Cheguei a duas conclusões essenciais:
Querem um exemplo da falta de cuidado? Uma das questões fazia alusão a um tal “acordo amigável”. Ora, o que um aluno deve aprender logo nas primeiras aulas do direito que “acordo amigável” é uma expressão tão feia quanto “subir para cima”, pois se é acordo, só pode ser amigável!
No geral, as questões são problemas triviais, mas que embutem algumas “pegadinhas”, ou seja, detalhes para confundir o candidato. Eu fico me perguntando: qual a utilidade de embutir essas cascas de banana em um exame que pretende medir a extensão do conhecimento jurídico? E sou capaz de apostar que há pelo menos um caso onde o feitiço pode virar contra o feiticeiro, porque de duas, uma: ou a pergunta abusa da intenção de confundir o pobre bacharel, ou a resposta do gabarito será ambígua e incompleta. Aguardemos a correção oficial.
Mas o que mais me intrigou foi a tal da petição. Penso que essa é (ou deveria ser) a ‘pièce de resistance’ da prova, o item capaz de revelar a capacidade de um advogado de defender em juízo as aflições e angústias de quem o procura. E fiquei de queixo caído com o problema proposto pela OAB.
Um comerciante faleceu, deixando viúva, 3 filhos maiores, um razoável patrimônio. Os filhos resolvem renunciar à herança em favor da mãe e o advogado deles faz um processo conhecido como “arrolamento”. Só que o falecido tinha um outro filho, de 13 anos, que nunca fora reconhecido oficialmente, embora esse fato fosse de conhecimento do advogado e de outras pessoas.
Não vou torrar a paciência de ninguém com tecnicismos jurídicos, mas quero compartilhar a minha tristeza com a opção do caso escolhido pela OAB. Essa situação é virtualmente impossível de acontecer na vida real, pois só nas mãos de um juiz trouxa e profundamente desatento uma aberração dessas poderia vingar.
O “arrolamento” é um procedimento que pressupõe a anuência de todos os herdeiros quanto ao plano de partilha e obrigatoriamente só pode ser feito por herdeiros capazes, ou seja, maiores de idade. Além disso, o filho bastardo nunca teve sua paternidade reconhecida judicialmente, apenas informalmente. Logo, sequer poderia pleitear a partilha de bens sem antes obter esse reconhecimento.
O que a OAB pede a seus examinados é que procurem reverter um caso em que um juiz transferiu diretamente ao bastardo incapaz, pela via sumária, a metade do patrimônio. Já vi juízes fracos, preguiçosos e claramente ineptos, mas nunca a esse ponto.
De quebra, a prova não é lá muito cuidadosa com a sobriedade da advocacia e com os ares de modernidade que a OAB é tão ciosa em defender. O falecido do caso hipotético é o “Manuel”, casado com a “Maria”, dono de “padarias”. Os personagens femininos são sempre estereotipados – uma vai dilapidar o patrimônio do casal, outra recebe um presente e conta para todo mundo a fórmula secreta da empresa do marido, uma terceira é uma gastadora contumaz.