre ir à fronteira são apenas algumas horas de estrada) e comprar um aparelho mágico, que capta o sinal do satélite gratuitamente? Todo mundo olha para mim, decano e coroa do grupo, em busca de respostas definitivas.
Em primeiro lugar, há sistemas de TV por assinatura que não são tão caros assim. Eu mesmo tenho dois deles. No escritório em que trabalho há um pacote básico, que pega apenas os canais abertos de VHF e UHF e custa, sei lá, uns R$ 30,00 por mês, em troca de uma qualidade excepcional de imagem.
O problema é que a maioria das pessoas não quer a TV por assinatura apenas para melhorar a imagem do SBT ou assistir a TV Comunitária. As pessoas querem ver desenhos do Cartoon, futebol no SporTV, filmes na HBO. Aí é que entra o aparelhinho que intercepta o sinal de satélite.
Ilegal parece não ser, portanto, estejam todos à vontade para fazer uso do serviço. De acordo com meus rudimentares conhecimentos sobre o tema, o que uma operadora de TV faz é codificar o sinal de sua programação e instalar um decodificador na sua casa. Esse aparelhinho se encarrega de fazer essa decodificação. Claro que a operadora não é trouxa e de tempos em tempos ela muda o código.
Dois problemas: (i) embora relativamente simples para quem tem intimidade com a tecnologia, isso não é algo corriqueiro para a maioria das pessoas que conheço, que apanham para anexar arquivos em e-mails ou instalar impressoras – que dirá ficar cuidando de uma atualização de forma permanente; (ii), pode não ser ilegal, mas todos que usam o sistema tem a exata noção de que se trata de algo de duvidosa ética, uma espécie de versão reloaded do famoso “gatonet” das favelas.
Eu tenho filhas em casa, exemplos a dar. Prefiro me abster dessas espertezas: boa parte das mazelas brasileiras nasce justamente daí, da vontade ser mais esperto e mais malandro que o vizinho otário que paga (coitado) duzentas pratas por mês para a operadora.
Sem contar que o principal argumento das operadoras de TV para os altos preços que cobram é que a base de assinantes é muito pequena. Bom, se gente que pode pagar prefere investir em aparelhos “genéricos”, é fato que menos assinantes haverá e mais caro o serviço se tornará para os remanescentes.
Hoje cerca de 90 milhões de brasileiros moram em regiões atendidas por serviços de TV por assinatura, mas apenas 10 milhões fazem uso desse serviço. E do total de assinantes o estado de São Paulo responde por mais de 40% dos usuários. É pouco.
Dito isto, quero acrescentar que a explicação para os altos preços não se limita à minúscula base de assinantes que possuímos; mas sim a uma total desregulamentação do setor, que é, de longe, o que mais liberdade desfruta em toda a economia brasileira.
Para começo de conversa, vive-se um ambiente de falta de concorrência, embora as aparências digam o contrário. A NET possui 43% do mercado, a SKY 28%, a Embratel 13%, a Telefônica 5%, a OI 3,5%, o Grupo Abril quase 2% e o que sobra fica com pequenas operadoras locais. Quem vê esses números fica com a sensação de que se trata de um mercado bastante disputado.
Entretanto, quando se vai olhar para a composição societária dessas empresas, o que se encontra é um enorme conglomerado, com empresas se comunicando entre si. É o melhor exemplo do chamado “capitalismo de laços” brasileiro, que rendeu um ótimo livro à disposição nas boas livrarias.
A NET pertence à Globo, que também era acionista controladora da Sky Brasil. Alguns anos atrás a Sky Brasil se fundiu à DirecTV e agora se chama apenas SKY, com o controle nas mãos de Rupert Murdoch (dono da News Corporation, ou seja, da Fox, do New York Post, do The Times, etc) e da Globo.
A Embratel, que vem em terceiro lugar, é sócia da NET com quase 40% do seu capital! Ou seja, 85% do mercado de TVs por assinaturas pertence, em última análise, ao mesmo grupo empresarial. Uma concentração brutal e altamente lesiva aos consumidores, porque não há espaço para a prática de preços diferenciados.
E isso nem é o pior…
A TV Globo possui a liderança esmagadora da audiência dos três principais produtos de televisão, quais sejam: novelas, eventos esportivos e jornalismo. Faço a ressalva de que em minha opinião pessoal essa liderança foi conquistada dentro de um cenário de competição razoavelmente legítimo, porque há concorrentes que a enfrentam.
O drama, entretanto, é que nenhum país poderia permitir que alguém que detivesse uma liderança tão acachapante na produção de conteúdo pudesse explorar também a distribuição desse conteúdo. E ainda que permitisse deveria criar regras claras, como obrigar ao distribuidor do sinal de TV paga que transmita a totalidade da programação aberta e também impor ao produtor de conteúdo aberto que franqueie sua programação a qualquer distribuidor pago.
No Brasil, infelizmente, acontece exatamente o contrário: tanto a Globo cria embaraços para liberar sua programação a quem não seja seu parceiro, como a NET corta o sinal de TVs concorrentes.
É nessas horas que eu digo que a TV por assinatura é cara, mas parte da culpa é nossa também. E nem tanto pelos decodificadores genéricos.
Todas as vezes que alguém cogitou debater publicamente uma regulamentação nesse setor, ele foi violentamente atacado pelo Jornal Nacional, pela Revista Veja e pelo resto da imprensa conservadora. A justificativa é de que se estaria tentando implantar a censura, atacar a liberdade de expressão, calar a imprensa livre e outras bobagens. E praticamente todo mundo acreditou nesses argumentos toscos.
Uma pena. Enquanto os brasileiros estiverem de prontidão para cerrarem fileiras na defesa dos interesses empresariais dos donos do entretenimento, eles estarão livres para cobrar o que bem entenderem, impedir a chegada de novos competidores, decidir o que podemos ou não assistir.
É isso que costumo dizer ao pessoal no bar: primeiro se decidam se querem continuar a render loas ao baronato midiático ou se querem mais competição no setor. Eu já me conformei, pago meus duzentos e tantos reais por mês, mas pelo menos tenho o consolo de saber que é o preço de viver em uma sociedade que aceita viver como vaquinha de presépio da mídia brasileira.