Voltando devagar à programação normal deste blog, trazemos mais uma edição da coluna “Formaturas, Batizados & Afins”, assinada pelo Professor de Biofísica Marcelo Einicker Lamas. Desta vez, em continuação à coluna anterior, o texto traz o não reconhecimento de Carlos Chagas pelo Prêmio Nobel.

O curioso é que no início da década de 70 houve outro caso semelhante. Dom Hélder Câmara foi indicado ao Nobel da Paz por sua luta contra a tortura e contra a ditadura no Brasil dos generais, mas gestões destes junto à diplomacia internacional acabaram por impedir a eventual concessão do prêmio. E isto me lembra que a biografia do religioso está na minha (longa) lista de livros não lidos…

Vamos ao texto.

O Nobel que o Brasil merece, mas não tem

Caros amigos,

Dando continuidade ao tema da última coluna, vamos abordar este episódio ainda um tanto quanto obscuro da história da Ciência que nos afeta de maneira cruel. Falaremos do famoso Prêmio Nobel que deveria ter sido dado ao Dr. Carlos Chagas, mas que no fim das contas não foi entregue a ninguém.

A biografia de Carlos Chagas

Para aqueles que se interessam não apenas por Carlos Chagas, mas por outros grandes vultos de nossa História, a Internet é uma fonte inesgotável de informação. Cuidado apenas para obter estas informações em sítios seguros e de confiança no que diz respeito à autenticidade e veracidade das informações. De acordo com o sítio e-biografias, Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, médico e bacteriologista brasileiro, nasceu em Oliveira, Minas Gerais no dia 9 de Julho de 1879, e faleceu no Rio de Janeiro no dia 8 de Novembro de 1934.

Formado em Medicina no Rio de Janeiro, dedicou-se aos serviços de profilaxia de doenças muito comuns aquela época e que eram responsáveis por centenas de mortes. Esta sua atuação como médico sanitarista foi muito importante, principalmente no interior do Brasil. Sua determinação e suas estratégias de combate à malária tornaram-no conhecido e respeitado. Em 1907 passou a integrar o quadro de médicos pesquisadores do Instituto Osvaldo Cruz em Manguinhos, Rio de Janeiro. O Instituto já era o principal centro de pesquisa do país e tinha muitas frentes para estudo de doenças parasitárias endêmicas de nosso território.

Ali foi constituída uma comissão para realizar estudos sobre uma doença que tinha grande prevalência no interior do Brasil, e coube a Carlos Chagas chefiar esta Comissão. Em 1909, após incansável dedicação e visitas mesmo a regiões afetadas, Carlos Chagas conseguiu identificar em esfregaços de sangue dos pacientes acometidos o agente causador dessa terrível doença, um protozoário flagelado que foi inicialmente denominado de Schyzotrypanum cruzi e que depois passou a ser chamado de Trypanosoma cruzi. Uma homenagem feita por Carlos Chagas a outro importante médico sanitarista de nosso país, que foi Osvaldo Cruz.

Mas a descoberta de Carlos Chagas foi muito mais significativa! Identificado o agente causador, Carlos Chagas também conseguiu demonstrar que aquela doença era transmitida por um inseto que era encontrado freqüentemente nas frestas das casas de “pau a pique” daquela região do interior do Brasil, mais precisamente a região de Lassance, Minas Gerais. 

O inseto é popularmente conhecido como “barbeiro”, por sua característica de buscar seu alimento – sangue – na região do rosto das pessoas que acabavam infectadas. Também se conhece o Barbeiro popularmente por chupança, bicho-barbeiro, bicho-de-frade, bicho-de-parede, bicudo, cascudo, chupão, chupa-chups, fincão, gaudério, percevejão, percevejo-do-sertão, percevejo-gaudério, procotó, rondão ou vunvum. Os avanços da entomologia (ramo da Biologia que estuda os insetos) médica trouxeram muitas contribuições ao estudo deste inseto hematófago que hoje é classificado como um Triatomíneo da Ordem Hemíptera, Família Reduviidae. Assim, diferentes espécies de Barbeiros seriam responsáveis por transmitir a hoje conhecida Doença de Chagas, uma justa homenagem ao grande médico Carlos Chagas.

Mas ainda faltava mais alguma coisa e Carlos Chagas trouxe ainda mais uma contribuição no estudo da Doença de Chagas. Foi ele quem descobriu o ciclo de vida do protozoário causador, mostrando que em verdade o T. cruzi viveria em animais silvestres como roedores, gambás e até tatus; e que chegava ao homem em ações de ocupação de áreas de floresta ou próximas a floresta que proporcionaram ao inseto vetor ter contato com humanos, inoculando neles a forma infectiva do T. cruzi e condenando estes sujeitos a terem a Doença de Chagas. Em resumo, Carlos Chagas descobriu o agente causador da Doença, o inseto transmissor, o ciclo de vida e os sintomas que apresentavam os que eram acometidos por esta moléstia.

Em 1911 foi concedido a Carlos Chagas o prêmio Schaudim, conferido por um juri internacional ao melhor trabalho sobre Protozoologia e Microbiologia. Mas, e o Nobel? Por estas importantes descobertas, por que Carlos Chagas não recebeu o Nobel?

Uma injustiça ou pura inveja?

Até os dias de hoje, Carlos Chagas é considerado o nome mais forte que o Brasil já teve para ser laureado com o Nobel (ver detalhes na coluna anterior). Ele chegou a ser indicado oficialmente ao Nobel de medicina duas vezes: em 1913 e em 1921, mas nunca foi o premiado. Há uma versão que diz que sua candidatura não foi vitoriosa, pois outros médicos brasileiros, questionavam muito fortemente suas descobertas, o que poderia ter influenciado os membros da Academia que confere o Nobel a ter preterido Carlos Chagas. Neste caso, a maior honraria da Ciência mundial não teria sido legitimamente dada ao Dr. Carlos Chagas por pura inveja ou mesmo por oposição política – vejam já a maldita política sujando nossa história…

Há quem diga que Chagas foi o escolhido pelo Instituto Karolinska (Suécia) para ganhar o Nobel em 1921, mas por algum motivo, não o recebeu e o prêmio acabou não sendo anunciado naquele ano. E este mistério segue ainda sem solução conforme atestam em um texto no Portal do Instituto Oswaldo Cruz os médicos e pesquisadores João Carlos Pinto Dias, José Rodrigues Coura e Marília Coutinho.

Claro, existem outras versões, que inclusive falam sobre Carlos Chagas não ter ganhado o Nobel simplesmente por ter tido poucas indicações dentre os indicados nas categorias de fisiologia ou medicina naqueles anos. Em artigo publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, o médico José Eymard Homem Pittella tenta esclarecer esta suposta “teoria da conspiração” contra Chagas. No seu texto, Pittella diz que Chagas não era candidato único naquela edição do Nobel, nem mesmo teria sido um dos finalistas. Pelos estudos de Pittella, que pesquisou os arquivos do Nobel, 42 cientistas foram indicados aos prêmios de medicina e fisiologia e os mais votados teriam tido 11, 9 e 7 indicações cada. Neste cenário, Carlos Chagas teria ficado com apenas uma indicação, submetida pelo médico brasileiro Hilário Soares de Gouvêa. Assim, obviamente a Academia teria escolhido aquele que teve mais indicações, o que de toda forma não deixa de parecer injusto, pois dificilmente estes com mais indicações eram donos de feitos maiores que o que apresentara Carlos Chagas.

Também isso não exclui os tais opositores de Carlos Chagas aqui no Brasil, outros médicos e cientistas que se sentiam incomodados com o sucesso de Chagas, e porque não, teriam inveja dele. Não existe qualquer documentação que sugira que os opositores é que impediram a premiação de Chagas, diz o Dr. Pittella em uma entrevista ao Jornal Estado de São Paulo (infelizmente não tenho a data precisa desta matéria). O fato é que destes 42 indicados, um inclusive com 11 indicações, nenhum levou o prêmio. Ou seja, também podem ter considerado o feito deste que teve 11 indicações inferior ao feito de Chagas, e assim aplicado uma das regras do Prêmio (ver coluna anterior).

Chagas teria sido ainda indicado outras vezes ao Nobel entre 1915 e 1925, mas nestes 10 anos, em seis não houve vencedor do Nobel. Outro fato que conta contra a premiação de Chagas é que a maioria dos cientistas que indicavam e/ou escolhiam os premiados eram de instituições americanas ou européias, que com isso naturalmente privilegiavam escolhas de suas regiões. O Brasil naquela época era um país subdesenvolvido e sem nenhuma importância na ciência mundial.

Uma lacuna histórica

É fato que Chagas fez algo nunca igualado na pesquisa científica, quando em menos de um ano identificou o agente causador, o inseto transmissor, o ciclo de vida e os sintomas da “Doença de Chagas”. Outros cientistas ganharam o Nobel e ficaram muito famosos por muito menos que isso, o que já deixa esta sensação de injustiça. Lembro quando desenvolvia minha Tese de Doutorado no Instituto Oswaldo Cruz, que por vezes, em seminários e palestras foram mostradas algumas iniciativas de pesquisadores brasileiros de conseguir junto a Comissão do Prêmio Nobel, que esta história fosse revisitada e que a brilhante descoberta de Carlos Chagas, mesmo que com mais de um século de atraso, fosse enfim – de forma justíssima – premiada com a maior láurea da Ciência Mundial, o Prêmio Nobel.  Que possamos comemorar todos isso em breve!
   
Até a próxima!”