Neste primeiro domingo do ano, mais uma coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro. Utilizando a dupla Fla-Flu como exemplo, o colunista chama a atenção para um sério problema: a má gestão e a falta de oxigenação política dos clubes brasileiros.
Vamos ao texto.
Os Ratos

Dada a minha exuberante condição de flamenguista, sempre sou convidado a expressar minha opinião acerca dos mais variados assuntos do clube. Eu caí na esparrela de defender o Marcio Braga. 

Não esse que a maioria de vocês conhece; mas um sujeito revolucionário e transformador que na metade final da década de 70 fundou um movimento (FAF – Frente Ampla pelo Flamengo) destinado a mudar a cara do clube, que naquele momento parecia estar ficando para trás em comparação aos seus rivais. Muito do que enfeita a imponente sala de troféus da Gávea se deve a uma gestão então inovadora. O erro do Marcio Braga foi não ter percebido a hora de largar o barco e terminou seu mandato como uma farsa de si mesmo, fazendo besteira atrás de besteira.

Tocando nesse assunto, fiquei melancólico ao constatar que se passaram mais de trinta anos desde que a FAF tomou o poder no clube (1977, para ser mais exato) e de lá para cá os quadros que se sucederam no comando do clube são pavorosos, bizarrices como Edmundo Santos Silva (que até preso foi) e Kleber Leite. É nessa hora que todos fazem a pergunta clássica: como é que o Flamengo, o maior e mais poderoso clube do país, não consegue escolher uma liderança competente e arrojada?

Tenho minhas suspeitas. O modelo de escolha de gestores nos nossos clubes de futebol é repulsivo a executivos bem sucedidos, por força do ambiente de alta politicagem que permeia a escolha. Entendam, eu sou um entusiasta da política, seja na vida institucional, seja nos movimentos sociais, como na OAB ou nos sindicatos. Mas via de regra o embate político confronta diferentes correntes de pensamento, com corte ideológico bem definido.

No clube a única coisa em jogo é a briga pelo poder em si mesmo e pela vaidade de quem o ocupa. Ora, em um ambiente dessa natureza, a única coisa que conta para vencer a eleição é a sua capacidade de angariar apoios, cuja moeda de troca, sejamos francos, é a delegação de fatias de poder aos grupos influentes na política interna.

Além disso, o segmento de futebol é repleto das piores companhias. Os agentes de jogadores, os cartolas das federações, os intermediários de todo o tipo ávidos por negócios de curto prazo… É tudo gente de quem não se compraria um carro usado, mas com quem se é obrigado a negociar fortunas.

Um time pelo qual nutro uma renhida antipatia, por seu ar esnobe de quem ‘come angu e arrota caviar’, acaba de empossar como presidente uma pessoa muito acima da média do seus pares – a típica pessoa certa no lugar e hora errados. 

Se o Fluminense é superior ao Flamengo em algo é justamente na capacidade de cometer as maiores barbaridades e ninguém ter de prestar contas à Justiça. O clube, com uma arrecadação muito menor, tem uma dívida muito maior do que o Flamengo. Ou seja, geração de caixa negativa e preocupante.

O que fazer em um caso desses? Qualquer pessoa com um senso mínimo de responsabilidade se dedicaria a tentar sanear as contas e tentar fazer do clube algo que possa se sustentar quando alguém resolver fechar a torneira que um celerado resolveu abrir, fazendo gentileza com o chapéu alheio dos coooperados e fornecedores da entidade que preside – a Unimed. 

Só que aí vem o dliema central: austeridade e responsabilidade orçamentárias costumam ser incompatíveis com resultados de curto prazo em campo – ainda que, claro, possam garantir ótimos resultados no longo prazo.

E aí vem a sinuca de bico: ou o sujeito exerce sua autoridade, dá uma banana para os aliados e para a torcida e administra o clube ‘comme il faut’, correndo o sério risco de colher resultados pífios e atrair a revolta contra si, ou se rende ao ambiente deletério de sempre, agindo de forma imatura, irresponsável e voltada para resultados de curtíssimo prazo, jogando o seu prestígio no lixo.

Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos homens mais inteligentes do país, que assumiu o Palmeiras sob entusiasmados aplausos e o deixará com sua imagem em frangalhos, preferiu a segunda opção. Oxalá Peter Siemsen (pronuncia-se “Péter” e não “Piter”), a quem não conheço pessoalmente, mas tenho uma penca de amigos em comum – afinal, somos da mesma geração, da mesma profissão, da mesma cidade – possa manter a firmeza necessária para agir de acordo com o que o seu preparo e sua biografia sugerem.

Porque o seu eventual fracasso só vai reforçar a minha impressão inicial: se é para continuar tudo como está e tocar o clube com a velha incompetência e bagunça de sempre, é melhor deixar os ratos tomarem conta mesmo. Afinal, de esgoto eles entendem melhor do que nós.

E esta conclusão vale para os clubes brasileiros em geral”

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